Congresso ratifica valor da sanidade e da qualidade

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Congresso ratifica valor da sanidade e da qualidade

Especialistas do país e do exterior discutem medidas para fortalecer e equilibrar produção, venda e consumo de leite.

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Estado – O 15º Congresso Internacional do Leite ratifica relevância dos projetos de sanidade e qualidade produtiva iniciados no Vale do Taquari. Especialistas de diversos países se reúnem na Fiergs, em Porto Alegre, para discutir o futuro da cadeia leiteira no Brasil.

Crédito: Thiago MauriqueProdutores, representantes de entidades classistas, da Univates e de cooperativas da região participam do evento, que ocorre pela primeira vez no estado. Entre os destaques, está a importância de fortalecer as políticas de produção ordenada e estratégias de mercado com o foco na qualidade do produto.

A sanidade como caso de saúde pública e de perenidade da cadeia aparece com veemência nos painéis apresentados. Para o presidente do IGL, Gilberto Piccinini, o evento coloca a cadeia leiteira gaúcha em um patamar de destaque nacional.

Piccinini acredita que os exemplos inovadores iniciados no Vale, como o projeto de sanidade animal, as conexões com a Galícia, os programas de sucessão familiar, os modelos inovadores de produção e de selo de qualidade, se fortalecem quando especialistas da área enaltecem esse trabalho. “O congresso é a prova real do nosso acerto.”
O presidente do IGL entende que a bacia leiteira do Vale é muito respeitada. Por ser fundamentada na agricultura familiar, a maior parte da produção é proveniente de pequenas propriedades.

Conforme Piccinini, esse fator não pode dificultar a implantação ou fortalecimento das políticas públicas de profissionalização da cadeia. “O pequeno produtor não pode ser um produtor pequeno”, sentencia.

Diante da crise propagada pelas fraudes no setor, o presidente propõe uma agenda positiva para que produtores e indústrias não desistam de aprimorar fórmulas para a evolução. Cita a necessidade de recuperar crédito em meio ao consumidor, para consolidar o leite como uma das principais e mais rentáveis economias do estado e do país.

Preço se equipara ao da Europa

O primeiro painel do evento apresentou as tendências do mercado lácteo mundial. Analista sênior do Rabobank, maior instituição bancária do setor de alimentos, o colombiano Andrés Humberto Padilla Villaveces alertou para as dificuldades surgidas a partir da recuperação da produtividade em mercados como os da China e da Rússia.

Segundo o palestrante, no primeiro semestre deste ano, o preço médio do produto alcançou os patamares mais baixos desde 2009, ano em que a produção chinesa de lácteos sofreu forte queda devido a problemas de sanidade alimentar.

Com a retomada da produção chinesa no segundo semestre do ano passado, o país asiático deixou de importar boa parte do leite consumido. As importações na Rússia também reduziram no mesmo período, pressionando ainda mais os preços do setor. Em 2013, a tonelada do leite chegou a custar 5 mil dólares no mercado global. Neste ano, a mesma quantidade é comprada por 2 mil dólares.

Conforme Villaveces, o preço médio pago ao agricultor caiu em todo o mundo, mas varia de acordo com as realidades locais de produção. No Brasil, chega a 0,29 euros por litro, mesmo valor pago aos produtores da União Europeia. “É um preço ainda competitivo para o mercado internacional e supera os valores pagos pela Nova Zelândia, maior produtora global que enfrenta grave crise no setor.”

Apesar das dificuldades, o painelista acredita que em sinais de recuperação. Segundo ele, o custo dos insumos seguirá em patamares baixos, influenciados pela queda nos preços da soja e do milho utilizados na ração animal.

Produtor deve aceitar inovação

Encontrar produtores dispostos a aplicar novas tecnologias, fórmulas de manejo e de posição no mercado é crucial para a sucessão familiar. Sob esse argumento, o presidente da Cooperativa para Inovação e Desenvolvimento da Atividade Leiteira com sede no Paraná, Marcelo de Rezende, falou sobre o nivelamento natural da produção, que implica na exclusão daqueles que insistem em sistemas ultrapassados.

Para ele, produzir laticínios não é apenas tirar leite das vacas. “O mercado exige muito mais”, pondera. Conforme Rezende, as mudanças no setor são constantes e o produtor precisa estar aberto e disposto a mudar a forma de gerir e conduzir as propriedades, principalmente quando o pai quer transferir os serviços para o filho.

Exemplo de sucessão

Professor da Univates e especialista no agronegócio, Lúcido Ahlert compartilhou em painel o trabalho de sucessão rural desenvolvido no Vale. Citou exemplos de famílias em que os pais transferiram o comando da propriedade aos filhos, mediante orientação técnica, e hoje têm assegurada a continuidade da atividade familiar.

Para Ahlert, exemplos como esse representam uma quebra de paradigmas e um trabalho relevante para garantir sustentabilidade da produção leiteira. “Indústria, produtores e gestores precisam encontrar fórmulas atrativas para manter o jovem na propriedade”, reitera. Para ele, é necessário mudar a cultura e o padrão de pensamento vigente.

É preciso amparar os agricultores”

Técnico da Embrapa e mestre em Zootecnologia pela Universidade Federal de Viçosa (MG), Cláudio Nápolis Costa desenvolve estudos em genética bovina e projetos de sistemas de informação para a gestão zootécnica leiteira.

A Hora – A sanidade animal é apontada como um dos fatores decisivos para a expansão do mercado leiteiro. No RS ainda temos dificuldade para implantar medidas que regulem a atividade. Até que ponto esses percalços limitam o crescimento do setor?

Costa – Esta é uma questão importante, tanto para evitar prejuízos na manutenção do rebanho quanto para oferecer um produto com maior rentabilidade. Existem dois componentes nessa equação. Um deles é a legislação federal, com os programas de erradicação da brucelose e tuberculose. O segundo é o trabalho das agências de extensão rural. No RS temos os laboratórios da rede brasileira de qualidade do leite, em que o produtor pode receber um diagnóstico preciso da produção. Isso faz com que a remuneração seja negociada conforme a qualidade. Ou seja, a receita obtida pela produção é diretamente influenciada pelas questões sanitárias.

Os produtos de origem animal com garantia de sanidade são reconhecidos pelo mercado? Que vantagem eles trazem ao produtor?

Costa – O reconhecimento existe. O universo de produtores é muito grande e a disponibilidade de técnicos é muito limitada. Sem falar nas dificuldades para obtenção de recursos. Nesse contexto, as políticas municipais atreladas aos sindicatos rurais e aos programas de qualificação, se tornam fundamentais. No estado, temos vários exemplos que buscam fortalecer a cadeia do leite. Quando as ações estiverem integradas entre os governos municipais, estaduais e federal, poderemos vencer esse desafio.

O leite apresenta grandes variações de preço de acordo com o mercado internacional. Como o produtor e as indústrias podem trabalhar neste mercado volátil e manter a atividade sustentável?

Costa – A volatilidade dos preços está ligada a qualidade, capacidade e estrutura produtiva. Estamos em uma economia aberta, em que o preço do mercado internacional afeta o mercado interno. Temos o aspecto da renda, que é resultado do cenário econômico nacional e afeta a demanda. Uma das soluções para as pequenas produções é o associativismo. Isso melhora a produtividade para negociar preços em uma produção de maior escala e de maior qualidade.

O Brasil está preparado para enfrentar o mercado mundial no setor leiteiro?

Costa – Posso dizer que estamos preparados e que a Embrapa tem um papel importante nesta questão. É um processo dinâmico que demanda a incorporação de conhecimento e tecnologias construídos dentro dos sistemas de produção típicos do país, seja em função do clima ou de particularidades regionais. Aliado a isso, temos o processo de transferência desse conhecimento aos produtores, que integra o trabalho de pesquisa e com instituições que defendem os interesses dos agricultores.

Qual o papel da agricultura familiar neste cenário?

Costa – A estrutura das pequenas produções representa um custo de captação muito alto para a indústria. Na medida em que a realidade brasileira, em particular a gaúcha, tem como base a estrutura familiar, é preciso traçar estratégias que favoreçam a estrutura cooperativista. Em conjunto, pode-se comprar grandes quantidades de insumos e comercializar maior volume de leite. A própria estrutura associativa evita o êxodo rural e proporciona melhor remuneração para a agricultura familiar.

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