Cenas íntimas na internet viram polêmica. PC investiga

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Cenas íntimas na internet viram polêmica. PC investiga

Caso é apurado pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa

O vazamento de vídeos e fotos íntimas de mulheres e meninas menores de idade gera repercussão estadual. Pelo menos três vítimas que apareciam nos materiais compartilhados por grupos da rede social WhatsApp já registraram boletins de ocorrência. A Polícia Civil (PC) e a Delegacia da Mulher investigam. O Ministério Público (MP) aguarda o inquérito. Fato também é averiguado por uma comissão formada por deputados estaduais.

Crédito: Anderson LopesA primeira denúncia foi encaminhada à PC no dia 7 de abril. Conforme os boletins de ocorrência, as imagens eram compartilhadas por um grupo do WhatsApp chamado “Ousadia e Putaria”, composto por cerca de cem homens. Na comunidade virtual, eles costumam trocar mensagens com fotos e vídeos de meninas em momentos íntimos. A polícia investiga o uso de imagens de menores de idade.

Segundo o delegado João Antônio Merten Peixoto, uma jovem de 24 anos registrou ocorrência em Lajeado. A PC parte da hipótese do crime de injúria qualificada. Pelo testemunho, as imagens haviam sido feitas com o ex-namorado. O homem teria emprestado o HD externo para um amigo, onde estavam os arquivos.

Com relação ao caso envolvendo a menor de idade, o compartilhamento teria atingido cerca de 80 pessoas. O delegado Peixoto se baseia no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prevê pena de três a seis anos de prisão para os responsáveis por propagar imagens eróticas ou pornográficas de crianças ou adolescentes.

A promotora de Justiça do MP de Encantado, Daniela Pires Schwab, espera o fim das investigações da PC para encaminhar o assunto ao Judiciário. Segundo ela, até agora, todas as informações que chegaram à Promotoria foram as publicadas pela mídia.

Caso chega à Assembleia Legislativa

Nesta terça-feira, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado debateu a polêmica. Ficou decidido que alguns parlamentares irão até Encantado realizar uma diligência para averiguar as denúncias e as investigações sobre o caso. A deputada Manuela D’Ávila (PC do B) é uma delas. A visita está agendada para a manhã do dia 14.

Antes da reunião na assembleia, Manuela também postou comentário a respeito do caso em sua página oficial do Facebook. “O Ministério Público também será acionado. As pessoas precisam saber do perigo deste hábito cruel de responsabilização das vítimas. Meninas já se mataram em função destas questões. Ter sexualidade não é crime. Crime é expor a privacidade de alguém”, diz.

Na próxima quinta-feira, com outros parlamentares, ela pretende ouvir os relatos das vítimas e acompanhar as investigações policiais. Segundo assessoria de imprensa da Assembleia Legislativa, a diligência agendada servirá para tratar “da publicação não consentida, nas redes sociais, de fotografias íntimas de dezenas de jovens da cidade.”

Namoramos por sete anos”

A jovem de 24 anos que teve vídeos íntimos compartilhados não para de receber telefonemas de meios de comunicação de outros estados. Ela aparece em duas gravações, onde está mantendo relações sexuais com o ex-namorado. “Namorados por quase sete anos. Era uma relação de confiança.”

Os dois vídeos foram gravados há quase cinco anos. A jovem diz que descobriu há duas semanas que os vídeos estavam sendo compartilhados. Ela conversou com o ex-namorado e ele garante não ser o responsável pela divulgação do material. “Mas confirmou que ainda tinha os vídeos no HD externo.”

Hoje ela namora com outra pessoa. Essa relação já perdura faz mais de um ano. Além do novo companheiro, a jovem teve apoio da família após a divulgação dos fatos por veículos de comunicação de Encantado. “Desde o início minha família me apoiou. Mas pessoas começaram a rondar de carro a casa dos meus pais e alguns apontavam para familiares na rua”, se queixa.

A jovem contratou um advogado. Eles pretendem investigar quem vazou e quem compartilhou. Quer processar os envolvidos por uso indevido de imagem e danos morais. Ela também critica quem a culpa pela divulgação dos vídeos. “As pessoas julgam e comentam sem saber. O problema é essa quebra da confiança e o fato das pessoas se divertirem com a desgraça alheia.”

Bom senso nas redes sociais

Expor opiniões pode trazer incômodos. Foi o que ocorreu com o fotógrafo e proprietário do jornal Antena, Juremir Versetti. Depois de escrever em uma rede social que “essas moças não se valorizam e que uma boa cinta de couro de búfalo com uma fivela de metal fundido ajudaria e muito no psicológico delas”, ele sofreu críticas e ameaças de processo judiciais.

A publicação percorreu o país. Ontem, ele se retratou: “Espero, sinceramente, que os culpados pela divulgação das imagens sejam punidos por quem de direito. Mais uma vez, minhas sinceras desculpas pelas expressões que utilizei, não foi essa a minha intenção.”

Para o coordenador do curso de Comunicação Social da Univates, professor Flávio Meurer, muitos usuários das redes sociais desconhecem a repercussão que alguma postagem pode resultar. “As pessoas externam opiniões nas redes como se fosse um espaço privado. Se sente confortável por emitir avaliações que muitas vezes não podem ser expostas no espaço público.”

O uso das novas ferramentas tecnológicas deve seguir a lógica do bom senso, diz Meurer. Segundo ele, aqueles que publicam textos com cunho preconceituoso, de ideias radicais, ou com ofensas verbais, precisam ter em mente que pode gerar consequências. “As pessoas precisam ter responsabilidade pelas informações que disseminam. Os assuntos se potencializam, a despeito do que o usuário quer.” A reportagem tentou contato com Versetti. Ele prefere não se manifestar. “Achamos melhor não nos manifestarmos mais. Mas agradeço a oportunidade”, salienta.

Coletivo de Mulheres

Logo após a publicação das primeiras matérias e dos comentários no Facebook, mulheres encantadenses se juntaram para protestar contra algumas declarações. Denominado Coletivo de Mulheres de Encantado e Vale do Taquari, o grupo já conta com mais de 600 integrantes na página do Facebook.

Segundo uma das integrantes, elas pretendem discutir a “culpabilização das vítimas”, citando como exemplo as postagens publicadas por Versetti. “Cada vazamento de fotos ou vídeos que ocorre, as pessoas logo dizem que as culpadas foram as meninas que se expuseram, quando, na verdade, se deveria refletir e analisar melhor essa questão”, comenta. Para ela, o culpado é quem divulga esse conteúdo. “E dessa culpabilização da mulher decorre uma série de outras questões também, relativas ao machismo da nossa sociedade.”

O grupo já fez contato com vítimas. Segundo a integrante, o problema acontece há bastante tempo no município. “Mas nos últimos tempos tem sido cada vez mais frequente.” Ela afirma que pelo menos dois outros casos surgiram mesmo após as primeiras matérias jornalísticas denunciarem a prática. “Mas não tivemos mais informações a respeito.”

Casos semelhantes

• O caso de “sexting” – quando vídeos e imagens com conteúdo sexual vazam na internet ou via celulares – de Encantado não é novidade no Vale do Taquari. Em abril de 2011, um vídeo de dois adolescentes de 16 anos fazendo sexo foi espalhado de forma viral entre os moradores de Bom Retiro do Sul.

• As imagens foram gravadas com o consentimento da garota. O rapaz, segundo verificou a PC, passou o conteúdo por celular a dois ou três amigos como forma de “vingança após o término do namoro”. Os amigos repassaram, também por celular, a outros colegas. Em menos de 48 horas, o vídeo estava de posse de boa parte da população de 12 mil habitantes.

• A jovem parou de ir ao trabalho e pediu transferência para uma escola de outro município. Em entrevista ao programa Domingo Espetacular, da TV Record, ela lamentou o fato. “Não sei por que isso aconteceu comigo. Eu perdi tudo, trabalho, escola. Perdi minha dignidade.”

Em 2007, um caso semelhante envolveu a então secretária de Saúde de Forquetinha, Cristina Beatriz Bender. Fotografias íntimas dela mantendo relações sexuais dentro de uma ambulância vazaram na internet. O ex-vice-prefeito de Forquetinha, Sílvio Pedro Schmitz, que havia sido casado com ela, foi responsabilizado e recorreu da decisão.

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