Detentos vivem em condições precárias e desumanas, diz MP

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Detentos vivem em condições precárias e desumanas, diz MP

O Ministério Público protocolou, ontem de manhã, pedido de interdição parcial do Presídio Estadual de Lajeado. A Promotoria solicita o uso exclusivo do espaço para presos da comarca local e cobra medidas capazes de reduzir a população carcerária a níveis “aceitáveis”. O juiz Luís Antônio de Abreu Johnson se diz surpreso com a liminar e atenua a situação: “a penitenciária já esteve em condição pior.”

Há mais de uma década, líderes regionais buscam alternativas contra a superlotação e a falta de infraestrutura do Presídio Estadual de Lajeado. Construída em 1959, a casa prisional não avançou ao passo da cidade e da criminalidade. Sucessivas reuniões e tentativas de solucionar os problemas se mostraram insuficientes ao longo dos anos, apenas com resultados paliativos.

Crédito: Estevão HeislerA maior esperança ficou para a construção de uma nova penitenciária, garantida para Lajeado no fim da década passada, mas edificada em Venâncio Aires. Recém-inaugurada e com a promessa abarcar as deficiências das cadeias dos vales do Taquari e do Rio Pardo, serviu apenas para o desafogo do Presídio Central. Total contrariedade às promessas do Estado de haver exclusividade para a região.

Das 530 vagas disponibilizadas no espaço, entre 150 e 170 seriam para detentos da cadeia lajeadense. No entanto, apenas a metade teve autorização para transferência. Nos dias seguintes, novas prisões igualaram o número de presos anteriormente existente em Lajeado. O fato causou inquietação no Ministério Público. “Não podemos concordar com a transferência do problema. Se transfere a superlotação da Região Metropolitana para os vales”, destaca o promotor da Vara Criminal, Ederson Luciano Maia Vieira.

Em consonância com os promotores João Francisco Kless Filho e Ana Emília Vilanova, foi protocolado no Fórum de Lajeado, ontem de manhã, o pedido de interdição parcial do presídio na cidade. No documento, entregue ao juiz Luís Antônio de Abreu Johnson, a Promotoria destaca os problemas advindos da superlotação, em especial relacionados à dignidade dos detentos. “Há bastante tempo os detentos estão sendo ‘empilhados’ em situação de afronta à dignidade da pessoa humana e comprometedora de direitos fundamentais.”

A promotoria fez dois pedidos fundamentais ao Judiciário. O primeiro, de suspender o recebimento de presos das comarcadas de Estrela e Teutônia, as quais têm direito em lei ao espaço. Somadas à comarca de Lajeado, elas abrangem 17 cidades e 210 mil habitantes. Os apenados dessas regiões precisariam então ser enviados a outros presídios, como de Arroio do Meio, Encantado e o de Venâncio Aires.

A segunda requisição é que seja feita a transferência emergencial do número excedente de presos em Lajeado no prazo de 60 dias. A promotora Ana Emília reconhece a impossibilidade de chegar ao limite mínimo da capacidade da penitenciária, mas enaltece a importância a se atingir pelo menos níveis aceitáveis, nos quais os detentos possam permanecer em condições dignas.

Três presos por vaga

O presídio de Lajeado foi construído para receber 122 detentos no regime fechado. No entanto, 309 dividiam as celas de 15 metros quadrados até o fim da tarde de ontem. Com espaço para seis camas, alguns ambientes chegam a comportar 20 pessoas. Colchões são improvisados no chão e, em certos casos, não há lugar para todos dormirem sozinhos.

Segundo entendimentos dos três promotores, haveria condições para, de forma provisória, estabelecer um máximo de dez presos por cela. Assim, além das seis camas fixas, poderiam ser colocados de três a quatro colchões individuais no chão. “Desta forma eles ficariam em condições dignas, o que não ocorre hoje”, enfatiza Ana Emília.

O promotor Vieira destaca que o pedido ao Judiciário não pretende deixar o presídio na capacidade estrutural, “mas que os presos tenham condições mínimas de serem recebidos”. A taxa de ocupação está aquém da mínima exigida pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que estipula 1,67 m/preso. Em Lajeado, chegou a ter 0,63 m/preso.

De acordo com a promotora Ana Emília, na atual situação, não há condições de ressocialização. No dia de encarceramento, por exemplo, o detento é separado de forma a evitar conflitos internos. Sequer existe uma divisão relacionada ao tipo de delito. Apesar das dificuldades, ela enaltece a importância do trabalho desenvolvido pelo Conselho da Comunidade. “Dentro da situação caótica, ainda existem boas ações que ajudam a amenizar esses problemas.”

Poucos agentes penitenciários

A estrutura é guarnecida por sete agentes penitenciários, uma média de um para cada 16 presos. A condição contraria exigência do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que estabelece o mínimo de sete detentos por agente. O promotor Vieira classifica a situação como caótica e enaltece a importância da interdição antes que ocorra algo de pior, como um incêndio de grandes proporções ou fuga em massa. “Não podemos correr esse risco.”

Chefe de segurança, Eberson Bonet atenua a preocupação: “por mais que está sendo difícil, há respeito aqui dentro. Estamos conseguindo levar com segurança”. De acordo com ele, seriam necessários pelo menos mais cinco agentes penitenciários. Em função da superlotação, cita, médicos vão ao presídio para atendimentos.

Há postos internos para consultas e pequenos procedimentos. Mas, em casos mais urgentes de saúde, os detentos precisam ser encaminhados à UPA. Para o deslocamento, são destinados dois agentes. “Muitas vezes isso pode comprometer a segurança, pois tiramos o pessoal daqui de dentro.” Para não deixar o presídio desguarnecido, a direção pede apoio da Brigada Militar ou, muitas vezes, costuma acionar uma ambulância do Samu para atendimento médico no local.

Falta espaço, inclusive, para os agentes penitenciários. Responsáveis por determinadas áreas do presídio dividem a mesma sala e quando há necessidade de atender algum delegado ou advogado, por exemplo, é preciso deixar o ambiente.

Juiz considera interdição inoportuna

O juiz Luís Antônio de Abreu Johnson se diz surpreso com a manifestação do MP e considera inoportuna a interdição do presídio de Lajeado. De acordo com ele, qualquer intervenção do gênero no momento mais tumultuaria do que resolveria a situação, visto estar em construção um albergue no local.

Criaria ainda transtornos em outras penitenciárias. “A superlotação não é algo exclusivo de Lajeado. A situação posta não está nem perto da que tivemos em outra época.” Johnson antecipa que antigo regramento inviabiliza proibir prisões das comarcas de Teutônia e Estrela. “Se porventura interditar, a regra valerá para todas as comarcas.” O magistrado não vê necessidade de urgência na decisão e pretende emitir a sentença sobre o caso dentro de cinco dias.

Caso Johnson indefira ou julgue parcialmente deferida a proposta do MP, os promotores devem ingressar com recurso no Tribunal de Justiça. A Promotoria não acredita em outra opção capaz de amenizar o problema da superlotação, se não a interdição parcial da casa prisional.

Constatações do MP

• Não há PPCI, apenas o mínimo de equipamentos necessários de segurança.

• Falta espaço apropriado para a realização de trabalho, visitas e das refeições, que são feitas no interior das celas. São 309 presos para 122 vagas no regime fechado.

• Não há atendimento médico regular, que é feito por meio de trabalho voluntário de profissional, quinzenalmente, quando atende entre dez e 20 presos por dia.

• Número de agentes penitenciários aquém do exigido pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que estabelece o mínimo de cinco presos por agente. Enquanto no presídio são 16 presos por agente.

• Faltam colchões e cobertores.

• Há excesso de materiais nas celas, o que fragiliza a segurança e vigilância.

• A parte elétrica é precária, com a constante ocorrência de curtos-circuitos, entre outros problemas.

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