Greve demonstra desamparo das polícias

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Greve demonstra desamparo das polícias

A paralisação de servidores da Polícia Civil (PC) e da Susepe revela a inquietação interna diante da desatenção do Estado com a Segurança Pública. Mas os protestos desta terça-feira mostram apenas parte de um drama enfrentado há pelo menos três décadas, inclusive na Brigada Militar (BM), órgão impedido por lei de aderir às manifestações.

Cortes feitos pelo governo gaúcho na área da Segurança Pública levaram à paralisação de pelo menos cinco mil servidores da Polícia Civil (PC) e da Susepe nesta terça-feira. Atendimentos foram suspensos em todas as delegacias do Estado e viaturas permaneceram paradas em frente aos prédios da corporação policial. O transporte de apenados para audiências e transferências entre presídios também teve interferência.

Crédito: Estevão HeislerO ato, promovido das 8h30min às 18h, quis mostrar à sociedade o descumprimento das promessas de José Ivo Sartori, de que nenhum serviço básico (Saúde, Educação e Segurança) sentiria os impactos das políticas de recessão financeira. O estopim à manifestação foi a proposta do Estado de prorrogar o reajuste salarial da categoria, aprovado no governo passado e previsto para começar a ser pago em maio.

Contribui à insatisfação dos servidores, cortes no pagamento de horas extras enviadas pela Secretaria de Segurança Pública (SSP). A redução atingiu a casa dos 41% neste mês, se comparado aos valores repassados em dezembro de 2014. Tal verba é fundamental para a manutenção dos trabalhos e compensação do efetivo defasado, em especial para investigações.

Apesar de apontar as mazelas momentâneas, a paralisação mostra apenas parte de um “iceberg” enfrentado pelos órgãos de segurança desde a década de 80. A polícia gaúcha passa por um dos piores períodos em relação ao número de servidores. Na Brigada Militar (BM), a defasagem chega a 37% (faltam 13 mil) e na PC, 45% (carência de seis mil policiais).

O governo gaúcho promete amenizar as dificuldades. Concursos públicos realizados nos últimos meses preveem a formação de 1,6 mil servidores para a BM, 400 para o Corpo de Bombeiros e outros 650 para a PC. Mas além de os números serem considerados pequenos frente a ausência de policiais nas cidades gaúchas, o Estado protela a convocação dos aprovados nos certames.

Avanço da criminalidade preocupa

Enquanto o número de policiais permanece semelhante ao existente na década de 80, a população gaúcha aumentou quase que pela metade neste período e a criminalidade avança de forma desenfreada. “Antigamente recebíamos chamados de toca-fitas sendo furtados dos carros. Hoje, de criminosos com armas mais avançadas do que as nossas. E para piorar, temos menos policiais nas ruas”, relata um militar do Vale do Taquari.

A falta de políticas públicas capazes de combater o avanço da criminalidade é outro fator que inquieta integrantes dos órgãos de segurança. Assim, o tráfico de drogas se dissemina e fortalece o poder das quadrilhas. Acaba servindo de combustível para outros crimes, especialmente os patrimoniais e os contra a vida.

A maior cidade do Vale do Taquari serve como amostra da disparidade. Com 34 assassinatos em 2014, Lajeado figura entre as mais violentas do Rio Grande do Sul. Grande parcela dos crimes teve ligação com o tráfico de entorpecentes e, mesmo assim, não há aceno para a instalação de uma delegacia especializada na região.

Sedes alugadas e sem estrutura

Outro limitador da PC e da BM está na estrutura física: a maioria dos prédios utilizados pelos órgãos de segurança é locada. Projetados para servir como moradia ou sala comercial, os imóveis são adaptados de forma provisoria a fim de comportar o policiamento.

Exemplo ocorre em Estrela, onde a delegacia está em área alagável e o prédio tem problemas de infiltração. Em 2007, uma enchente destruiu milhares de inquéritos e os papéis acabaram no lixo. No subsolo, parte do alicerce foi corroído devido as frequentes cheias. Há anos a equipe da cidade almeja mudar de endereço.

Com pouco amparo do governo estadual, as polícias ficam reféns de auxílio da comunidade. Em Teutônia, por exemplo, parceria entre município e sociedade possibilitou a construção de um prédio específico para a PC em 2012, uma das melhores estruturas do Estado. Agora, líderes municipais se mobilizam pela sede da BM.

Cortes em dia de paralisação

A manifestação estadual foi incapaz de sensibilizar o governo quanto a política de cortes. Nessa terça-feira, novo anúncio de contensão de despesas surpreendeu servidores da área de segurança pública.

O Estado pede à PC e BM economia próxima a 50% no valor despendido em combustíveis, impactando de forma direta na circulação das viaturas. A informação foi repassada pelo presidente da UGEIRM, Isaac Ortiz, que se disse incrédulo com a medida.

Ato tem adesão de 20 DPs na região

Todas as 20 delegacias situadas no Vale do Taquari aderiram à paralisação dessa terça-feira. Ao longo do dia os atendimentos ficaram restritos a ocorrências envolvendo crianças e adolescentes, violência doméstica e atentados contra vida.

Em Lajeado, pelo menos 19 servidores se concentraram em frente à Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA). Cartazes foram estendidos na fachada do prédio e viaturas permaneceram estacionadas na rua João Batista de Mello.

De acordo com escrivã e vice-presidente do Sindicato dos Escrivães, Inspetores e Investigadores de Polícia (UGEIRM), Magda Regina Lopes, quarto registros foram efetuados durante a paralisação: furto de veículo, desaparecimento de menor, agressão à menor na escola e violência doméstica.

Presídio novo: problemas antigos

Um dos caminhos para a manutenção da Segurança Pública é impedir a incidência em crimes como tirar de circulação quem comete delitos de grande potencial ofensivo. Mas investimentos em novas penitenciárias e na ampliação das existentes não segue o ritmo das condenações. O resultado é a superlotação, onde quase três quartos dos apenados cumprem penas por envolvimento com o tráfico de drogas ou aguardam julgamento.

O presídio recém-construído em Venâncio Aires promete amenizar os problemas dos vales do Taquari e Rio Pardo. As internações começaram faz quase um mês, mas a discussão agora está em quem serão os detentos. Líderes regionais cogitam que o governo estadual ocupe a grande maioria das 550 vagas com presos do Presídio Central, de Porto Alegre.

Enquanto isso penitenciárias da região seguem com a capacidade acima do limite e carecem de melhorias, como em Lajeado. Cerca de 380 cumprem regime fechado, em um complexo com capacidade estipulada em 122 vagas. No ano passado, o MP afirmou que pelo menos 60% do funcionamento do presídio apresentava ilegalidades.

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