Trabalho infantil atinge 63,5% dos menores de idade

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Trabalho infantil atinge 63,5% dos menores de idade

Dados divulgados durante o Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil mostram uma situação preocupante na região. Com pouco mais de 2,2 mil habitantes, a cidade de Sério aparece entre as 10 piores do país. É a nona com maior percentual de crianças de 10 a 17 anos de idade em situação ilegal de trabalho.

Conselheiros tutelares e diretores de escolas receberam com surpresa os dados da mais recente pesquisa do IBGE e garantem: não há motivo para alarde entre a comunidade da pacata cidade de Sério.

Crédito: Rodrigo MartiniDe acordo com os índices apresentados no fórum organizado pelo Tribunal Regional do Trabalho do Estado e Ministério Público do Trabalho no RS, Sério tem 63,5% dos jovens entre 10 a 17 anos trabalhando. É a nona no país, e no estado só está melhor do que Novo Xingu, Itapuca, Bozano, Ubiretama e Lagoa Bonita do Sul.

A informação, divulgada na sexta-feira causa surpresa entre funcionários do Centro de Referência da Assistência Social (Cras) e também entre conselheiros tutelares. A maioria dos responsáveis pelo apoio a criança e adolescente no pequeno município desconhecia os dados apresentados pelo TRT-RS.

“Não recebemos esta informação”, afirma a conselheira tutelar, Kellin Capoani. As demais profissionais do Conselho Tutelar participavam de treinamento ontem e não atenderam a reportagem. O mesmo ocorreu com representantes do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Comdica).

De acordo com a assistente social do município, Euci Dapont Rosa, houve denúncias de trabalho infantil em madeireiras. “Ocorreu no ano passado. Recebemos a informação e fomos até o local, onde verificamos um jovem de 17 anos trabalhando.” Segundo ela, o pai do adolescente foi chamado para orientação e o problema foi resolvido.

Euci admite que os casos são recorrentes nas lavouras, onde é comum verificar menores de idade auxiliando os pais. “Nunca chegou denúncia até nós. Mas não tem como dizer que não há trabalho infantil no trabalho rural. Atuamos para não deixar que isso prejudique o rendimento escolar”, diz. “Mas não há exploração ou abuso”, frisa.

Poucas denúncias

No Cras, a coordenadora Jéssica Candido também confirma ocorrência de evasão de alunos na única escola estadual de Sério. “Acontece com mais recorrência no fim do Ensino Fundamental. A partir dos 14 anos.” Segundo ela, o mesmo problema não é verificado na rede municipal.

Euci reclama de “negligência” por parte da direção da escola estadual. “Já houve casos de alunos que ficaram mais de quatro meses sem ir à escola, sem que fôssemos avisados.” A assistente social afirma que na maioria dos casos é descoberto por meio do Programa Bolsa Família. “Só assim ficamos sabendo, pois geralmente são alunos que perturbam. Daí a escola opta por não avisar”, lamenta.

Segundo profissionais do Cras, alguns professores da rede estadual percebem dificuldades entre alunos que trabalham em turnos opostos as escolas.

Desatenção, cansaço e baixo rendimento são as principais. Diretor da escola, Luiz Aroldi afirma desconhecer esses problemas. Segundo ele, falta vontade para os alunos que não apresentam bom rendimento.

Situação no RS

O auditor-fiscal do Trabalho, Roberto Padilha Guimarães, fala sobre o panorama do trabalho infantil no estado. Cita que em 2013 existiam 175,9 mil crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos de idade em situação ilegal de trabalho. Uma redução de 44,7% em relação aos números de 2004.

Os índices não incluem casos que estão em conformidade com a lei. Hoje, o trabalho é proibido para menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz. Antes dos 14 anos, o trabalho só é possível com autorização judicial.

Entre janeiro de 2012 e maio de 2015, 1.645 crianças e adolescentes foram flagrados em situação irregular no Estado. As sanções incluem multas contra os empregadores, a determinação de afastamento do trabalho e interdição do local e dos equipamentos.

Escola de manhã. Trabalho à tarde

Com 15 anos e um sorriso com aparelhos nos dentes, um jovem morador do interior maneja com naturalidade um facão e uma pequena foice. Filho único, ele estuda de manhã e trabalha da terra da família durante à tarde. “Faço isso há mais de três anos.”

Afirma nunca ter se machucado com as ferramentas. “Estou acostumado.” Garante também não faltar aula em função do trabalho braçal. “Não me canso.” No fim da tarde de ontem, ele voltava para casa na companhia de um vizinho. Antes, cortavam pasto para os animais.

“Sou filho único e ajudo em casa. Mas quando me formar penso em ir morar na cidade.” O jovem comenta que suas notas são boas no colégio, e reitera certa tranquilidade em dividir os estudos com o trabalho. “Eu só trabalho à tarde”, salienta.

MP e Justiça do Trabalho

Questionado, o promotor de Justiça, Sérgio Diefembach, afirma desconhecer a situação envolvendo o município de Sério. “A questão do trabalho infantil, modo coletivo, é atribuição do Ministério Público do Trabalho”, observa.

Segundo ele, se trata de município pequeno e predominantemente rural. “Pode haver ligação com trabalho familiar em lavouras”, comenta.

Ele não vê necessidade de sanção imediata aos pais, mas, sim, aos empregadores, “que poderão ser multados pelo Ministério do Trabalho.”

Para o promotor, cabe aos administradores do município fazer um mapeamento dessas situações, para desenvolver políticas públicas e programas de redução do trabalho infantil. “Quanto aos demais municípios da comarca, também não temos recebido denúncias.”

Juíza do Trabalho, Patrícia Helena Alves de Souza salienta que a atividade no âmbito da agricultura familiar é incentivada pela terceirização dos serviços. “Já que é difícil o controle de toda a cadeia produtiva dos produtos.”

Segundo ela, as denúncias devem ser encaminhadas ao Conselho Tutelar, ao Ministério do Trabalho e Emprego, ao Ministério Público do Trabalho, a Justiça do Trabalho e pelo disque 100.

Entrevista com psicóloga, Cláudia Sbaraini

A Hora – Quais os impactos que o trabalho infantil pode causar em relação ao desenvolvimento psicológico da criança?

Cláudia Sbaraini – Além da importância de um ambiente adequado que favoreça a aquisição destas estruturas, existe algo característico da infância, o brincar livremente. Quando uma criança é afastada da liberdade de viver e brincar, ela estará queimando etapas. Inserir a criança em um mercado de trabalho é algo abusivo e extremamente prejudicial ao desenvolvimento de suas estruturas, cognitivas e psíquicas. Podem apresentar tanto problemas físicos quanto emocionais quando forçadas a viver algo que não fazem parte de sua etapa de vida.

– O que uma criança ou adolescente perde ao trabalhar precocemente?

Cláudia – Qualquer situação forçada, tanto para a criança quanto para o adolescente, faz com que eles pulem etapas de sua vida. Etapas que são puladas fazem com que haja falhas na estruturação de sua personalidade, levando a uma série de problemas emocionais, como depressão, dificuldade de relacionamento, insegurança e fobias.

– Há algum benefício no trabalho precoce?

Cláudia – Não vejo benefício para uma criança. Um dos sintomas do mundo atual é o encurtamento da infância e o prolongamento da adolescência. Crianças que desde cedo são sobrecarregadas de tarefas e tornam-se quase miniadultos e adolescentes que não conseguem ter atitudes de adultos, pois ficam presos em comportamentos que já deveriam ter superados, ou seja, não entram para a fase adulta, de independência e autonomia.

Principais atividades econômicas

• Agricultura (28,7%)

• Pecuária (12,3%)

• Comércio (11,1%)

• Serviços domésticos (6,4%)

• Construção civil (3,6%)

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