Em meio à crise, vereadores gastam com justificativas rasas

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Em meio à crise, vereadores gastam com justificativas rasas

Diárias custaram R$ 470 mil às câmaras em 2014. Entre os mais gastadores, destaque negativo para os vereadores de Fazenda Vilanova, Muçum, Arvorezinha, Progresso, Roca Sales e Canudos do Vale. Só nessas cidades, onde o número de habitantes é inferior a 11 mil, o Legislativo gastou R$ 210,6 mil para custear viagens, cursos e participações em palestras no ano passado.

Um prédio antigo e verde de dois andares, próximo à esquina entre as ruas Borges de Medeiros e Riachuelo, no centro histórico de Porto Alegre, abriga uma pequena unidade de ensino muito explorada por vereadores da região. Desde 2013, o Instituto Gaúcho de Assessoramento a Órgãos Públicos (Igaop) recebeu parlamentares de pelo menos seis cidades do Vale do Taquari.

Anderson LopesJuntos, eles gastaram mais de R$ 60 mil em diárias para participar de seminários e cursos sobre assuntos relacionados ao setor público. Só em Fazenda Vilanova, os contribuintes pagaram R$ 43,8 mil desde janeiro de 2013 para custear as aulas dos agentes públicos no Igaop.

Em média, cada agente recebe R$ 700 por viagem para supostamente pernoitar por até três dias na capital gaúcha em busca de qualificação pessoal e profissional. Os cursos, conforme informado no site, custam em média R$ 400.

Todo mês, o instituto ministra aulas sobre temas diferentes. Em junho, conforme empenho em nome do vereador Pedrinho Brandão (PDT), de Fazenda Vilanova, entre os dias 17 e 19, o conteúdo estudado era “Como organizar o gabinete e outros”. Pela participação, ele recebeu R$ 691. Mais. Em quase três anos de mandato, são mais de R$ 13 mil em gastos com diárias no Igoap.

Mas o gasto médio de R$ 700 para cursos no Igaop não é uma regra. Em Teutônia, por exemplo, os vereadores Marco de Quadros (PSDB), Hélio Brandão da Silva (PTB) e Valdir do Amaral (PMDB) receberam R$ 1,2 mil cada um para arcar com supostas despesas geradas pela participação em aulas sobre “novo pacto federativo, maioridade penal e lei da ficha limpa”, entre outros assuntos.

O valor cobrado pelo instituto era de R$ 380 por participante. Com isso, restou para cada vereador um montante de R$ 830 para acomodação e alimentação na capital gaúcha entre os dias 14 e 17 de abril deste ano.

Além dos R$ 3,6 mil, os contribuintes de Teutônia pagaram R$ 70 de diária para o assessorpParlamentar Mateus Josué Mühl levar os três vereadores até Porto Alegre. Outros R$ 70 foram pagos ao diretor da câmara, Guilherme Meirelles de Oliveira, para ele buscar os parlamentares na capital ao fim do curso.

Outros institutos

Os parlamentares recorrem a outros institutos da capital. Um deles é o Capacitar & Conhecimento, fundado em 2013. Vereador em Encantado, Cláudio Roberto da Silva (PMDB) foi ressarcido em R$ 1,3 mil após presenciar o 11ª Simpósio de Capacitação em Gestão Municipal, realizado há quatro meses. Em junho de 2014, ele ganhou R$ 1,2 mil para participar de Seminário de Gestão Pública, também em Porto Alegre.

Outra unidade de ensino bastante requisitada pelos legisladores do Vale é o Instituto Gamma de Assessoria a Órgãos Públicos (Igam). Em média, os agentes públicos gastam cerca de R$ 700 em diárias para participar das aulas, também ministradas no centro da capital. Lá, além dos cursos, alguns vereadores também costumam gastar diárias para realizar reuniões na sede da empresa.

É o caso de Marcelo Deves (PT) e Jonas Calvi (PTB). Ambos foram ressarcidos em R$ 182,18 cada um só para custear uma ida até Porto Alegre. Conforme a justificativa apresentada nos empenhos, em 18 de dezembro de 2014, eles foram a uma “reunião na sede do Igam para tratar de assuntos referentes à aprovação da LDO 2015.”

Viagens a Brasília

A maioria das câmaras registra viagens de parlamentares a Brasília. Encontro com deputados federais em gabinetes, marchas de prefeitos ou vereadores e busca por recursos ou emendas são as principais justificativas. Muitos recebem diárias para participar de encontros de legisladores realizados pela União dos Vereadores do Brasil (UVB).

É o caso de Cláudio Roberto da Silva (PMDB), de Encantado. Segundo o site de transparência da câmara, ele esteve entre os dias 21 e 24 de abril em Brasília para participar do XI Encontro Nacional de Legislativos Municipais, organizado pela UVB.

Conforme o convite do evento, o valor de três diárias em hotel e a inscrição custavam em média R$ 950. Já uma passagem de avião de Porto Alegre a Brasília (ida e volta) pode custar até R$ 1 mil com as taxas de embarque, totalizando R$ 1,9 mil em custos. No entanto, o vereador recebeu R$ 3 mil em restituições pela participação no evento.

Justificativas rasas

Outros vereadores apresentam razões que pouco ou nada acrescentam para os contribuintes. Um exemplo ocorreu em Taquari. Vereador pelo PMDB, Paulo César Nunes Garcia recebeu R$ 1.182 em diárias para ir até Brasília “acompanhar a posse do ministro Eliseu Padilha” em janeiro deste ano.

As justificativas rasas servem para custear viagens próximas. Vereadores de Encantado, Gustavo Scattola (PMDB) e Celso Cauduro (PMDB) receberam R$ 188,90 cada um só para ir a Porto Alegre para participar da “solenidade de assinatura” de um edital para obras na ERS-129, realizada no dia 1º de julho passado.

Outros parlamentares encantadenses, Jonas Calvi (PTB) e Sandra Vian (PP), receberam valores semelhantes – R$ 182,18 cada um – só para estar em Esteio e “participar da pré-homologação do Susaf na Expointer”, realizada em setembro de 2014.

Já em Fazenda Vilanova, desde janeiro de 2013, os vereadores Álvaro da Silva (Pros) e Luís Carlos Brito (PMDB) gastaram R$ 1,5 mil cada um com diárias para reuniões da Associação dos Vereadores do Vale do Taquari (Avat). A maioria ocorre em Encantado, cuja distância é próxima de 50 quilômetros. Por evento, cada um recebe R$ 153 para custear supostos gastos.

Alguns agentes optam por cursos fora do estado. Foi o caso dos encantadenses Celso Cauduro (PMDB) e Gustavo Scattola (PMDB). Entre 27 e 29 de maio deste ano, ambos receberam R$ 3 mil cada um para custear a participação no 3º Seminário Nacional de Sustentabilidade Ambiental, na cidade paranaense de Foz de Iguaçu, na divisa com o Paraguai.

Entrevista

Léo Motta (PSD), de Fazenda Vilanova, foi quem mais gastou com diárias na cidade desde 2013, R$ 18,7 mil.

Quantas diárias você recebeu neste ano?

Motta – Olha. Para dizer certo, não sei. Mas faço cursos no estado, principalmente no Igaop, um curso completo que me ajudou a criar projetos de lei. Tenho mais de 30 protocolados. Saio três ou quatro vezes por mês. Essas diárias são para visitas ao TCE, MP e outros órgãos. Sempre para resolver problemas do município, e garanto benefícios.

Por exemplo?

Motta – Eu garanti, em Brasília, uma emenda de R$ 250 mil para salas de aula. Também estou prestes a resolver o problema das legalizações de imóveis às margens da BR. Três prefeitos não resolveram esse problema. Estou há dois anos correndo atrás. E isso gera diárias. Mas o valor é baixo perto das indenizações que a prefeitura pagaria. Orçamentos de dez anos não quitariam tudo.

Quanto custa uma viagem a Porto Alegre?

Motta – Depende. Ontem (quinta-feira), por exemplo, fui de ônibus e gastei R$ 44 em passagens, mais R$ 22 para o almoço e alguma coisa com táxi.

Acaba não gastando os R$ 153 da diária?

Motta – Termina não gastando tudo. Mas recebe R$ 153 para prestar contas. Às vezes recebe mais do que gasta. É direito do vereador por lei. E se sobra algo é em torno de 10 ou 20 pila. Mas na maioria das vezes não cobro diária.

Qual o valor da inscrição nos cursos do Igoap?

Motta – Olha, não sei o valor do curso. Quem faz a inscrição é o diretor da câmara, eu nem questiono o valor. Mas alguns eu faço sem diária. Nesta semana, participei de um sobre “Reforma Política”. Como o assunto interessava só a mim, não cobrei a diária.

O vereador não deveria se especializar antes de assumir a cadeira?

Motta – Não. Se tu concorrer e te eleger, tu sabe o que de câmara? Só de ouvir falar. Quando entrei, não tinha ideia do que era regimento interno ou Lei Orgânica. Decidi fazer alguma coisa e concorri. A maioria aqui tem cargo de vereador como ‘bico’. Eu não tenho outro emprego. Por isso eu gasto mais. Atuo em tempo integral. Outros não conseguem ir ao MP, TCE. Esses custam caro ao município.

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