Vale do Taquari – “Qualquer dia desses ela cai”. A declaração quase despreocupada de Guido Friedrich, morador da rua Campos Sales, em Arroio do Meio, denuncia a situação crítica na qual ele, a mulher e dois filhos menores vivem às margens do Rio Taquari. Assim como dezenas de outras famílias do bairro Navegantes, ele não tirou os ouvidos do rádio de pilha durante toda a sexta-feira. A cada 15 minutos, anunciava aos vizinhos a elevação do nível da água.
Guido vive faz mais de 25 anos na casa de número 49 – com numeração escrita à mão –, e diz já ter enfrentado mais de 30 enchentes. Mas a sequência de números confunde o morador. “Na verdade já perdi a conta. Lembro bem das maiores, de 2001 e 2010. Aquelas me assustaram”, recorda.
A lembrança da cheia de 2001 não está só na memória. Também ficou marcada na parede da pequena sala, e no chão de azulejo da casa. Duas rachaduras são visíveis. Numa delas, enxerga-se a janela do vizinho, tamanha amplitude da ruptura no concreto. “Já cansei de pedir ajuda para a prefeitura. Não tenho condições de arrumar. Tampouco conseguir outro imóvel.”
Ontem, por volta das 16h, a correnteza do Rio Taquari passava sob a casa de Guido. Alguns troncos de madeira se chocavam com as vigas de concreto. A água turva inundava todo o porão. “Vai subir mais um metro nas próximas quatro horas. Mas lá em Encantado já estabilizou”, previa.
A Defesa Civil de Arroio do Meio removeu pelo menos 30 famílias de outras localidades. Principalmente de São José, Maracangalha, Praia e também no centro. Parte dos desalojados foi encaminhada para o ginásio da Barra do Forqueta.
Houve pelo menos um caso em que a Brigada Militar (BM) precisou auxiliar na remoção de um morador, que ficou ilhado dentro da própria casa. No município, sete ruas foram interrompidas. Rodovia rompida
Na manhã de ontem, um trecho de aproximadamente 100 metros de asfalto na rodovia que liga o centro de Westfália a localidade de Paissandu se rompeu. Uma cratera dividiu a pista em dois pedaços, deixando o trânsito em meia pista. Há poucos dias, relata o vice-prefeito, Otávio Landmeier, a prefeitura havia feito reparos no local, reforçando a base da estrada.
“Esse é um problema histórico de Westfália. Agora que conseguimos licença ambiental iremos mudar o leito da estrada e desviar ela para uma região rochosa, ficando esse trecho como uma espécie de refúgio para dias secos.” O asfalto de Linha Paissandu é muito utilizado para o transporte de produção, e costuma receber bastante fluxo de veículos pesados.
Na ERS-129, em Colinas, o Rio Taquari invadiu parte da pista e obrigou motoristas a utilizarem acesso secundário. Em Estrela, outro trecho da rodovia ficou submerso, assim como em Bom Retiro do Sul. Também houve deslizamentos de terras em pelo menos duas rodovias. Na BR-386, em Marques de Souza, e na RS-433, entre Encantado e Relvado. Houve problemas ainda na ERS-130, em Cruzeiro do Sul e Venâncio Aires.
Exército em Lajeado
Um pelotão do 7º Batalhão de Infantaria Blindado do Exército veio de Santa Cruz do Sul para auxiliar nos abrigos temporários de Lajeado. A vinda decorre de uma parceria firmada com a equipe da Defesa Civil local. Um tenente, um sargento e 18 soldados auxiliaram os voluntários lajeadenses durante essa sexta-feira.
“Esse trabalho em conjunto traz mais segurança e conforto para as famílias”, sustenta Gilberto Schmidt, da Defesa Civil. Segundo ele, 32 famílias foram removidas para o ginásio do bairro Montanha, e outras 41 para o Ginásio Mário Lampert, no São Cristóvão. A Apama recolheu animais ao Parque do Imigrante. Uma casa foi atingida por deslizamento de terra no bairro Conservas.
Emergência em Mato Leitão
Além da forte chuva, diversas cidades também enfrentaram granizo entre quinta e sexta-feira. Houve registros em Lajeado, Cruzeiro do Sul, Arroio do Meio, Bom Retiro do Sul, Estrela e Santa Clara do Sul. Mas o município mais atingido foi Mato Leitão, onde mais de 50 casas ficaram com telhados danificados.
As avarias se concentraram principalmente nas localidades de Vila Santo Antônio, Canto dos Dresch, Loteamento Amizade e Cantos dos Rodrigues. Ainda não foi possível verificar o número de famílias prejudicadas. A Defesa Civil encaminha pedido para decretar situação de emergência no município.
Famílias desabrigadas
Lajeado: 73 famílias alojadas nos ginásios do Montanha e Mário Lampert. Outras 11 em casas de amigos e parentes;
Estrela: 84 famílias removidas das áreas de risco. Foram levadas 28 ao ginásio do Colégio Martin Luther, e 56 estão em casas de parentes e amigos;
Arroio do Meio: 35 famílias ficaram desabrigadas. A maioria está no ginásio da Barra do Forqueta;
Cruzeiro do Sul: até o fechamento da edição, havia 15 famílias retiradas das casas. Cinco estavam alojadas no Ginásio Orlando Eckert;
Encantado: pelo menos 12 famílias tiveram que sair de casa. Dez delas estão com parentes. As demais, no Ginásio João Batista de Marchese. Os desabrigados são moradores de Linha Moça e Lagoa Azul.
