Autoridades reiteram necessidade de punição

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Autoridades reiteram necessidade de punição

Exposição de imagens de mulheres em momentos íntimos motivou audiência

oktober-2024

Encantado – “Se o preconceito é a doença, a informação é a cura.” “Violência não é amor.” Com frases como essas, integrantes do Coletivo de Mulheres de Encantado e Vale do Taquari chamaram a atenção de parlamentares e sociedade para atos de machismo. Desde abril, a delegacia de polícia local investiga pelo menos três casos de vazamento de fotos e vídeos íntimos na internet. A maioria divulgada por ex-namorados.

Anderson LopesA audiência pública de ontem, na câmara de vereadores, durou uma hora e meia e reuniu mais de cem pessoas. Teve a participação de políticos locais e dos deputados estaduais Catarina Paladini (PSB) e Manuela D’Ávila (PCdoB). O debate reforçou a necessidade de identificar e punir os responsáveis pelas divulgações indevidas.

Para o presidente da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH) da Assembleia Legislativa (AL), Paladini, o debate impulsiona a criação de tipificações criminais sobre o uso irregular da internet. “Se estabeleceu uma inversão de lógica e é preciso enfrentar essa situação”, salienta.

A partir do relato anônimo das vítimas, os deputados se comprometeram em apurar a forma com que a rede de apoio às mulheres tem atuado. Manuela propôs também criar um comitê para elaborar uma cartilha sobre a legislação que trata de crimes virtuais.

“A sociedade acha que as meninas que tiram as fotos são as criminosas. Bandido é quem divulga”, frisou Manuela.

Na próxima segunda-feira, integrantes da Rede Lilás voltam a debater o caso de Encantado. Outra audiência também está marcada para o dia 20, na AL. Violência e ódio na internet serão os temas do encontro.

“A mulher continua sendo vista como objeto”

Desde a criação há cerca de dois meses, o Coletivo de Mulheres oferece apoio psicológico às vítimas que tiveram vídeos e fotos espalhadas pela internet. Uma das integrantes do grupo, a servidora pública Denise Andrade, 53, relata o engajamento das pessoas.

Mesmo sem vítimas na família, reforça o papel social de cada um. “A mulher continua sendo vista como objeto. A sociedade precisa mudar isso.”

Advogado de uma das vítimas, Ney Arruda Filho, cobrou mais responsabilidade das pessoas quanto ao compartilhamento de informações. Comparando a liberdade de expressão, obtida após o período de censura imposto pela ditadura militar, relatou o desafio da sociedade de criar uma nova ética voltada à internet. “O que cada um faz é problema dele. Só posso expor a minha intimidade”, defende.

Papel da escola

A professora Daniela Garcia relatou casos de meninas e situações vivenciadas nas escolas da cidade. “A juventude não está pronta para diferenciar o espaço público do privado”, diz.

Ela acompanhou de perto o drama de uma aluna de 13 anos. A menina tentou se matar, após saber que uma foto íntima estava nas redes sociais. Sem coragem para conversar com os pais, ela buscou apoio na educadora. A situação trouxe mudanças na rotina e a afastou da escola por alguns dias. “Há muitas meninas sendo julgadas quando, em parte das vezes, nem são imagens delas”, salienta.

Se deve conscientizar a sociedade a rever valores”

Médico psiquiatra, Fábio Vitória, abordou na dissertação de mestrado a Violência contra a Mulher. Em entrevista, fala da cultura machista presente na sociedade atual e alerta para as consequências de crimes como a divulgação de fotos íntimas sem o consentimento das mulheres.

A Hora – O vazamento de imagens íntimas na internet se torna casa vez mais comum e atingem, na maioria das vezes, mulheres e menores de idade. Como lidar com o preconceito da sociedade com fortes resquícios de uma cultura machista?

Dr. Fábio Vitória – O nó da questão é exatamente esse. A nossa cultura é machista. A nossa sociedade está estabelecida em valores patriarcais e na hierarquização sobre gêneros, em que o homem fica em cima e a mulher fica submetida e subjulgada. Enquanto os valores da sociedade forem mantidos desta forma, as mulheres continuarão sentindo as consequências disso. É necessária uma mudança do paradigma cultural.

O que é o machismo hoje? E o feminismo?

Vitória – O machismo é a hierarquização de gêneros, o qual vê a mulher como a parte mais fraca e submetida ao gênero masculino. O feminismo não é o oposto. Na realidade, o feminismo busca a igualdade entre os gêneros, uma forma de quebrar esta hierarquização entre homem e mulher. Os dois têm os mesmos direitos. Neste sentido, os movimentos feministas são importantes e devem continuar existindo para chamar a atenção da sociedade que, em tempos contemporâneos, seguem baseados por conceitos machistas.

Diante de uma sociedade contemporânea, marcada por diferentes ferramentas de comunicação, como manter o limite imaginário entre os espaços público e privado?

Vitória – Primeiramente, se deve conscientizar a sociedade a rever valores. A partir disso, a cada geração é preciso repassar valores não machistas. Em algum momento, a mudança de criação vai ter que acontecer para que as novas gerações não sigam baseadas em valores machistas. Enquanto isso não acontece, outra alternativa é punir quem divulga esses conteúdos. Isso é um crime grave e covarde. As pessoas podem ser responsabilizadas.

Quais as consequências para as vítimas destes crimes, principalmente menores de idade?

Vitória – O abalo emocional e psicológico profundo. Essas jovens e adultas literalmente relatam que sentem sua vida devastada, destruída. Muitas delas entram em episódios depressivos graves, muitos deles com ação suicida e tentativas de suicídio.

A.H. – Neste contexto, como o senhor vê o papel da escola em auxiliar as vítimas e inibir os casos?

Vitória – O papel da escola é o mesmo que o da família, de tentar passar para as crianças valores baseados na igualdade de gêneros. Homens e mulheres devem sempre ter os mesmo direitos. É isso que a escola e a família devem ensinar.

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