País lídera índice de consumo de agrotóxico

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País lídera índice de consumo de agrotóxico

O mercado de defensivos agrícolas movimenta 7,3 bilhões de dólares por ano no país e provoca discussões sobre a toxidade dos alimentos. O Instituto Nacional do Câncer e a Organização Mundial de Saúde alertam para os riscos de doenças provocadas pela ingestão de pesticidas. Entre elas estão diversos tipos de câncer e doenças neurológicas. Produção orgânica se consolida como alternativa para consumo saudável.

Vale do Taquari – O aposentado Nelson Reizdöfler, 63, viaja duas vezes por semana de Teutônia a Lajeado para comprar frutas, verduras e legumes na feira rural da cidade. O motivo de escolher a cidade vizinha é a chance de encontrar produtos produzidos sem uso de agrotóxico.

Divulgação“Tem que ser assim, a saúde agradece”, afirma. Para ele, além de serem mais seguros, os vegetais orgânicos são mais saborosos do que os convencionais. A opção por produtos livres de pesticidas é compartilhada pela empresária Eliane Rasche. Cliente da feira rural, sempre pergunta a origem dos produtos para garantir que não estão contaminados.

“Quando dizem que o milho não é da estação, não compro. Confio mais nos produtos daqui.” No Brasil, o hábito dos dois consumidores ainda é exceção. Recordistas mundiais na ingestão de agrotóxicos, cada brasileiro consome em média cinco litros de pesticidas por ano, conforme dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca).

Pesquisa da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) divulgada na semana passada aponta que 70% dos alimentos consumidos no país estão contaminados com agrotóxicos. A venda de defensivos movimenta 7,3 bilhões de dólares por ano no Brasil.

O elevado consumo de veneno preocupa as autoridades e está associado à incidência de doenças como o câncer e outras patologias. No início do mês, o Ministério Público Federal (MPF) pediu urgência na reavaliação toxicológica do glifosato, herbicida que domina o mercado nacional.

Em março, a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou estudo associando o consumo do glifosato ao surgimento de câncer. Conforme a OMS, os agrotóxicos causam, anualmente, 70 mil intoxicações agudas e crônicas nos países em desenvolvimento.

Desde 2008, a Anvisa estuda banir o uso do glifosato e de outras substâncias tóxicas empregadas na produção de alimentos. Algumas delas, como o pesticida 24-D, são proibidas em quase todos os países, mas podem ser vendidas livremente no no Brasil.

Popularmente chamado de “agente laranja”, o 24-D foi utilizado como arma química pelos Estados unidos durante a guerra no Vietnã. Os estudos da Anvisa sobre o produto químico existem desde 2006, mas seguem sem conclusão.

Outro elemento químico que preocupa é o Prochloraz. Fungicida de ação cancerígena comprovada por estudos internacionais, é utilizado em culturas como cebola, cenoura, cevada, frutas cítricas, tomate e trigo.

Em março, o MPF ingressou com ação civil pública pedindo o cancelamento do registro de produtos que contenham o elemento, mas ainda não foi atendido.

Da lavoura para a cozinha

Enquanto o governo não toma providências, os vegetais com excesso de agrotóxicos seguem nas prateleiras dos supermercados e na mesa da população.

Conforme a Anvisa, mais de 91% dos pimentões encontrados no país têm índices de contaminação acima do recomendado. Morango, pepino, alface e abacaxi, elementos comuns em refeições, também estão na lista dos dez produtos mais intoxicados.

Conforme o engenheiro agrônomo da Emater, de Arroio do Meio, André Müller, os herbicidas são os venenos mais utilizados nas lavouras do município, em padrão seguido nas demais cidades da região. Para comprar esses produtos é necessário um receituário agronômico. “É uma exigência legal que responsabiliza a empresa que vende”, diz.

Segundo ele, a venda só ocorre com a assinatura de um profissional, que deve orientar a aplicação correta do veneno. Porém nem sempre os agricultores cumprem as orientações. “Muitas vezes a pessoa se expõe ao risco sabendo que ele existe.”

Agricultor é mais prejudicado

De acordo com o Müller, uma das principais preocupações da Emater é com os próprios agricultores. “São os primeiros a serem intoxicados”, relata. Mesmo quando a aplicação do produto é realizada de maneira segura, o ambiente ao redor da lavoura pode acabar contaminado.

Segundo ele, alguns produtos permanecem no ar, em um fenômeno chamado de deriva. Com isso acabam sendo levados pelo vento a locais distantes da aplicação. “Já tivemos casos de denúncias no MP de vizinhos que se sentiram lesados pela aplicação de agrotóxicos perto de suas propriedades”, reforça.

Cita ainda estudos que atestam a contaminação do solo, dos rios e de lençóis freáticos por produtos químicos usados nas lavouras. Em alguns casos, mesmo águas aparentemente potáveis podem estar intoxicadas e fazer mau à saúde.

Diante desse cenário, a Emater incentiva o controle biológico de pragas. Em Arroio do Meio, foram plantados mais de 40 hectares de milho por meio desse sistema no último ano. O município também é referência na produção orgânica de frutas e hortaliças.

Alimentos livres

Um dos modelos mais conhecidos de produção livre de agrotóxicos no Vale do Taquari é praticado na localidade de Forqueta. Faz 15 anos que nove famílias trocaram a agricultura convencional pelas técnicas de produção orgânica.

Hoje, elas são responsáveis por abastecer a feira do produtor, os estandes do mercado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e fornecem alimento para a merenda da rede municipal de Arroio do Meio.

Expositor na feira rural de Lajeado faz mais de 20 anos, João Luiz Klein, 55, também opta pela produção sem defensivos agrícolas. Mesmo sem oferecer variedade, leva para venda apenas alimentos produzidos pela família.
“Como tenho uma agroindústria e sei a procedência dos vegetais, consigo garantir a segurança.”

Frutas como figo e goiaba são transformados em doce e schimier. Outros produtos como waffler, pão de milho, cueca virada, amendoim, pinhão e nozes também estão livres de contaminação.

Para Klein, a opção pela produção orgânica resultou conquista de uma clientela. “Tenho uma relação de amizade com os meus clientes.” Segundo ele, a confiança estabelecida garante a subsistência familiar.

Médico recomenda cuidado

O oncologista Leandro Brust recomenda que as pessoas tenham prudência no consumo de vegetais. Segundo ele, mesmo que a ciência não explique a relação entre os agrotóxicos e aumento dos casos de câncer, os produtos precisam se bem lavados para evitar contaminações.

“Pesquisas apontam que determinados produtos têm um nível de toxidade alarmante”, reforça. Segundo ele, a quantidade de veneno encontrada em alguns alimentos representam risco para a célula, mesmo quando o defensivo é aplicado de maneira correta.

Além do câncer, outras doenças também são ocasionadas pelo excesso de toxinas. Entre elas estão problemas neurológicos e deficiências na medula. Estudos da OMS apontam que o uso de agrotóxicos também causam o aumento nos casos de suicídio.

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