Justiça libera tratamento para paciente morto

"Pílula do câncer"

Justiça libera tratamento para paciente morto

Oli Troian Pirovano, de Arvorezinha, sofria de câncer há seis anos e foi beneficiado com o direito de receber o tratamento com fosfoetanolamina sintética nessa segunda-feira, três semanas depois de morrer em um leito hospitalar. A família critica a demora para ter acesso ao produto, cuja aprovação pela Anvisa ainda carece de estudos com humanos para obter registro de medicamento

A notícia foi divulgada por todo o estado nessa segunda-feira. Um aposentado de Arvorezinha era mais um a conseguir, na Justiça, o direito de receber as chamadas “pílulas do câncer”. O quarto só no RS. Mas a família não teve motivo para festejar a decisão da juíza Aline Lazzaron Tedesco, da 1ª Vara Federal de Lajeado. Oli Troian Pirovano estava morto há 20 dias.“Não entendo por que foi tão difícil. Nem que fosse para ajudar ele por uma semana, por algumas horas. Espero que ninguém tenha que passar por isso”, lamenta a viúva, Zerci Cichelero Pirovano.

O marido dela morreu na cama do hospital, no dia 27 de outubro. Viveu seis anos lutando contra um câncer que iniciou na próstata, quando tinha 61 anos. Depois a doença se espalhou. No período de tratamento, fez mais de cem viagens de Arvorezinha a Lajeado. Foram 35 sessões de radioterapia, 24 de quimioterapia e injeções diversas.No início de outubro, os médicos previam pelo pior. Ele perdeu 20 quilos em seis meses. “O doutor me disse, sem o Oli ver: ‘Cuidem bem dele, pois não tem mais o que fazer.'”

Dia 19 do mês passado, foi internado. Não conseguia mais comer sozinho.“Foi quando minha filha viu uma reportagem na televisão sobre a ‘pílula do câncer’”. Sem demora, a família solicitou ao médico a prescrição do produto. “Diziam que os pacientes se sentiam bem com ela.” O advogado, Rodrigo Gomes, de Porto Alegre, auxiliou a família no processo judicial em busca do tratamento.Como a Anvisa não realizou ainda os testes necessários para classificar o produto como medicamento, a disponibilização dele pela Universidade de São Paulo (USP) – única fabricante até o momento – ainda depende de decisão judicial.
“Por que impedir de tentar?”

Zerci não se conforma com a dificuldade de acesso ao tratamento. Considera injusta com o paciente. “É muito triste a pessoa querer melhorar e eles não liberarem. Se já não tem mais o que fazer, por que impedir de tentar?” Ela e Pirovano foram casados por 45 anos. Um dia antes da morte do marido, o aposentado estava lúcido durante a manhã. “Ele conversava e dizia: ‘Tu aqui me acompanhando, mas quem vai te cuidar?’”, emociona-se. Oli morreu às 4h de uma terça-feira. Estava escorado na cama, posição confortável para ele. A viúva e a filha estavam ao lado. “Era meu companheiro. Agora está cuidando de mim lá de cima. Foi descansar.”

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Lafergs surge como esperança

O advogado enaltece o fato do RS, por meio do Laboratório Farmacêutico do Estado (Lafergs), ter assinado um termo de cooperação para pesquisa e desenvolvimento de medicamento derivado da substância fosfoetanolamina sintética.Segundo ele, no Instituto de Química de São Carlos da USP, só há um funcionário produzindo a pílula. “Ele atende uma demanda média de cem liminares por semana. Cada uma pedindo 60 cápsulas por paciente. Agora, essas ações poderão ser movidas contra o RS.”O Lafergs firmou, nesta semana, termo de cooperação com os pesquisadores detentores da patente do projeto. Conforme o diretor do laboratório, Paulo Mayorga, não há prazo e previsão orçamentária. “Não sabemos quanto pode custar todo o processo. Hoje não há recursos.”Com o termo, as partes envolvidas pretendem avançar nas etapas legalmente necessárias. Para isso, estão previstas quatro etapas: análises dos documentos e estudos desenvolvidos pelos pesquisadores até o estágio atual; elaboração de estudo clínico; e protocolo de estudo a ser submetido para aprovação da Anvisa.Mayorga pretende deixar de lado toda a polêmica criada sobre o composto. Tem como meta comprovar a possível eficácia ou ineficiência da fosfoetanolamina. “Quero compreendê-la. Hoje são dois lados. Um fazendo apologia ao uso, e outro condenando. Ambos sem as evidências necessárias para tais conclusões.”

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Tratamento surgiu antes da Anvisa

Em audiência pública no Senado, realizada em outubro, Gilberto Chierice falou sobre a pesquisa realizada em São Carlos por docentes e alunos da USP e os mecanismos de atuação da fosfoetanolamina no organismo. De acordo com o pesquisador, o composto imita uma substância fabricada pelo corpo humano quando há células modificadas. Com isso, o sistema imunológico percebe a diferença entre o tumor e as células saudáveis, passando a atacar a doença, afirmou. Para o pesquisador, falta vontade da medicina tradicional, porque o composto inverte a lógica dos caros e danosos tratamentos convencionais. Ele afirma que a fosfoetanolamina começou a ser pesquisada no fim dos anos 80, antes da criação da Anvisa, seguindo as regras estabelecidas pelo Ministério da Saúde na época. Os resultados da pesquisa renderam publicações em nove revistas científicas internacionais, mas o convênio não prosseguiu, de acordo com o pesquisador, por interesses financeiros. Nos últimos 20 anos, cerca de 40 mil pessoas teriam usado a fosfoetanolamina. Segundo ele, a fabricação da pílula custa menos de dez centavos. Com relação à Anvisa, ele alega ter solicitado diversas vezes a realização de pesquisas clínicas para liberação da substância no mercado.Para o pesquisador, o câncer tem cura, não apenas por meio da fosfoetanolamina, mas também por outras substâncias que não foram pesquisadas devido à lógica estabelecida pela medicina e os interesses da indústria farmacêutica.

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