Jovens buscam conhecimento fora do país

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Jovens buscam conhecimento fora do país

Intercâmbios por agências de turismo cresceram 600% no primeiro semestre

Vale do Taquari

Vale do Taquri – Diante da vidraça que protege a área de embarque do som das turbinas, Renata Agostini e Eduardo Eggers se encorajam a deixar família e amigos no Brasil. Motivos da viagem à Irlanda foram rabiscados e reescritos até a decisão, em março. Ambos deixaram os empregos em Lajeado para buscar novas experiências.

Leila EggersOs jovens pensaram em atribuir ao aumento da violência e à recessão econômica a justificativa da migração. Há muito mais. A visão do mundo se altera em movimento, dizem. “Sempre sonhamos em aprender inglês e ter a experiência fora”, afirma Eggers, certo de não haver como saber se esse é o caminho ideal. Os pais nunca questionaram.

Renata e Eggers chegaram nessa sexta-feira à Europa, onde começam a procurar trabalho e um apartamento para alugar.

Desde o início do ano, centenas de jovens da região tomaram decisão semelhante. Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Estados Unidos somam-se à Irlanda como os principais destinos de quem quer trabalhar.

Se for por intercâmbio por meio da Univates e Unisc, as opções variam entre Alemanha, Portugal, Argentina, Chile, Colômbia, Peru e Espanha.

Ao menos 560 estudantes da região viajaram por meio dessas instituições desde 2013.

Segundo a Associação Brasileira das Agências de Intercâmbio (Belta), a procura por estudo no exterior aumentou cerca de 600% no primeiro semestre, em comparação ao mesmo período de 2014.

O dado expõe os reflexos da crise econômica e a falta de perspectiva dos jovens em relação ao mercado de trabalho no Brasil, na avaliação do diretor de Operações da Belta, Allan Mitelmão. Há um interesse crescente dos estudantes em investir em cursos que possibilitam a permanência e a formação de carreiras em outros países, diz.

“As pessoas vivem a cidade”

Do metrô de Nova Iorque, a estrelense Gabriele Branco conversa ao telefone. Pede desculpas pelo barulho, o único problema que vê naquele momento. Ela acompanha o marido nos Estados Unidos, Igor Carrasco, que conquistou duas bolsas para o mestrado. Tudo muda em relação ao Brasil, realça.

Há menos de um mês nos EUA, Gabriele tem motivos suficientes para almejar sua permanência superior a que permite o visto. “Já vi coisas que sempre sonhei e que imaginei que não viveria”, comemora. As experiências culturais gratificam, diz.

Entre os benefícios, cita a segurança da cidade e a eficiência do transporte público, 24 horas em funcionamento. “Não precisa perder tempo com trânsito. As pessoas vivem a cidade de verdade.”

Mesmo na região considerada menos nobre, o Brooklin, onde o casal ficou nos primeiros dias, a segurança em relação ao Brasil foi perceptível, diz. “Posso fazer tudo a pé. Sair à noite tranquilamente.”

Hoje, a vida é em Manhattan. Sua permissão para trabalhar deve chegar em dois meses. O visto é de dois anos. “Depois a gente vê”, projeta.

Qualificação

Estudante de Zootecnia, a lajeadense Priscila Bernhard realiza nos Estados Unidos o sonho de conhecer novas culturas, pessoas e lugares. Na Ohio State University, encontra tecnologia para seus estudos focados em produção agrícola sustentável.

Priscila participou de diversas seleções até conseguir uma bolsa para graduação sanduíche durante 18 meses, por meio do Ciência Sem Fronteiras. O fato de existir benefícios em morar nos EUA é real. O motivo é a educação do povo, garante. “Não importa a sua profissão, todos os profissionais são tratados da mesma maneira.”

Como estudante do programa do governo federal, Priscila é obrigada a voltar ao Brasil para apresentar o trabalho. Em 2016, pretende migrar outra vez aos EUA para morar. “Esta experiência me tornou uma pessoa melhor, com visão para diversas culturas e economias.”

Fuga do lugar comum

Michele Pflugseder trocou Lajeado por Ravensburg, na Alemanha, a terra de seus antepassados. “Estava trabalhando sem motivação nenhuma e pagando caro para estudar no Brasil.”

Relata que foi necessário questionar a rotina e o futuro no país para sair da zona do conforto e mudar sua realidade.

O começo foi difícil, diz, pois houve resistência entre familiares e amigos. “Diziam que eu não poderia largar tudo para ganhar um mísero salário cuidando de crianças.”

Na Alemanha, à medida que Michele conheceu culturas, a vontade de permanecer aumentou. Descobriu a felicidade em coisas simples e no aprendizado. Ela prorrogou o visto inicial para fazer um estágio de três anos. Nesse tempo, voltou de férias à terra natal, mas percebeu que nada havia mudado no país. “Em compensação, eu mudei muito. Não me interessava mais pelas mesmas coisas.”

Michele tem planos de voltar a morar no Brasil. “Apesar da crise, é nossa casa e tem muitas oportunidades e paisagens lindas a oferecer.”

Mudanças

Intercâmbio requer planejamento com antecedência e, por isso, a alta do dólar não é motivo para a desistência de quem está perto de viajar. No entanto, com a chegada da moeda norte-americana a R$ 4, pode haver alteração no perfil dos cursos e dos destinos escolhidos para quem pensa no assunto a partir deste mês.

Uma das rotas preferenciais tem sido o Canadá, em função do preço do dólar canadense e da possibilidade de conseguir trabalho. Irlanda e Austrália, que facilitam a licença de trabalho para os brasileiros, podem se manter entre os principais destinos, apesar do câmbio.

Mais emissão de passaportes

A emissão de passaportes aumentou quase 80% no departamento da Polícia Federal de Santa Cruz do Sul nos últimos três anos. A unidade está entre as mais movimentadas do estado. Em 2010, a delegacia emitiu 3.922 passaportes, enquanto no ano passado esse número chegou a quase sete mil. Para 2015, a estimativa é passar de dez mil documentos.

Para encaminhar o passaporte, é necessário acessar o www.dpf.gov.br Isso deve ser feito com antecedência. A espera pode passar de quatro meses.

Atitude racional

O fluxo de migrantes organizados que buscam experiência sempre existiu, afirma o sociólogo e professor da Unisc, Cesar Goes. Os jovens tomam essa atitude a partir de leituras e conversas sobre a possibilidade de ali ter uma estrada nova, afirma. “Estamos falando de uma atitude, uma coisa racional.”

Mesmo com recursos limitados, diz, o estudante faz um ato de vontade em um campo de incerteza. Entra em uma lógica de romper horizontes, ultrapassar limites e acumular cultura. Por isso, submete-se a situações de desconforto, ao menos no início, para atingir os objetivos.

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