Tráfico de drogas tumultua o sistema prisional

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Tráfico de drogas tumultua o sistema prisional

Número de traficantes presos não reflete em menor consumo, mas superlota presídios e exige ações diárias. No Vale do Taquari, ocorreram 877 prisões nos últimos seis anos. Aliciamento de menores para venda de drogas aumenta nas cidades maiores

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Vale do Taquari – Os presídios estão abarrotados de traficantes. Mais de um terço dos presos estão encarcerados por vender drogas ilícitas. São 237 dentro de uma população carcerária de 693 criminosos. Com perfil criticado pelos agentes penitenciários da Susepe, muitos aguardam julgamento há mais de um ano, colaborando para a superlotação das cadeias. Em todo o Estado, o montante chega a 13,1 mil.

Rodrigo MartiniEm Lajeado o problema é evidente. De acordo com dados da Susepe, há 550 presos na casa prisional instalada no bairro Florestal. Deste montante, 185 são traficantes. Número bem superior aos 39 flagrados por furtos simples, ou aos 19 homicidas. No presídio, a capacidade máxima de lotação é de 122 vagas no regime fechado.

Os traficantes de drogas também são maioria no insituição carcerária de Encantado. Há 76 homens presos. Destes, 28 estão lá por crime de tráfico, contra apenas um condenado por homicídio. Há outros seis estupradores e seis detidos por latrocínio. O local também recebe mulheres. E todas as 17 presidiárias foram encarceradas por envolvimento com a venda de entorpecentes.

Assim como na grande maioria dos presídios brasileiros, o tráfico e o consumo de drogas persiste dentro dos complexos. Ainda em Encantado, conforme a Susepe, foram aprendidos mais de 500 gramas de maconha nos últimos quatro anos. Durante este mesmo período, os agentes também recolheram 80 pedras de crack, dez gramas de cocaína e mais de 100 gramas de crack.

Um caso mais grave ocorreu no ano passado em Lajeado. Uma agente penitenciária foi presa em junho acusada de facilitar a entrada de drogas. A ação conjunta entre Policia Civil e Susepe resultou na prisão de outras quatro pessoas e na apreensão de cinco quilos de maconha, cujo destino eram as celas.

“Alguns traficantes contaminam o presídio”

A exceção entre os três presídios do Vale do Taquari está em Arroio do Meio. Localizado no bairro Bela Vista, o local impressiona pela tranquilidade. Lá, a direção evita receber traficantes. Hoje, dos 46 detentos só seis estão presos por crimes ligados a venda de drogas. A maioria estão condenados por crimes sexuais.

“É comum trocarmos presos com outros presídios maiores. Enviamos os traficantes e eles enviam pessoas condenadas por estupro, por exemplo. Isso serve também para garantir a integridade desses criminosos”, diz Rogério Tatsch, diretor substituto. A má influência deles sobre outros presidiários também é citada como um risco à ressocialização.

Os traficantes são mal vistos pela direção da casa prisional. Confusões, desrespeito às regras internas, crises de abstinência e até tráfico por parte de familiares dos detentos costumam acompanhar este tipo de criminoso.

“Eles acabam contaminando o ambiente. São presos diferentes. A grande maioria é usuária de droga que foi presa quando vendia para suprir o vício. E quando presos, costumam sofrer com abstinência e alguns parentes tentam trazer drogas”, resume o chefe de segurança do local, o agente Leandro Schmidt. Ele tem experiência de duas décadas dentro de outros presídios do Estado.

BM relata dificuldades

Os novos responsáveis pelo 22º Batalhão da Polícia Militar (BPM), Inácio Caye, e pela Delegacia Regional da Polícia Civil, João Antônio Peixoto, são enfáticos: o tráfico de drogas é o principal alvo dos setores de segurança pública. Ações diárias são realizadas em pontos como dos bairros São José, Santo André e Conservas.

Segundo o capitão Luciano Johann, comandante da 1ª Cia da BM de Lajeado, em 2014 foram presas 1.746 pessoas pelos mais diversos delitos. Desses, 77 por tráfico de drogas. Em 2015, ocorreram 166 prisões, sendo 11 por crimes envolvendo venda entorpecentes. “Seis deles eram menores de idade”, comenta.

O envolvimento de menores é citado por Johann como uma das principais dificuldades enfrentadas pela BM, assim como a reincidência e o sentimento de impunidade. “O tráfico e o consumo de drogas alimentam boa parte do sistema criminal, além de atingir a saúde das pessoas. O usuário na maioria das vezes comete pequenos furtos para alimentar o vício.”

Socióloga questiona legislação

Para a doutora em Sociologia e pesquisadora do grupo “Violência e Cidadania”, Letícia Maria Schabbach, é urgente a ampliação das alternativas à pena privativa de liberdade. Sugere que o encarceramento seja aplicado só em casos de perigo real à sociedade. “É preciso agir sobre as múltiplas causas do crime, por meio de políticas de prevenção multissetoriais e com a participação da sociedade.”

Ela enfatiza as estratégias atinentes ao sistema prisional que constam no documento Agenda Prioritária da Segurança Pública. Cita a revisão de aspectos da política de drogas, baseada em uma lei de 2006 que retirou a aplicação de pena de prisão para o usuário de drogas. “Ela teve como principal efeito o aumento do número de pessoas presas por tráfico, sem que isso signifique um real impacto nas dinâmicas criminais organizadas.”

Segundo Letícia, como a lei não específica as quantidades de droga necessárias para caracterizar o uso ou o tráfico, fica a cargo do policial e do juiz determinarem se o indivíduo é usuário ou traficante. “O que significa que a definição de quem é usuário acaba sendo baseada só em critérios subjetivos por parte dos operadores do sistema.”

A socióloga observa para a necessidade de mudanças na legislação. Para ela, a política atual é insustentável e não reflete em um efetivo impacto contra a criminalidade. “Não serve para desbaratar dinâmicas de criminalidade organizada e apenas tira de circulação indivíduos que serão rapidamente substituídos por outros.”

Letícia critica a “criminalidade dourada”. Para ela, grupos e indivíduos favorecidos não chegam a ser processados e punidos pelos atos. “Assim podemos entender como as tipificações mais frequentes entre os presos são as dos crimes contra o patrimônio e do tráfico de drogas.” A socióloga acredita que este fato revela um sistema de Justiça Penal estruturado para reprimir crimes comuns.

Segundo ela, há uma lógica discriminatória que perpassa todo o sistema, vigiando e punindo com mais vigor determinados delitos e grupos sociais, enquanto oculta tantos outros.

Prisões em 15 cidades do Vale

Durante todo o ano passado, a polícia registrou prisões de traficantes em 15 cidades do Vale do Taquari. Foram 4178 no total.

A maior incidência foi em Lajeado, com 81 criminosos. Depois vem Encantado, com 26, Estrela com 23 e Teutônia, com 10 ocorrências.

O total de presos no ano passado foi menor em relação à 2013, quando ocorreram 181 prisões. Mas a média se mantém nos últimos seis anos.

Desde 2009, foram 877 traficantes pegos pelas forças de segurança da região. Só em 12 cidades da região não há registros neste período de seis anos.

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