Chuva dá trégua para a reconstrução

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Chuva dá trégua para a reconstrução

O tempo seco deste início de semana permite às mais de 300 famílias desalojadas na região o gradual retorno para casa. A maioria volta apenas hoje, pois, além de retirar o barro, é preciso esperar o imóvel secar. Órgãos públicos fazem mutirões para recuperar estradas e pontes, enquanto agricultores se agilizam na colheita do trigo e canola. A previsão do tempo é desanimadora: a chuva volta hoje.

Vale do Taquari
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Vale do Taquari – O início de semana dos vizinhos Alcides Bernardo Rodrigues Alves, 27, e Patrick Matheus dos Santos Camargo, 21, se assemelha ao de milhares de pessoas atingidas pelas inundações nos últimos dias. Moradores do bairro centro, em Lajeado, se unem para limpar o barro das residências e prepará-las para o retorno dos familiares antes de voltar a chover.

Crédito: Anderson LopesA limpeza começou na segunda-feira, quando o nível do Rio Taquari baixou e condicionou o escoamento da água acumulada nas imediações do Parque dos Dick. Havia sujeira do chão ao teto. “Todos se ajudam neste momento. Precisamos retirar o barro de casa o quanto antes, para aproveitar o tempo ensolarado para secar o interior do imóvel”, aponta Alves.

Não há condições de voltar enquanto a moradia estiver úmida. “Minha mulher está grávida e tenho um menino de 2 anos de idade. Vamos ficar doentes se quisermos fazer a mudança nestas condições”, destaca Camargo.

Depois de lavar o interior dos imóveis, os vizinhos começaram a retirar entulhos da parte externa. A cena se repetia em diversos pontos do bairro. Enquanto moradores depositam os restos de materiais e lixo em frente às casas, servidores da Secretaria de Agricultura os recolhiam.

Lajeado foi a cidade com o maior número de desalojados no Vale do Taquari. De acordo com a coordenadoria municipal da Defesa Civil, mais de 120 famílias deixaram suas casas em função da cheia. Dessas, 94 foram acolhidas em ginásios e as demais ficaram na moradia de conhecidos. “Todos devem estar de volta até o fim desta quinta-feira”, avalia o coordenador Gilberto Schmidt.

Conforme a Defesa Civil, poucas famílias tiveram prejuízos. Foi possível atuar com antecedência e evitar que as residências fossem inundadas antes de retirar os pertences, afirma Schmidt. “Algumas pessoas não conseguiram retirar suas coisas, pois estavam trabalhando, como foi o caso de haitianos. Para esses vamos ajudar, desde que comprovem que estavam no emprego.”

Mais de 300 famílias precisaram sair de casa em todo o Vale do Taquari. O segundo maior número da região foi registrado em Estrela, onde 98 ficaram desalojadas. Dessas, 30 precisaram ser acolhidas pelo município. Como em Lajeado, a umidade permitiu o retorno da maioria apenas ontem à tarde. Moradores dos bairros Moinhos, Oriental, Imigrante e Auxiliadora foram os mais afetados.

Moradores temem desmoronamentos

Em Arroio do Meio, as famílias Zambiasi e Jung estão apreensivas com a possibilidade de novos deslizamentos de terra. Parte do pátio das propriedades desbarrancou após a cheia do Rio Taquari nesse fim de semana.

Moradores do bairro Navegantes, pedem auxílio do município para construir um muro de contenção. “Temos medo que chova mais e que isso possa prejudicar a estrutura das casas,” afirma Rosemari Jung. Ontem à tarde, um funcionário da administração municipal verificou as condições das margens do Taquari. Hoje, uma equipe da Defesa Civil deve vistoriar o local.

Cidades repletas de buracos

Os seguidos dias de chuva também agravaram a condição das estradas. Do interior ao centro, as vias estão repletas de buracos. O problema é maior onde a água retirou a camada de terra sobre a pista e restaram apenas pedras. Tal situação ocorre na ERS-130, entre Cruzeiro do Sul e Bom Retiro do Sul. “Está quase intransitável”, ressalta o caminhoneiro Ernesto de Almeira Barros, 34. Situação semelhante aconteceu em Imigrante.

Em Westfália, a chuva da semana passada comprometeu o acesso a Paissandu. Parte do asfalto cedeu em virtude da infiltração de água. A Secretaria de Obras montou força tarefa ontem para normalizar a situação. “Conseguimos a licença ambiental e estamos alargando a via no sentido centro/Paissandu. Essa é uma carência histórica de Westfália que resolveremos”, aponta o prefeito Sérgio Marasca.

Diversas rodovias da região estão esburacadas, como a BR-386. No acesso ao bairro Conventos, em Lajeado, por exemplo, o asfalto recém-construído ficou desnivelado em função das chuvas. Ao longo dessa terça-feira, mutirão do Dnit fazia a manutenção dos trechos mais comprometidos.

Pressa na colheita

A situação é preocupante no campo, pois o período chuvoso afeta diversas culturas. A colheita das safras de trigo e canola, por exemplo, está atrasada. Apenas na área cultivada pela Associação para o Desenvolvimento Rural de Estrela (Adere) cerca de 80 hectares deveriam ter sido colhidos. “Quanto mais demorar, maiores serão os prejuízos”, aponta o presidente Nadir Mallmann, 56.

No caso da canola, avalia Mallmann, já foram perdidos 30%. “A planta está muito sensível, madura demais. Apenas de encostar nela, as vagens se abrem e os grãos caem.” Em relação ao trigo, a grande maioria perdeu qualidade. “Servirá apenas para a fabricação de ração”, cita.

Há prejuízos também na produção de hortaliças, em especial as folhosas como alface, brócolis, rúcula, chicória e radite. Os agricultores estão com dificuldade para preparar o solo e outras áreas semeadas foram perdidas pelas fortes chuvas. As mudas transplantadas têm crescimento retardado devido ao excesso de umidade.

El Niño mais forte da história

Cientistas da Nasa indicam que o El Niño, previsto de moderado a forte, possa atingir a maior intensidade da história. Neste ano, conforme análises dos mapas de calor no Oceano Pacífico, deve superar a maior marca já registrada, em 1997. Naquele ano, o fenômeno provocou enchentes, terremotos, furações e secas em diferentes países do mundo.

Os efeitos são sentidos no Brasil, com cheias nas regiões Sul, secas no Nordeste e aumento do calor no Sudeste. O inverno deste ano se assemelhou ao de 1997: temperaturas acima do normal e calorões fora de época. Agosto, inclusive, foi o mais quente do século. A semelhança é reforçada com os altos volumes de chuva registrados desde o começo de setembro.

O tempo chuvoso deve persistir até o fim do ano. Em outubro e novembro, por exemplo, os volumes devem ficar de 50 a cem mm acima da média para o período. Os prognósticos indicam um verão com volume regular de chuva.

Pescador salva vida de homem no Taquari

Moradores do bairro Moinhos, em Estrela, presenciaram momentos dramáticos na tarde de domingo, 11. Eles acompanharam o resgate de Paulo Miguel de Freitas, 62, levado pela correnteza do Rio Taquari até ser socorrido pelo pescador Saul Severo Primo, 59.

Vereador em Bom Retiro do Sul, Freitas foi levado pelas águas por mais de cinco quilômetros. A mulher da vítima, Elaine de Oliveira, disse que ele tentava encontrar um lugar para pescar próximo à ponte que liga Estrela e Lajeado, quando escorregou e caiu.

“Ele tentou boiar e começou a pedir ajuda, mas a correnteza era muito forte”, afirma. Segundo Elaine, Freitas chegou a pedir socorro para pescadores que estavam em um barco antes de ser ouvido por moradores ribeirinhos.

Moradora da rua dos Marinheiros, a dona de casa Lorena Correa da Silva, 49, ouviu os gritos de Freitas. No início, pensou tratar-se de uma brincadeira, mas afirma ter se desesperado ao ver o homem boiando. “Chamei os vizinhos para que ajudassem e liguei para os bombeiros.”

Dono de uma peixaria na mesma rua, Primo enxergou Freitas tentando manter a cabeça para fora da água. “Escutei um grito de socorro engasgado, vi ele boiando e chamei os vizinhos e um dos meus filhos para colocar a lancha no rio.”

Junto com o filho, o pescador navegou em direção à vítima, já sem forças para pedir ajuda. Freitas foi encontrado em frente à escadaria reformada no centro. “Não conseguia mais localizar ele e achei que não ia dar tempo.”

Quando estava perto de desistir, Primo enxergou a cabeça da vítima dentro de um redemoinho e foi até o local. “Conseguimos pegar ele, mas tivemos muita dificuldade em puxar para dentro da lancha. Desloquei o pulso, mas conseguimos.”

Colocado na embarcação, Freitas estava inchado. Primo colocou-o de bruços, com a barriga contra um dos bancos da lancha e ele reagiu. “Quando ele começou a cuspir a água, chorei por perceber que havíamos conseguido salvá-lo.”

O pescador voltou com o barco até a frente da peixaria, onde a ambulância dos bombeiros esperava para socorrer a vítima. Freitas foi encaminhado ao Hospital de Estrela com hipotermia e em estado de choque.

De acordo com a família, ele passa bem e promete agradecer os pescadores que salvaram sua vida assim que estiver recuperado.

Local perigoso

Morador ribeirinho faz mais de 30 anos, Primo já ajudou em diversos resgates no Taquari e alerta para os perigos do rio. Segundo ele, mesmo nadadores experientes morreram ao tentar enfrentar a correnteza. “É um rio profundo, com correntes muito fortes que levam para o fundo.”

O último resgate foi há cerca de dez anos, quando uma vizinha, na época com 12 anos, boiava em uma câmara de ar. Um barco teria passado próximo da boia, derrubando a menina. Em outro caso, um senhor de 70 anos pescava com um caíque quando a embarcação virou. Ambos foram salvos pelo pescador.

Porém nem todas as histórias tiveram final feliz. Primo também participou do resgate de um casal de crianças que desapareceu próximo ao Taquari. Após dias de buscas, localizou o corpo de uma das vítimas. “Era filha de um vizinho”, lamenta.

IMPROVÁVEL

Para Primo, a sobrevivência de Freitas era improvável devido à força do rio. “Do jeito que a água estava, se um nadador profissional caísse nela, morreria em seguida”, acredita. Segundo o pescador, a vítima recebeu ajuda divina para se manter fora da água por mais de cinco quilômetros.

Destaca ainda o auxílio que teve da comunidade para o resgate. Não fossem os vizinhos, ressalta, não conseguiria colocar o barco na água. “O bairro é pobre, mas solidário e todos se ajudam e cuidam uns dos outros.”

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