Tributo ao canto

Canto Coral

Tributo ao canto

Encontro dos Corais mostra a riqueza e o valor da cultura que perpassa gerações

A importância de uma cultura trazida por imigrantes que povoaram a região, e além, fizeram dela exemplo de desenvolvimento para o estado. A união, expressa por etnias distintas e que hoje formam um só povo. O anseio por preservar e renovar aquilo que no passado manteve as famílias unidas. Todos esses sentimentos ecoaram pela região na quinta-feira à noite, durante o encerramento do Encontro dos Corais – Edição Vale do Taquari. Formação, Documentação e Legado da Grande Arte, que ocorreu em Teutônia.

O projeto, desenvolvido pelo A Hora, foi aprovado pelo Ministério da Cultura, por meio da Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet). A iniciativa proporcionou treinamento gratuito para representantes dos 280 grupos documentados na região, por meio de workshops sobre empreendedorismo cultural, concertos eruditos e registro em vídeo das apresentações.

A realização do trabalho teve patrocínio das Bebidas Fruki, Docile Alimentos, Grupo Bremil, Charrua, Calçados Beira Rio, Pavsolo, Baldo SA e Grupo Imec, que acreditam na força transformadora de atividades culturais desse nível, e no desenvolvimento social que podem proporcionar.

O programa foi criado com o intuito de impulsionar a compreensão e a geração de emprego e renda por meio de toda a cadeia de produção cultural. Com destaque para o canto coral, visando proporcionar a sustentabilidade dos integrantes.

Oficinas de treinamento passaram por Lajeado, Colinas, Forquetinha, Encantado, Marques de Souza, Estrela, Arroio do Meio, Dois Lajeado, Santa Clara do Sul e Teutônia. Todas as atividades foram registradas e documentadas, por meio de fotografias e do preenchimento de formulários com informações sobre os grupos participantes. O objetivo, que surgiu antes mesmo da formalização do projeto, é o encaminhamento do canto coral ao registro de patrimônio cultural imaterial.

Uma equipe técnica integrada por profissionais treinados tornou possível a realização dos treinamentos. Eduardo Gomes ficou responsável pela direção artística e musical; Daniela Maronesi e Cassiane Nascimento assumiram a produção executiva; além do historiador, João Timótheo e do regente, Paulo Haas, que ministraram os workshops, ao lado do Coral Juvenil Novo Brilho, que acompanhou as orientações.

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Durante o encerramento, quem iniciou as apresentações foi uma das grandes descobertas do projeto cultural Hora dos Talentos, de 2013, o tenor infantil Vitor Delazeri. Também participaram as cantoras Cathy Nied e Clara Groders, interpretando composições clássicas da música lírica e do folclore alemão.

A união entre jovens e idosos foi destaque por meio da sequência de exibições do coral Apollo, o mais antigo do RS, e do Coral Juvenil Novo Brilho. Outros pontos altos foram os shows da Orquestra de Teutônia e do acordeonista Renato Borghetti e quarteto. Os grupos fecharam a programação tocando juntos o clássico Noite Feliz, acompanhados por um coro composto por mais de mil vozes dos integrantes de corais da região.

De acordo com o secretário de cultura e turismo de Teutônia, Ariberto Magedanz, o evento não beneficia apenas o município, ou os cantores que compareceram. Mas marca a história da cultura no Vale do Taquari. “Diante de uma iniciativa tão grandiosa, em nome da comunidade que representa essa tradição, agradeço a todos os envolvidos”, conclui.

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A experiência do começo

A história do canto remete a um passado milenar, que vem desde o desenvolvimento da habilidade de falar. Passa pela antiguidade clássica, época de predominância cultural greco-romana, e chega a um período em que a igreja determina o que pode ser cantado, quem pode cantar e com quais instrumentos a música pode ser executada. Cenário que só começa a se flexibilizar na Idade Média.

No Vale do Taquari, a história do canto coral só se desenvolve na época em que a região começa a ser colonizada por italianos e alemães. Há registros centenários de partituras e documentos que registram essa história. Alguns são guardados por descendentes, outros por integrantes de coros, mas a maioria está em arquivos históricos públicos em Porto Alegre.

Felizmente ainda é possível ouvir relatos de integrantes do grupo mais antigo do RS, e ter uma noção de como essa história começou. A Sociedade de Canto de Homens Apollo foi fundada no dia 15 de agosto de 1886, em Nova Berlim da Forqueta, hoje Marques de Souza. Naquela época a comunidade não tinha igreja ou escola. Em 2015, um projeto de lei tornou o grupo patrimônio imaterial.

Para o aposentado Sérgio Höbrig, 71, que faz parte do Apollo faz mais de 15 anos, a atividade vai além do aspecto cultural. Ele relata que sempre foi incentivado pelo pai e todos os sete irmãos e irmãs sempre cantaram. Conta que começou tarde, já com 20 anos. “Mas depois vi que era importante manter o costume para lembrar da família”, comenta.

Ele dá um exemplo pessoal dessa natureza ao relatar um problema de saúde. Höbrig está perdendo a voz aos poucos, mas pretende continuar envolvido com os corais. “Se um dia eu não puder mais falar, acho alguma maneira de ajudar”, obstina-se.

Persistência para desenvolver

A influência dos mais experientes começa em casa e também pode ser com os amigos, conhecidos ou até mesmo professores. Os mais empolgados chegam a participar de vários corais. Mas alguns se destacam e de forma voluntária assumem uma das funções mais importantes em um coro.

O professor aposentado Valmir Leopoldo Eckert, 65, é um exemplo disso. Ele é regente de cinco grupos em quatro cidades da região. Em Lajeado, está à frente do Coral Vamos Vencer; em Forquetinha, responde pelo Coral Intercomunitário São Bento e pela Sociedade Cantores Carlos Gomes. Em Cruzeiro do Sul, orienta o Coro Misto Cruzeiro. Em Canudos do Vale, atua no Coro Misto Sempre Alegre.

Na opinião dele, a renovação do canto coral e da música passa por incentivar as crianças tanto em casa como na escola. Afirma que nunca é tarde para aprender. “Eu mesmo, há pouco tempo aprendi a montar partituras com um programa de computador”, exemplifica.

Futuro de continuidade

Um dos principais objetivos do projeto Encontro dos Corais é reconhecer a relevância cultural e histórica dos grupos, incentivar a renovação dos integrantes e ajudar na continuidade da tradição. Hoje há poucos coros infanto-juvenis. Coralistas experientes lamentam a falta de interesse das novas gerações.

O aposentado Roque Schorr, 64, cantor faz mais de dez anos, diz que enfrentou dificuldades por ter começado tarde, em função do excesso de dedicação ao trabalho. Mas também lista motivos para que o primeiro passo seja dado. “Nesse ambiente, as amizades são muito mais leais”, realça.

Segundo a aposentada Isabel Gianesini, 61, há oito anos no Coral Italiano La Felicitá, para os jovens falta vontade e atenção sobre coisas importantes como a tradição do canto. Por outro lado, para os adultos falta assumir uma postura combativa a essa morosidade. “Precisamos cativar a gurizada. Lembrar o significado das raízes e tradições”, argumenta.

O incentivo também parte de pessoas que têm a oportunidade de vivenciar dois extremos. O estudante Leonardo Graeff, 22, canta desde os 6 anos e hoje faz parte do Coral Apollo, entidade com 129 anos, e do Coro de Jovens Novo Brilho. “A oportunidade de conviver com pessoas idosas, aproveitar as experiências e levar essa bagagem para o coro juvenil é indescritível”, comenta.

De acordo com Graeff, a conclusão dessa iniciativa é o reflexo do legado de uma cultura centenária. Uma história que poderia enfraquecer ou até se perder caso nada fosse feito para lembrar as pessoas da sua relevância.

A esperança está nas mãos e na voz de pessoas. Como para o estudante Leandro Mann, que por influência do avô, Otero, passou a cantar com o coral Apollo.

Mann conta que ainda não decidiu qual será sua profissão, mas uma coisa é certa, pretende levar o canto coral para toda a vida. “Me sinto muito orgulhoso, pois é uma tradição, é um costume muito bonito”, resume.

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Encontro dos Corais enaltece tradição

Durante dez meses, de março a dezembro, a equipe de profissionais do Encontro dos Corais treinou integrantes dos grupos de toda a região. O lançamento ocorreu em Marques de Souza, por ter o coro mais antigo do estado, e o encerramento, em Teutônia, por abrigar mais de 50 corais.

A iniciativa também buscou informações históricas. Como resultado, foi publicado o caderno especial Corais. O Poder da Voz. Formação, documentação e legado da grande Arte. O material reuniu documentos, fotografias e informações que ajudaram a traçar o perfil da maioria dos coros da região.

De acordo com o diretor-geral do A Hora, Adair Weiss, o projeto marca um novo ciclo para o canto coral no RS. Além de influenciar as atividades de mais de sete mil coralistas, chama atenção da sociedade à importância do reconhecimento de “uma cultura valiosa demais para se perder”.

No encerramento do projeto, o secretário de Cultura e Turismo de Teutônia, Ariberto Magedanz, realçou as bases que sustentam o desenvolvimento do município: religião, trabalho e cultura. Ele destaca a excelência da atividade, ação que prima por manter viva uma tradição propagada há tanto tempo. Para ele, o poder público tem a obrigação de investir nas atividades e fomentar a perpetuação dos grupos. Dessa maneira, criando cada vez mais oportunidade para despertar novos cantores.

Da mesma forma, o presidente da Associação dos Municípios do Vale do Taquari (Amvat) e prefeito de Dois Lajeados, Valnei Cover, enalteceu o potencial despertado por meio do projeto. Na visão dele, a semente foi plantada. “Agora é preciso regar com o incentivo as novas iniciativas para contemplar a cultura.”

Para o prefeito, os gestores da região devem olhar com mais atenção para os corais, de modo que se torne possível suprir as necessidades, criar oportunidades e preservar as memórias. “Seja italiana ou alemã, a colonização do Vale se confunde com o canto coral”, resume.

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