Apesar das incertezas, sobram vagas de emprego

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Apesar das incertezas, sobram vagas de emprego

As alterações no cenário econômico ocasionam alterações nas leis trabalhistas. Propostas, que reduzem benefícios, aumentam impostos e possibilitam a terceirização completa dos serviços prestados por empresas, surgem como soluções para a crise. Apesar do crescimento do desemprego no país, no Vale do Taquari ainda sobram vagas. Neste 1º de maio em que o mundo celebra a “luta” dos trabalhadores, restam dúvidas quanto ao futuro da classe que reúne quase cem milhões de brasileiros.

O ajuste fiscal promovido pelo governo federal aumentou juros, tributos e ampliou custos com combustíveis e energia elétrica. O fantasma da inflação retorna e o poder de compra dos trabalhadores diminui. A dúvida sobre a situação econômica provocou aumento do desemprego nos primeiros três meses deste ano.

Crédito: Anderson LopesApesar do cenário negativo, a oferta de emprego continua alta no Vale. De janeiro a março, foram gerados 1,6 mil novos postos. Se de um lado houve queda no setor da construção civil, segmentos como a indústria e os serviços carecem de mão de obra.

As propostas de flexibilização das leis trabalhistas buscam recuperar a economia nacional, alega o governo. Ao mesmo tempo em que a União propôs restrições aos benefícios, como o seguro-desemprego, o Congresso desarquivou, depois de 11 anos, a proposta que permite terceirizar todas as atividades empresariais.

As mudanças recebem apoio do setor patronal e são criticadas por sindicatos. Para os empresários, a redução nas obrigações trabalhistas favorece a produtividade e garante recursos que podem aumentar a oferta de emprego.

Já a Central Única dos Trabalhadores (CUT) alega que a medida fere direitos conquistados. No caso das terceirizações, afirma que a lei resulta em redução de salários e na precarização das condições de trabalho. A entidade ameaça convocar uma greve geral caso a proposta seja aprovada.

A União ainda propôs restringir a política de desoneração da folha de pagamento das empresas, instituída em 2011. Na prática, a medida dobra o imposto pago para a Previdência Social em 56 setores da economia nacional, aumentando o custo da mão de obra. Todas as mudanças tramitam no Legislativo e podem ser vetadas ou modificadas. Caso sejam aprovadas, as alterações na legislação decidirão os termos das relações trabalhistas pelos próximos anos.

Vale contraria tendência

O índice de desemprego no Brasil aumentou em 2015. Pesquisa do IBGE divulgada nessa terça-feira, dia 28, mostra que o nível de desocupação chegou a 6,2%, maior alta desde 2011. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) apontam que 50 mil postos de trabalho deixaram de existir nos últimos 12 meses.

A região apresentou índices positivos em 2014 em todos os setores. Conforme o Caged, mais de 2,8 mil novos empregos foram gerados (Veja no gráfico acima). A indústria de transformação lidera a geração de empregos. O setor foi responsável por quase 1,3 mil novas admissões. A área dos serviços ficou em segundo lugar, com 335 postos criados, seguido da administração pública, com 74.

Os setores que mais desempregaram foram construção civil, com 62 postos fechados. Comércio, com 40 trabalhadores a menos, e o extrativismo mineral, com 30 demissões a mais que admissões.

Federasul realça momento de mudanças

Para a Federação das Associações Comerciais e de Serviços do Rio Grande do Sul (Federasul), o momento econômico é propício para transformações no sistema de contratações trabalhistas. De acordo como o presidente da entidade, Ricardo Russowski, as propostas devem ser ajustadas para terem efetividade.

Segundo ele, a flexibilização das leis trabalhistas facilita contratações e demissões, podendo trazer insegurança e redução na qualidade do trabalho. “Defendemos as alterações, desde que a legislação seja bem construída para evitar prejuízos a empresários e trabalhadores.”

Com relação ao ajuste fiscal, Russowski avalia que os aumentos nos tributos favorecem a recessão da economia. Uma das medidas propostas pelo governo é a redução da desoneração nas folhas de pagamentos, que deve render à União uma arrecadação de R$ 5 bilhões ao ano.

Para o presidente da Federasul, a possibilidade representa um retrocesso por aumentar o custo das empresas. “Quem pagará essa conta?”, questiona. Caso a medida avance, Russowski acredita que o valor dos tributos serão repassados aos consumidores, inflacionando preços e reduzindo o poder de compra dos cidadãos.

Justiça do trabalho é contra mudanças

As propostas que alteram as relações trabalhistas são vistas com ressalvas pela Justiça do Trabalho. Para o juiz e diretor do Foro Trabalhista de Lajeado, Neuri Gabe, apesar do Judiciário não interferir em medidas governamentais, liberar as terceirizações, podem ser danoso para o trabalhador.

Segundo ele, está comprovado que os terceirizados recebem salários menores, sofrem mais acidentes e têm menos poder de negociação perante os empregadores. “Quase sempre precisam recorrer à Justiça para cobrar direitos, especialmente verbas rescisórias.” Conforme Gabe, o Foro, que tem jurisdição em 11 municípios do Vale, recebe de 200 a 240 processos trabalhistas por mês. A maioria das ações ajuizadas tem de cinco a 30 pedidos.

As demandas mais recorrentes incluem o pagamento de horas extras e adicionais de insalubridade e periculosidade, verbas rescisórias, reconhecimento de vínculo de emprego, indenizações por danos morais e reparações por acidente do trabalho ou doença ocupacional.

Em caso de desacordo entre trabalhadores e empregados, o magistrado sugere que os funcionários tentem solucionar a discórdia por meio do diálogo. “Esse é outro ponto negativo da terceirização, pois promove a falta de integração do trabalhador na empresa.”

Segundo Gabe, descumprimentos graves, que atingem um grande número de trabalhadores, podem ser denunciados diretamente no Ministério Público do Trabalho.

“A terceirização é danosa ao trabalhador”

Doutor em Sociologia Política, o professor Marco Cadoná, da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), pesquisa as dinâmicas regionais de desenvolvimento e a organização dos mercados de trabalho no RS. Para ele, as propostas que buscam mudar as relações de trabalho enfraquecem o poder de negociação dos trabalhadores.

A Hora – Como você avalia as propostas de mudança nas relações trabalhistas apresentadas neste ano?

Marco Cadoná – Seguem uma tendência mundial. Na década de 90, o Brasil adotou uma política econômica que favorecia o desemprego e a precarização do trabalho. Os índices de desemprego eram próximos de 20%.

A partir de 2002, o quadro começou a mudar e tivemos uma redução grande na desocupação, acompanhada do crescimento na renda e no número de carteiras assinadas. O que vemos agora é a possibilidade da volta do desemprego, por motivos semelhantes aos dos anos 90.

Que motivos são esses?

Cadoná – São três: privatização, desregulamentação e flexibilização nas relações de trabalho. São baseadas na ideia de que Estado não pode interferir nas questões entre patrão e empregado e expressam o movimento político de questionamento dos direitos e da proteção aos trabalhadores. Isso tende a enfraquecer a classe trabalhadora e a promover a precarização do trabalho. Estamos falando de setores que buscam uma maior independência com relação às regulamentações estatais.

De que forma a terceirização influencia neste cenário?

Cadoná – O histórico nos diz que a terceirização é danosa ao trabalhador. Quando você tem uma empresa com 500 funcionários contratados, é possível a formação de uma identidade coletiva que influencia as negociações entre patrões e empregados. Quando se terceiriza, as relações ficam fragmentadas e as questões passam a ser definidas de maneira individual. Existe, por exemplo, a possibilidade de criar um intermediário para a contratação de mão de obra. Com isso, parte da renda que iria para o trabalhador acaba ficando com essa segunda empresa.

O setor empresarial alega que a medida pode garantir a manutenção da empregabilidade. Qual a avaliação do senhor quanto a isso?

Cadoná – A questão dos patamares de emprego tem mais a ver com a capacidade econômica. Em um cenário de crise, a redução nos postos de trabalho ocorre independentemente da forma de contratação. A grande questão mundial, quando se fala em terceirização, é o aumento do sub-emprego. Elimina-se o processo coletivo de negociação, tanto de salários, quanto de condições de trabalho e segurança previdenciária. Estaremos legitimando a contratação de trabalhadores com direitos diferentes em uma mesma empresa.

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