Inquéritos se amontoam à espera de respostas

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Inquéritos se amontoam à espera de respostas

As carências enfrentadas pela Polícia Civil (PC), em especial atreladas ao baixo efetivo, deixam 6,2 mil inquéritos sem conclusão.

Inquéritos se amontoam à espera de respostas
Lajeado
oktober-2024

Lajeado – Era 24 de setembro de 2005. Duas pessoas circulavam pela rua Delfino Costa, no bairro Conservas, quando foram abordadas por homens armados. O grupo queria informações sobre um roubo ocorrido dias antes. Alegando desconhecer os fatos, ambas foram ameaçadas antes de serem liberadas. Passados cinco dias, as vítimas prestaram queixa na delegacia.

Inquérito foi instaurado, mas as investigações travaram na falta de informações. As vítimas sabiam apenas apelidos dos acusados, e a polícia não conseguiu localizá-los. Desde então, não houve avanços. Em situação semelhante encontram-se outros 6,2 mil processos.

O problema tomou proporções em meados dos anos 2000. A legislação determinava que todos os procedimentos deveriam ser instaurados. Dezenas de novos casos chegavam ao departamento de investigações a cada semana.

Segundo a corporação, criou-se uma demanda impossível de atender. Com efetivo insuficiente e trabalhando no limite para analisar todos os casos de forma precisa, a polícia priorizou investigações referentes a crimes como homicídio, tráfico de drogas e roubos.

Os demais, em especial aqueles sem violência ou grave ameaça, esperam. “Não se conseguia vencer e a carga de processos de inquéritos aumentava de forma absurda”, aponta o delegado titular da DP, Juliano Stobbe.

Amontoam-se registros de furtos, estelionatos e apropriações. De acordo com Stobbe, são crimes em que a resolução é complicada por não haver elementos suficientes para se chegar à autoria. Às vezes, por exemplo, a perícia coleta impressão digital de uma moradia arrombada, mas não há suspeitos para confrontar com a informação.

Entre as vítimas que ainda aguardam respostas da polícia, está Santina Girardi Schmitz, do bairro Campestre. Em maio do ano passado, dois homens invadiram o apartamento da família. A dupla usou chave micha para entrar pela porta frontal. Enquanto pertences de valor eram separados, o filho mais novo chegou em casa para almoçar. O rapaz foi trancado no banheiro e os criminosos fugiram levando mais de R$ 10 mil em objetos.

Na avaliação de Stobbe, a situação tende a piorar, visto a baixa perspectiva de reforço no quadro policial e a crescente demanda. A cada mês, a delegacia instaura cerca de cem inquéritos. Além de trabalhar com prioridades, a PC atua com metas de fechamento mensal para evitar que o número continue aumentando. Se ingressarem 80 inquéritos por mês, exemplifica, a mesma quantidade deve ser remetida no período ao Judiciário.

Mudança alivia problemas

Uma portaria publicada pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) em 2008 atenuou o ingresso de inquéritos. A partir dela, coube ao delegado o arbítrio pela instauração do processo investigativo. “Um furto, por exemplo, sem nenhuma espécie de indício de autoria e que possivelmente não se vá encontrar, não instauramos de pronto”, observa.

Stobbe assumiu a delegacia de Lajeado em junho, época em que havia 6,3 mil inquéritos. Como alternativa contra o grande número de processos acumulados, buscou acordo com o Ministério Público (MP).

Arquivos antigos, entre eles datados de 2004, passaram a ser encaminhados à promotoria com informações limitadas e incompletas. “O MP analisa esses processos e, se vislumbrar um caso de alguma diligência, solicita em específico. Do contrário, os inquéritos são arquivados.”

Perícias demoram e retardam conclusão

Um dos aliados da polícia nas investigações é o Instituto Geral de Perícias (IGP). Contudo, como ele também enfrenta problemas estruturais e de efetivo, os laudos retardam cada vez mais para serem remetidos à delegacia. Mais um empecilho. A situação se complicou no fim da década de 90, quando o órgão desvinculou-se da PC. “Até então era possível estipular prazo para que entregassem as perícias”, cita Stobbe.

O tempo de duração de cada perícia é relativo. Quando se trata da análise de impressões digitais, por exemplo, o serviço é concluído em poucos dias, pois o perito está em Lajeado. Mas no caso de verificações em um veículo ou uma perícia balística o resultado pode levar meses.

Também implica em demora quando necessita investigação em outra delegacia. De acordo com Stobbe, é inviável um policial de Lajeado se deslocar a Passo Fundo, por exemplo, em busca de informações.

Nesses casos, uma carta precatória é expedida, solicitando aos responsáveis por aquela região para fazerem a apuração. Em muitas situações, isso leva meses, pois há acúmulo desse tipo de pedidos nas delegacias. “Nós recebemos cartas precatórias do país inteiro. É outra demanda que precisamos atender”, ressalta.

Baixo efetivo limita investigações

Segundo estimativa da delegacia, o número de policiais deveria ser pelo menos três vezes maior ao existente para haver condições de um enfrentamento adequado. O quadro atual é suficiente apenas para manter estável a quantidade de inquéritos, isso com o efetivo trabalhando a toque de caixa. “O trabalho fim da polícia, de investigar, descobrir a autoria, está cada vez mais prejudicado, pois com recorrência precisamos tirar gente da investigação para colocar nos cartórios”, observa.

A condição, atrelada aos percalços enfrentados pela categoria, gera desgaste. “Chega fim do dia e nos sentimos frustrados, decepcionados, pois a sociedade espera de nós uma resposta que não conseguimos dar”, destaca Stobbe. O cenário se repete nas demais delegacias do Vale do Taquari e como várias aposentadorias estão previstas para os próximos meses, é possível que algum policial de Lajeado seja transferido a outra cidade para manter aqueles posto.

A situação é preocupante. O quadro de servidores reduz de forma constante e chega a patamares críticos. Dos 104 policiais em operação há quatro anos, restaram 76. Até o fim do próximo ano, o número deve cair para 55.

A delegacia regional está entre as três com maior déficit de efetivo no estado. Com a redução de policiais, delegacias como de Fazenda Vilanova, Paverama, Nova Bréscia e Muçum correm o risco de fechar.

Uma das formas de amenizar o problema seria a convocação dos 650 aprovados em concurso público. Mas não há sinalização do Estado quanto a isso. Desses, pelo menos 30 precisariam ser destinados à região.

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