“Vai ficar mais difícil ser desonesto”

Pressão do Judiciário

“Vai ficar mais difícil ser desonesto”

Especialistas discutem relação entre imprensa e poder na Assembleia Legislativa

“Vai ficar mais difícil ser desonesto”

Em dia conturbado pelas acusações do MP contra o deputado Mário Jardel (PSD), a Assembleia Legislativa (AL) discutiu as relações entre imprensa e poder na 8ª Edição do Fórum dos Grandes Debates. Cientista político, diplomata e colunista da Folha de São Paulo, Marcos Truyjo abriu os painéis com reflexões sobre o futuro do jornalismo e do poder público. Para ele, imprensa e poderes estão em crise pelo mesmo motivo, a introdução das novas tecnologias de comunicação (veja entrevista).

Mais cedo, o presidente da AL, Edson Brum (PMDB), falou sobre medidas de economia adotadas pelo parlamento diante das dificuldades financeiras enfrentadas pelo Estado. Segundo ele, a Assembleia deixou de gastar 15% do orçamento e devolverá R$ 85 milhões aos cofres gaúchos.

“É resultado de um controle rigoroso”, assegura. Segundo Brum, a Assembleia gaúcha é a mais enxuta do Brasil e conseguiu revisar todos os contratos e cumprir metas para redução de custos operacionais ao ponto de quitar todos os compromissos.

Relatou as dificuldades enfrentadas durante o ano, considerado o mais turbulento da história da AL. Como exemplos, citou a cassação do deputado Diógenes Basségio (PDT), acusações contra o ex-presidente Gilmar Sossela (PDT) e os protestos que resultaram em bloqueio ao parlamento durante as votações do aumento do ICMS.

“Cada deputado é responsável por seu mandato. Se alguém não cumpre o Regimento Interno e as leis, responderá por suas ações”, argumentou, referindo-se também ao caso Jardel. Conforme Brum, todos os processos foram encaminhados para a avaliação da Comissão de Ética da AL.

O presidente agradeceu a imprensa, o Ministério Público e o Tribunal de Contas do Estado (TCE) por divulgar os acontecimentos do Legislativo e aperfeiçoar os mecanismos de controle social existentes na Assembleia.  Conforme Brum, a democracia se fortalesce quando age de forma transparente com auxílio dos meios de comunicação e dos demais poderes. “Não existe sistema melhor no mundo, mesmo com todas suas mazelas.”

O Fórum dos Grandes Debates celebra os 180 anos do parlamento gaúcho. A 9ª e última edição ocorre no dia 14 e abordará a participação da mulher na vida pública.

Para cientista político, jornalismo precisa orientar a sociedade

“Os jornalistas precisam voltar a ler”
A Hora – Por que será mais difícil ser desonesto com o avanço das tecnologias e das novas ferramentas de comunicação?
Marcos Troyjo – Em primeiro lugar, porque a intolerância da sociedade com políticos que não cumprem com o patamar ético está cada vez maior. A Operação Lava-jato mostra isso. São muitas ferramentas de monitoramento, muitos sites, blogs e jornais que tratam do problema da corrupção e da coisa pública no Brasil. O aparato tecnológico permite um espaço de manobra muito pequeno por parte daqueles que querem desviar da ética pública. Por vezes pagamos o preço de ter menos privacidade com as novas tecnologias, mas essa monitoria tira a certeza da impunidade, pois elimina a discrição que os corruptos e os desonestos precisam para operar.

Qual o papel do jornalista diante dessas novas tendências? O que é preciso para a profissão se manter importante na era da informação instantânea?
Troyjo – Antigamente se dizia que o poder era daqueles que detêm os meios de comunicação. Depois chegou-se a dizer que vivemos na era da informação. Hoje a informação está em todo o lugar. Mas o que precisamos é de informação bem fundamentada, de conhecimento, análise e de opinião. Para isso, o jornalista precisa ser um profissional muito diferente. Precisa estar menos no furo de reportagem, que até pouco tempo era um dos pilares da profissão, e direcionar os esforços para a explicação. Não apenas destrinchar os acontecimentos, mas também apontar alternativas. Vejo um grande papel para os editoriais e para os colunistas de opinião de caráter propositivo. Os grandes desafios e as grandes oportunidades do jornalismo contemporâneo são dar sentido às informações por meio de uma boa curadoria, mas também de orientação.

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De que forma você enxerga o atual momento dos profissionais da imprensa e como eles podem se preparar para este novo panorama?
Troyjo – Os jornalistas precisam voltar a ler, algo que deixaram faz muito tempo. Em primeiro lugar, voltar a ler jornal, mas também voltar aos livros. Me surpreendo ao perguntar aos colegas da Folha sobre livros. É um deserto de respostas. Acho curioso que muitos não leem as coisas que seus colegas escrevem. Isso cria outra dificuldade grande, pois para produzir algo que vá além da informação é preciso ser culturado. A profissão do passado era de um conhecimento e ecleticismo que acabou se perdendo. Antigamente era mais difícil encontrar fontes para alimentar a sua cultura de modo a estar apto para opinar, o que hoje ficou mais fácil. Porém a atividade está acomodada, porque as informações estão em todos os lugares. O grande diferencial é a capacidade explicativa e de mostrar os caminhos adiante. Gosto muito da ideia de um jornalismo propositivo amparado pelas novas tecnologias.

As mudanças tecnológicas no jornalismo são menos sentidas nos segmentos. Um exemplo são os jornais do interior, ainda não diretamente ameaçados pelas plataformas digitais. Qual o futuro desses nichos?
Troyjo – Esse conteúdo vai se manter. A ênfase no local é muitas vezes mais forte em relação ao global. Mas o local também vai se instrumentalizar com as novas tecnologias. Uma página de Facebook sobre determinado bairro ou município pode ter mais inserção do que a capacidade de alcance de um jornal impresso. Tem também a capacidade de permanência. Pesquisas mostram que mesmo os grandes jornais ficam em média 19 minutos na mão do cidadão. É muito pouco para a quantidade de conteúdo, enquanto as comunidades virtuais de bairros estão conectadas de forma instantânea. O jornalismo local tem um grande futuro, mas talvez em outras plataformas que não o impresso tradicional em papel.

Será mais difícil a adaptação dos veículos diante dos custos da inserção tecnológica?
Troyjo – Na verdade eu enxergo isso como uma carta de alforria. Hoje um dos maiores custos para os jornais é a impressão em papel. É um modelo caríssimo e por vezes ofensivo ao ambiente. O custo da tecnologia é decrescente. O Brasil é um país de renda média e tem a segunda maior população do mundo em usuários do Facebook. Então não há uma vinculação entre a mudança da tecnologia e o aumento dos custos. Eles existem, são diferentes, mas acredito que são mais razoáveis do que o modelo atual.

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