Vale do Taquari – As áreas de instabilidade atuantes sobre o território gaúcho desde a noite de domingo se intensificam. Segundo o Centro de Informações Hidrometeorológicas da Univates (CIH), de Lajeado, uma frente fria chega ao estado e provoca mais chuva forte, acompanhada de temporais a qualquer hora do dia. O mau tempo persiste até quinta-feira.
A coordenadoria regional da Defesa Civil alerta para possibilidade de inundações e mantém sobreaviso aos municípios da Bacia Taquari-Antas. Após as pancadas na madrugada de ontem, a central de Porto Alegre emitiu alerta crítico sobre o risco de cheias na região em virtude da elevação do nível dos afluentes.
No entanto, tranquiliza o major Ricardo Accioly Gerhard, a chance de alagamentos reduziu ao passo que a chuva diminuiu à tarde. Além disto, não choveu o suficiente nas cabeceiras. “Mas precisamos ficar alertas. Este tipo de precipitação, com larga quantidade de água em determinada região, pode provocar estragos”, avalia o coordenador regional.
Uma das dificuldades enfrentadas pela Defesa Civil para prever tais situações é a falta de um sistema integrado de monitoramento. Ainda em estudo, a proposta deve ser implantada em um “futuro próximo”, aponta o major Gerhard. “Enquanto isso, dependemos das informações repassadas pelas coordenadorias municipais. Isso demanda tempo e nos deixa com certa margem de erro.”
Em Lajeado, por exemplo, o coordenador Gilberto Schmidt analisa de forma periódica o nível do Rio Taquari e os prognósticos do tempo. Tal acompanhamento deve ser mantido de maneira mais intensa até o fim da semana. De acordo com ele, os modelos se alteraram e amenizaram os riscos. “Mas podem mudar de uma hora para a outra.”
O nível do Taquari havia alcançado quase 15 metros ontem à tarde e normalizado no fim do dia. Segundo estudo da Defesa Civil, realizado no ano passado, a invasão de água às moradias começa quando o nível do Rio Taquari chegar a 20 metros e 10 centímetros. Aos 19 metros, equipes de socorro retiram as primeiras famílias das áreas de risco.
A cidade é uma das mais suscetíveis a alagamentos na região. Nos oito setores de risco mapeados pela Defesa Civil, estão demarcados 831 imóveis, onde residem cerca de 3,3 mil pessoas. A última cheia no Vale do Taquari ocorreu em outubro de 2013, de acordo com o CIH da Univates. Na época, o acumulado de chuva chegou a 150 mm.
Madrugada chuvosa
A chuva começou por volta das 23h de domingo, acompanhada de rajadas de vento e trovoadas em muitas cidades da região. Foram 71,4 mm até o começo da tarde de ontem, segundo medição do CIH. Com isso, o acumulado de julho passou para 163,6 mm, sendo que a média histórica para o mês é de 170 mm.
De acordo com a coordenadora do centro, Fabiane Gerhard, a estação meteorológica da Univates coleta os dados com um intervalo de meia hora. Os maiores volumes ocorreram entre 0h30min e 1h (11,18 mm) e das 5h às 5h30min (19,05 mm).
Em Taquari, as regiões mais atingidas foram os bairros Passo da Aldeia e Colônia Vinte de Setembro, Loteamento Parque do Meio e comunidade São Francisco. Diversos pontos da cidade foram alagados pela enxurrada e quatro famílias ficaram desalojadas. Os moradores se acomodaram em casas de parentes e amigos. De acordo com o coordenador da Defesa Civil, Leandro Bittencourt, o município realizou a vazão de água nos pontos mais críticos durante o dia.
Apreensão em Marques de Souza
O intenso volume de chuva fez moradores de Marques de Souza relembrarem a catástrofe ocorrida em janeiro de 2010, quando 14 casas foram destruídas pela enxurrada. A aposentada Ilga Bernstein, 75, perdeu três imóveis na época e, preocupada com uma nova cheia, mal consegue dormir desde a noite de domingo. “Para acalmar, só tomando remédio.”
A chuva, acompanhada de trovões, começou no início da madrugada de ontem na cidade. De manhã, a água do Arroio Tigrinho estava apenas dez metros distante das moradias refeitas há menos de cinco anos. “Se não fosse a prefeitura abrir uma vala, certamente estaria batendo aqui na porta. Estamos rezando para parar de chover”, aponta Ilga.
A vizinha Iara Bauer, 66, percebeu o nível do arroio subindo às 6h30min, quando o filho Aldemir chegou ao local. A rua de acesso à residência ficou encoberta pela água e foi preciso cruzar pela BR-386.
Apreensiva com o risco de a moradia ser invadida pela cheia nesta semana, avalia cancelar a viagem marcada para São Paulo, amanhã. A grande preocupação dos moradores é com o nível do Rio Forqueta, que cruza a cidade. “Se ele subir muito, a água vai represar e entrar nas casas”, observa Iara.
Deslizamentos interrompem estradas
Em virtude da chuvarada, houve deslizamentos de terra em diversas cidades do Vale do Taquari. A estrada geral de Linha Alto Tigrinho, ligação de Forquetinha com Marques de Souza, foi interditada ainda na madrugada de ontem. Árvores, pedras e barro encobriram pelo menos dois trechos. Parte da pista também desmoronou.
O pedreiro Marino Nicolini, 46, morador de Canjerana, em Canudos do Vale, seguia de motocicleta até a parada de ônibus, por volta das 8h, quando se deparou com entulhos sobre a pista em Alto Tigrinho. Para conseguir atravessar, cortou parte dos galhos com um machado emprestado de um morador. Mesmo assim, não chegou a tempo de embarcar no coletivo e faltou ao trabalho.
A via permanecerá interditada enquanto durar a instabilidade, aponta o coordenador local da Defesa Civil, Henrique Kalsing. Ele teme novos deslizamentos em função da terra molhada e previsão de mais chuva. “Precisamos ser cautelosos. Trabalhar com esse tempo só vai piorar a situação.”
O acesso ao município de Relvado, pela ERS-332, ficou interditado durante a manhã em função de um deslizamento de terra. A situação foi normalizada durante o dia. Em Imigrante, o Arroio da Seca transbordou e bloqueou o acesso do município a Colinas.