Poluição sufoca o Arroio do Engenho

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Poluição sufoca o Arroio do Engenho

Projeto em análise nas comissões parlamentares propõe medidas para incentivar a preservação do Parque da Nascente do Engenho Clara Maria Schorr

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Poluição sufoca o Arroio do Engenho

Recurso hídrico tem a nascente protegida, mas uma foz agonizante. Durante o percurso, recebe altas cargas poluidoras, matando a vida aquática e contaminando o Rio Taquari. A proposta do vereador Sérgio Rambo visa identificar as árvores e instalar placas às margens do Arroio do Engenho, orientando visitantes sobre cada espécie de vegetação. “Não basta ser uma APP. É urgente estancar a contaminação.”

Ações em prol da recuperação da área a partir de março de 2016 serão realizadas por alunos da escola Nova Viena, que fica do lado da nascente. Árvores frutíferas e nativas serão plantadas por eles em uma área que difere da realidade encontrada no percurso do arroio: se antes era local de banho e pescaria, hoje é um córrego de esgoto.

Segundo o proponente, algumas medidas são imprescindíveis para recuperação do arroio. Estancar o lançamento de esgotos doméstico e industrial é o passo mais emergencial, bem como desobstruir o leito dos entulhos e dejetos.
Canalizado em alguns trechos do centro e São Cristóvão, recebe todo tipo de rejeitos e dejetos. Na foz do Engenho, o encontro com o Taquari é deprimente. É visível a diferença na coloração das águas.

Parte mais escura dos resíduos desce ao fundo. Outra fica acumulada em pequenas represas de lixo que boiam com garrafas pet e sacos plásticos, pneus e muita matéria orgânica. O cheiro é forte.

Conforme o pescador Adão de Moraes, 43, pescar no Taquari é símbolo de resistência. Cerca de dez metros antes da correnteza do rio encontrar o Engenho é o ponto estratégico. Morar há quatro décadas no mesmo lugar lhe proporcionou um aprendizado constante: se antes era fácil pescar na saída do arroio, agora é preciso saber onde encontrar os peixes. “Diminuíram muito nos últimos 20 anos.”

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O Tietê do Vale 

Ao longo dos seus 3,8 quilômetros, o Engenho leva contaminação para o principal recurso hídrico do Vale. Para o publicitário e ativista do movimento Viva o Taquari Vivo, Gilberto Soares, o arroio foi escondido da população.
Na avenida Décio Martins Costa, a grande quantidade de dejetos e rejeitos de indústrias, comércio e residências mata o arroio. O forte odor de óleo diesel e gasolina é indicativo de poluição.

O Engenho nasce no bairro Olarias, passa pelo Montanha, São Cristóvão, Americano e centro. Uma pequena parte é canalizada, tornando-se um esgoto com alto potencial poluente ao Rio Taquari. Para Soares, o arroio está morto e pouco se pode fazer a respeito. “Desde que foi canalizado assinaram a confissão.”

O secretário de Meio Ambiente de Lajeado, José Antunes, afirma que uma notificação, com prazo de 20 dias, foi encaminhada pela administração à Corsan, exigindo um plano de metas para o esperado tratamento do esgoto. Em 2008, o contrato assinado entre a companhia e o município foi renovado para mais 25 anos, porém, não conta com plano de saneamento.

Em 2003, a Corsan foi notificada a apresentar um plano de metas para o tratamento. Doze anos depois, nada foi feito. Antunes lembra que existe uma lei no Plano Diretor exigindo filtros e tratamento dos esgotos das residências. “Muitos esperam a vistoria do Habite-se e, quando o fiscal vira as costas, ligam o esgoto direto no pluvial.”

Poluidores impunes 

Para Rambo, preservar a única nascente limpa do Engenho é o início de um longo caminho. Ele afirma que parte da proposta inclui o tratamento do esgoto e a limpeza das águas do arroio.

A despoluição é o mais emergencial e exigirá o cumprimento de leis ambientais que criminalizam as diversas formas de danos. A poluição de recurso hídrico pode gerar três tipos de responsabilidades: caso os dejetos estejam poluindo um recurso hídrico utilizado para consumo humano, pode sofrer autuação fiscal por infração administrativa, ação civil pública destinada a reparar os danos causados e uma ação penal pela prática do crime de poluição sob qualquer forma.

O fato de as infrações administrativas estarem dispersas em vários textos dos códigos Florestal e Civil dificulta o conhecimento e a aplicação. É necessário verificar a lei que embasa a figura infracional e impor ao transgressor o auto de infração.

A Lei 6.938 de 1981, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente, estabelece sanções cabíveis àqueles que não cumprem as medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental.

Entre outros artigos, a lei visa a preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à utilização racional permanente. No âmbito estadual, cada unidade federativa fixa regras próprias para o exercício da imposição de penalidades. O mesmo se dá em relação aos municípios.

As sanções podem ser multa, perda ou restrição de incentivos fiscais, perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito ou suspensão da atividade.

Herança ambiental

José Bonifácio Ehrenbrink, 54, tem como meta de vida proteger a nascente do Arroio do Engenho, lugar onde passou a infância, assim como os pais.

O antigo dono da terra, tio Rodolfo Fernando, era o seu padrinho e não tinha filhos. Em 1975, o presente deixado não poderia ter sido melhor. Quando a mãe de Ehrenbrink morreu, o tio pediu que fosse morar com ele. “Gostei muito do lugar e estou aqui até hoje.”

Quando cresceu, abriu uma oficina de chapeação e pintura. A proximidade com a BR-386 facilitou os negócios. Mas a paisagem começou a ficar diferente. Com o tempo, Ehrenbrink percebeu que o lago, antes profundo, estava ficando raso. Terras e pedras que desciam dos morros e das lavouras em dias de chuva forte estavam açoriando a nascente.

A decisão de recuperar o lugar se deu quando percebeu que também os pássaros, antes abundantes, estavam ficando escassos. Decidiu que era preciso recuperar o lugar. Para deixá-lo mais parecido com o que era antes, plantou árvores frutíferas, abriu a nascente para ficar mais larga e profunda e interrompeu as atividades da oficina.

O mesmo sentimento era demons­trado pelo tio Rodolfo. Ele orgulhava-se ao lembrar que o Arroio do Engenho era diretamente ligado à história de Lajeado. “Quando me mudei para o Olarias, nas terras de cima, em 1968, pescava aqui. Na época tinha muita traíra e muçum. Senti saudades disso.”

O dono das terras fez um desvio para as águas poluídas que desciam da BR-386 em dias chuvosos escoarem para outra vala. Foram intalados 30 canos de 60 cm para a água não ir toda diretamente ao arroio. “É um cartão-postal que existe pra cá. Já quiseram comprar pra fazer loteamento, mas eu quero deixar assim como está.”

A criação de alguns animais como porco, galinha e gado se tornou rotina. Antigamente, quando era solteiro, caçava pomba. Hoje não permite a caça no lugar. Afirma que os pássaros voltaram. Tatu, ratão-do-banhado e outros animais silvestres voltaram a aparecer depois que as árvores deram os primeiros frutos. Segundo Ehrenbrink, o sentimento é de ver de volta um lugar que o tio deixou como legado.

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Fármacos na água preocupam

As substâncias farmacológicas são a principal preocupação entre as contaminações do arroio, tanto para vida aquática quanto para o consumo humano. A Univates realizou coletas no Rio Taquari em maio deste ano para testes químicos e microbiológicos.

O Projeto Detecção e Remoção de Micropoluentes em Sistemas de Captação de Águas Superficiais e Efluentes é uma parceria da Univates com a Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI) e está no segundo ano.

Três pontos diferentes de coletas foram realizados no rio com ênfase em amostras de água superficial junto à captação, na saída da estação de tratamento de água e no final da rede de distribuição.

Segundo a coordenadora geral do projeto, Dr. Lucélia Hoehne, desde maio, a equipe realiza as coletas, mas nos tipos fármacos ainda não foi possível realizar pesquisa por falta de um equipamento que deve chegar no próximo ano. Então será possível monitorar os níveis de seis remédios nas águas do Taquari como amoxicilina, cefalexina, norfloxacina, azitromicina, ciprofloxacino e benzetacil.

Além disso, será analisada a utilização de tecnologias para a remoção desses micropoluentes por processos oxidativos avançados. O custo total da pesquisa será de R$ 981 mil, sendo R$ 82,8 mil destinados para bolsistas e R$ 899 mil para equipamentos e materiais de consumo. O aporte veio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

Conta com profissionais como Rafael Rodrigo Eckhardt, coordenador de Engenharia Ambiental; Dra Simone Stülp, coordenadora do Parque Científico e Tecnológico do Vale do Taquari Tecnovates; Dr. Maurício Hilgemann e Gustavo Reisdörfer.

Vida aquática ameaçada 

Um novo relatório da International Joint Commission (IJC, na sigla em inglês) – consórcio de autoridades dos Estados Unidos e Canadá – chegou a um resultado alarmante: o sistema de tratamento dos efluentes estava falhando.

De acordo com a cientista física da Joint Commission Internacional, Antonette Arvai, compostos químicos apareceram em níveis baixos e, mesmo diluídos, representam risco.

Os cientistas revisaram dez anos de dados e diagnosticaram 42 compostos que aparecem com frequência, entre eles, herbicidas, anticonvulsivos, antibióticos, antibacterianos e anti-inflamatórios. Traços de cafeína, paracetamol e estriol são os mais frequentes.

As substâncias, mesmo extremamente dispersas, com milionésimos de grama por litro, mudam a vida de animais aquáticos, os ritmos diários, aumentando a agressividade e desorganizando a reprodução. No mar, moluscos alteram a deposição de ovos, destruindo a fecundidade dos peixes.

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