STF avalia mudança  na Lei Antidrogas

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STF avalia mudança na Lei Antidrogas

A Justiça pode aumentar a tolerância com os usuários de drogas. Na próxima semana, o Supremo Tribunal Federal julga a descriminalização do porte de drogas para consumo. Defensores da mudança alegam que a proibição aumenta a violência provocada pelo tráfico, superlota presídios e dificulta o tratamento dos dependentes. Autoridades contrárias afirmam que a descriminalização causaria elevação dos índices de uso e do número de facções criminosas que disputam o mercado ilegal.

Brasil

País – O Supremo Tribunal Federal (STF) julga na próxima quinta-feira processo que pode descriminalizar o porte de drogas para consumo próprio. Recurso movido pela Defensoria Pública de São Paulo defende mudança na Lei Antidrogas (11.343), criada em 2006.

04O porte é crime previsto no artigo 28 da legislação. Para a Defensoria, o conceito viola o artigo 5º da Constituição e deve ser excluída do texto. A determinação do STF balizará todas as decisões judiciais envolvendo a questão no país.

O debate motivou a criação de um dossiê elaborado pela Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD), que coletou dados e análises científicas dos países que alteraram a lei sobre o tema. Avalia efeitos positivos e negativos da descriminalização e as consequências da medida no consumo e nos índices de violência.

Conforme o relatório, não há relação entre o número de usuários e a legalidade das substâncias. Um levantamento em 20 países que diminuíram a rigidez nas leis que regulam entorpecentes demonstra que a mudança não altera as relações de consumo.

O estudo também conclui que a descriminalização não está associada ao aumento de crimes violentos. A ligação entre violência e as drogas estaria relacionada com a dinâmica do mercado ilícito, e não com o uso pessoal das substâncias.

De acordo com o PBPD, as experiências internacionais não foram suficientes para solucionar todos os problemas resultantes do consumo de droga. Mesmo assim, a descriminalização produziu cenários mais adequados para o tratamento da dependência química, aponta o estudo.

A possibilidade de enfrentar um processo penal que pode resultar em encarceramento marginaliza o usuário, diz o relatório. O foco na esfera policial também reduz investimentos em mecanismos de educação, prevenção e de atenção psicossocial aos dependentes. A conclusão é que isso fortalece o ciclo entre crime e dependência química.

Criminalização lota presídios

O sistema prisional está abarrotado de traficantes. No Vale do Taquari, contabilizados os presos nas penitenciárias de Lajeado, Arroio do Meio e Encantado, são quase 35% de uma população carcerária composta por 700 criminosos. Muitos aguardam pelo julgamento há mais de um ano.

Conforme dados da Secretaria de Segurança do Estado (SSP), o número de prisões aumenta anualmente desde 2002. Em 2004, foram cinco traficantes em Lajeado. No ano passado, a polícia registrou 83 casos. Hoje, no presídio estadual no bairro Florestal, 1/3 dos prisioneiros cumpre pena por tráfico de drogas.

O aumento no número de prisões iniciou em 2006, ano da instituição do Sistema Nacional de Políticas Públicas Sobre Drogas (Sisnad). Antes da nova Lei AntiDrogas, havia 47.442 presos por tráfico nos presídios brasileiros – 14,7% do total. Hoje, a média nacional chega a 27% (131 mil).

As detenções de usuários por porte de drogas também aumentam. Em 2005, foram 32 em Lajeado. Em 2006, após o Sisnad, o número foi de 137.

O pico ocorreu há dois anos, com 261 registros de pessoas detidas por porte para consumo. Segundo a SSP, desde 2002, foram registradas 1.891 detenções de usuários e 633 de traficantes na região.

“Nenhum país está preparado para liberar.”

Coordenador do Fórum de Lajeado, o juiz Luis Antônio de Abreu Johnson, é contrário à mudança na lei. Para ele, descriminalizar o porte para consumo aumentaria o número de facções criminosas envolvidas com o tráfico e as doenças desencadeadas pelo consumo.

Johnson acredita que a medida provocará aumento no número de usuários e relata a existência de excursões do Brasil para o Uruguai desde que o país vizinho descriminalizou a maconha. “Virou um paraíso do consumo.”

Considera que nenhuma nação está preparada para liberar as drogas, uma vez que a dependência química é um grave problema de saúde pública. Ele teme que a medida produza uma geração de inválidos devido ao abuso das substâncias.

Abrandamento das penas

O magistrado afirma que o uso de drogas vem sendo amenizado ao longo dos anos. Cita a Lei 11.343 como um marco, por não prever a pena de prisão por consumo de drogas. Apesar do aumento da população carcerária, acredita que são poucos os usuários que acabam presos como traficantes.

“A diferença é muito tênue, mas há um conjunto de indícios que caracterizam o tráfico”, ressalta. Se a prisão ocorre em local conhecido como ponto de venda e o suspeito for encontrado com uma quantidade considerável de dinheiro, é considerado traficante mesmo portando pouca droga.

Para Johnson, a droga deve ser combatida por meio do controle de fronteiras e de políticas públicas com foco no tratamento da dependência. “O Brasil não é produtor da matéria-prima da cocaína e do crack e somos ineficazes no combate ao tráfico internacional.”

Na visão do juiz, medidas de saúde pública que tratem o vício em substâncias deveriam ser prioridade. “Há um largo consumo de substâncias como a maconha, cocaína, álcool e cigarro desde a adolescência”, relata.

Como é hoje

Legislação: criada em 2006, a Lei Antidrogas (11.434) considera crime portar, comprar, produzir, vender substâncias ilícitas e define penas para cada uma dessas condutas. Quem define a distinção entre tráfico e consumo próprio é a autoridade policial ou judicial.

Porte: o porte para consumo próprio é considerado crime e gera condenação, mas não é punível com prisão. As penas variam de advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Tráfico: o Artigo 33 estipula pena de reclusão de 5 a 15 anos além de multa para quem produzir, fabricar, adquirir, vender e oferecer drogas, ainda que gratuitamente. A caracterização de tráfico depende de uma série de critérios subjetivos. O local onde ocorre a apreensão, a condição social e os antecedentes suspeito influenciam a decisão.

Plantio: o ato de semear, cultivar ou colher plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas está previsto tanto no artigo 28 quanto no 33. Com isso, pessoas que plantam drogas podem ser definidas como usuários ou traficantes, a depender da compreensão da autoridade quanto à prática. Na maioria das vezes, os cultivadores são enquadrados no artigo 33.

Como fica

Legislação: a lei continua valendo, mas o artigo 28, que trata exclusivamente do porte para uso pessoal, pode ser excluído por violar o artigo 5º da Constituição. Pelo texto, o direito de intimidade e vida privada são invioláveis, o que faz o artigo ser inconstitucional.

Porte: ninguém poderá ser preso ou condenado por portar drogas para uso pessoal. Ainda há dúvidas quanto aos critérios que definem o consumo próprio. Uma das propostas é estipular uma quantia específica para cada droga, como ocorre em países como Alemanha, Argentina, Espanha e Holanda.

Tráfico: Continua proibido e com as mesmas punições. Porém a decisão do STF deve obrigar a instituição de critérios claros para a caracterização do crime. O Tribunal pode estipular as regras ou deixar a definição por conta do Congresso ou de órgãos técnicos como a Anvisa.

Plantio: com a exclusão do artigo 28, o plantio passa a ser considerado tráfico em qualquer situação. Porém o Congresso e a Anvisa podem definir critérios que permitam o cultivo para uso pessoal, como ocorre em países como Chile, Espanha, Portugal, Uruguai e alguns estados americanos.

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