Impeachment e manobras dividem opiniões

Crise política

Impeachment e manobras dividem opiniões

O pedido para a abertura do processo de impugnação do mandato da presidente da República, Dilma Rousseff (PT), chegou à mesa do líder da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), há dois meses

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Impeachment e manobras dividem opiniões
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“O Brasil enfrenta uma profunda crise, e que, ao contrário do que divulga o governo comandado pela denunciada, não é uma crise exclusivamente econômica, mas também política e, sobretudo, moral”.

As justificativas apresentadas pelos juristas Hélio Pereira Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Conceição Paschoal, autores da denúncia contra Dilma Rousseff, envolvem série de fatos divulgados pela imprensa nos últimos meses. Escândalos de corrupção e má gestão na Petrobrás, “pedaladas fiscais” e rejeição pelo Tribunal de Contas da União (TCU) norteiam o impeachment.

Dilma é a segunda presidente a enfrentar tal processo. O primeiro caso envolveu o hoje senador alagoano, Fernando Collor de Melo, Ele não resistiu e teve o mandato cassado em 1992, mesmo após renunciar sob forte pressão da sociedade política e civil. A fato ficou conhecido pela intervenção popular dos chamados “cara-pintadas”. O processo contra a chefe da União pode perdurar por mais de sete meses, e deve iniciar só após o recesso parlamentar.

Na quinta-feira, a decisão do presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB) – baseada em um dos 31 pedidos de impeachment encaminhados contra Dilma Rousseff, dos quais 27 foram arquivados – foi lida em plenário.

No texto assinado por Cunha, ele discorre sobre as denúncias apresentadas pelos três juristas. Entre elas, a relação da presidente com agentes políticos envolvidos em operações ilícitas da Petrobrás, e colaboradores da Justiça na Operação Lava Jato. Entre eles, Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef. Fala ainda da compra da refinaria de Pasadena e o retorno negativo à estatal.

Também são citadas no texto as denúncias de suposto tráfico de influência cometido pelo ex-presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, em favor da Construtora Odebrecht. Para os denunciantes, a conduta de Dilma é “leniente”, e “caracterizadora de crime de responsabilidade” em função de sua “parceria indissociável” com Lula.

Ainda, de acordo com o processo, Dilma é criticada por permitir empréstimos sigilosos do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para obras em outros países, como Cuba e Angola, realizadas por empreiteiras brasileiras.

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Pedaladas fiscais

Para os denunciantes, Dilma cometeu crime de responsabilidade fiscal ao editar decretos autorizando novas despesas primárias, no fim do ano passado, quando o governo já reconhecera a impossibilidade de cumprir a meta de superavit primário prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Em 2015, conforme a denúncia, a mesma situação persiste.

Os autores do pedido de impeachment alegam ainda que a presidente deve ser processada pela prática das chamadas “pedaladas fiscais”. Segundo os juristas, Dilma usou de bancos públicos para pagar despesas típicas do governo, o que é vetado pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

“A democracia foi atacada. Vamos defendê-la”
Membros da bancada do PT na Câmara rechaçam a tentativa. Para Henrique Fontana, o processo é como um revanchismo. “Existe um volume enorme de denúncias contra Eduardo Cunha, acusado de corrupção, lavagem de dinheiro. Ele age no desespero de tentar salvar seu mandato.”

De acordo com Fontana, não há possibilidade do processo ir adiante. “Esse golpe não vai prosperar, nem com votos no parlamento e muito menos com a liderança de um deputado como Cunha.” Paulo Pimenta endossa. “Cunha age por revanchismo em razão do PT ter anunciado que votaria pela admissibilidade do seu processo no Conselho de Ética.”

Pimenta cita que não há acusação contra a presidente, enquanto Eduardo Cunha responde por série de processos. “Foi denunciado pelo MPF por corrupção e lavagem de dinheiro, e pedido de 184 anos de prisão. É a democracia brasileira que está sendo atacada e correndo riscos. E nós vamos defendê-la”.

Elvino Bohn Gass questiona as acusações. “Ela não roubou nenhum centavo.” Segundo ele, o presidente da Câmara “só não terá o mandato cassado se for salvo pelos tucanos e pelo DEM”. Para o petista, Cunha e o pedido de impeachment são “golpistas”. “Quem defende um, defende o outro.”

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“O impeachment  é decidido democraticamente.”
Jerônimo Goergen (PP) descarta qualquer possibilidade de “golpe”. “Eu sou favorável. O processo é legal, e o impeachment é decidido democraticamente pelo Congresso.” Segundo o progressista, a presidente Dilma Rousseff não demonstra aptidão política para liderar o país e a sociedade. “Ela não consegue gerenciar o próprio governo. E nem vou entrar nas graves questões éticas.”

Goergen afirma que o mais importante foi a abertura do processo de impugnação do mandato. “A sociedade não poderia ficar no meio dessa barganha, onde Dilma e Cunha negociavam e sustentavam um ao outro.” Para ele, é essencial que o presidente da Câmara seja deposto. “Caso contrário, o impeachment perde toda a credibilidade.”

Também deputado federal, Heitor Schuh (PSB) prefere não se posicionar sobre seu voto no processo. “Nunca vi um juiz de futebol marcar um pênalti antes do jogo iniciar. Prefiro me reunir com o diretório e aguardar o jogo iniciar. Hoje, não sei dizer se votarei contra ou a favor do processo.”

Segundo o parlamentar, alguns indícios apresentados na denúncia foram “perdidos” com a aprovação do projeto que altera a meta fiscal e permite ao governo fechar 2015 com déficit de até R$ 120 bilhões de reais. “Com isso, o Congresso diz que a ‘pedalada’ é legítima. Os problemas contábeis e fiscais foram legalizados. Eu votei contra”, comenta.

Também foram encaminhadas questões aos deputados Luiz Carlos Busato (PTB), Maria do Rosário (PT), João Derly (REDE), Afonso Hamm (PP), Renato Molling (PP), Nelson Marchezan Júnior (PSDB), Onix Lorenzoni (DEM) e Sérgio Moraes (PTB). Não houve resposta até o fim da edição.

Cientista social avalia pedido
Formado em Ciências Sociais e mestre em Sociologia, o professor Rodrigo Augusto Prando afirma que o momento reclama, antes de tudo, reflexões menos apaixonadas. “O governo Dilma vive em compasso de espera. Aguardava julgamento das contas pelo TCU, de processo do STE sobre eleições, aguarda os resultados da Lava-Jato.”

Sobre o impeachment, Prando acredita que o afastamento de um presidente deveria conjugar três principais atores. “Os políticos, com o poder de votar pela cassação, a força popular das ruas indignadas, e o universo jurídico, dando respaldo assentado em fatos concretos de desvios da presidente.”

O sociólogo cita ainda que o clamor popular perdeu força. Para ele, isso influencia na decisão dos parlamentares. “Eles podem se articular para levar a cabo o mandato da presidente. Ou, sem o clamor popular, optar por uma ação menos drástica, deixando o governo chegar em 2018 sem popularidade, credibilidade e exaurido por completo.”

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