“Família não pode terceirizar educação”

Você

“Família não pode terceirizar educação”

Para Mario Cortella, pais não podem fugir da responsabilidade pela formação

oktober-2024

O escritor, filósofo e educador Mario Sérgio Cortella participou na noite de ontem do seminário de pais do Colégio Evangélico Alberto Torres (Ceat). Ele apresentou a palestra Educação: Compromisso e Responsabilidades, em que debateu o cenário do ensino brasileiro.

Crédito: Anderson LopesProfessor formado em Filosofia, com mestrado e doutorado pela PUC-SP, tem o trabalho influenciado por Paulo Freire, com quem conviveu por 17 anos. Foi secretário da Educação de São Paulo no início dos anos 90 e membro do Conselho Técnico Científico da Educação Básica do Ministério da Educação e Cultura.

Natural de Londrina, no Paraná, é consultor e conferencista nas áreas de Filosofia, Ciências da Religião, Ética, Responsabilidade Social, Liderança, Educação e Gestão do Conhecimento. Escreve artigos em revistas e jornais de circulação nacional e participa de programas de televisão e rádio como debatedor, apresentador e comentarista.

Na apresentação, Cortella defendeu a educação como ferramenta de transformação da sociedade e criticou pais que transferem para as escolas a responsabilidade sobre a formação das crianças. Para ele, as instituições são responsáveis pelo conhecimento, mas a educação se forma na família.

Com relação a educação no Brasil, relata o avanço na universalização do acesso ao Ensino Fundamental. Por outro lado, diz ser inconcebível que um país forte economicamente tenha 12,5 milhões de analfabetos e um grande número de crianças excluídas da Educação Infantil.

Alguém que hoje é protegido, mais adiante se torna fraco.”

Autor de diversos livros na área da Educação, Mario Sérgio Cortella, também aborda a relação das tecnologias no processo de formação da sociedade. Para ele, o ambiente virtual propicia o distanciamento e o anonimato que podem resultar preconceito. Porém, se bem utilizado, pode se tornar uma ferramenta de disseminação do conhecimento.

A Hora – Quais os desafios enfrentados por escolas e famílias na educação dos jovens?

Mario Sérgio Cortella – O principal é a criação de valores. Isso para que o jovem tenha autonomia sem que confunda com soberania. Ele não pode pensar que, por ser livre, faz o que quer. Isso é ausência de limites. Também é impedir que haja uma degeneração da convivência coletiva, para que não se acredite que a vida é cada um por si e Deus por todos. E algo que ainda precisa ser criado que é um pouco mais a ideia de esforço. Houve uma facilitação das coisas para crianças e jovens em relação à vida e isso acabou diminuindo a capacidade de esforço para alguns. Alguém que hoje é protegido, mais adiante se torna fraco.

As novas tecnologias ao mesmo tempo que aproximam distâncias, acabam afastando pessoas e famílias de uma convivência física. Como esse fenômeno influencia na educação?

Cortella – Existe uma convivência simultânea das diferentes plataformas. Quando a TV apareceu, se dizia que o rádio iria desaparecer, assim como o cinema e o teatro. Da mesma forma, diziam que a internet faria com que todos os outros veículos sumissem, o que não aconteceu. Sendo assim, a tecnologia não é decisiva na vida escolar, mas pode ser um forte complemento. Pode servir de auxílio aos educadores porque uma grande parcela de jovens tem na tecnologia a sua forma de vivência.

O senhor é crítico de pais que responsabilizam apenas a escola pela educação dos filhos. Por quê?

Cortella – Um parcela das famílias produziu o autoengano de supor que bastaria entregar a criança para uma instituição e que dali ela sairia formada. Por outro lado uma parcela das escolas foi responsável por isso. Em uma disputa de mercado, anunciaram que preparariam os filhos para a vida, iludindo esses pais. Precisamos reposicionar a família dentro de uma racionalidade, porque ela não pode terceirizar a educação. Ela pode terceirizar a escolarização, mas a responsabilidade da educação é familiar.

Como foi conviver com Paulo Freire, um dos principais educadores e pensadores do século XX?

Cortella – Tive 17 anos de convivência com Paulo Freire, que foi meu orientador no doutorado e também colega na Secretaria de Educação de São Paulo. Com ele aprendi a humildade que ele ensinava, o que é um exercício diário e difícil. Por outro lado, a capacidade de não ser negligente com o que se faz, de maneira alguma. Em terceiro lugar o conceito da amorosidade, ou seja, a atividade movida por um princípio de simpatia e conexão com as pessoas.

De que maneira as ideias de Freire influenciam a educação brasileira e o que ainda falta ser implementado para que o ensino no país alcance o ideal sonhado por ele?

Cortella – Ele tinha a perspectiva de universalizar o ingresso das crianças e jovens no Ensino Fundamental e estamos próximos disso. Mas ele acharia estranho que a sétima economia do mundo ainda tenha um número tão grande de crianças excluídas da educação infantil. E que ainda tivéssemos, em 2015, 12,5 milhões de brasileiros que ainda não conseguem ler o lema da própria bandeira.

Como você enxerga as manifestações que incitam o preconceito e a maldade nas redes sociais? Porque elas estão mais exacerbadas, principalmente entre os jovens?

Cortella – Em primeiro lugar porque as plataformas digitais permitiram o anonimato. Em segundo lugar, a tolice costuma progredir com uma velocidade muito alta quando as pessoas podem reproduzi-la. Há uma parcela de jovens que passou a conviver fora do mundo da família e praticou aquilo que é uma forma estranha de brincadeira. Porque brincar é rir junto de outra pessoa e não rir de outra pessoa. Eu sempre digo que o intolerante ele é por um lado covarde, porque para crescer precisa diminuir outra pessoa. Por outro lado é tolo, porque não conseguiu entender nada do que é a diversidade da vida.

Acompanhe
nossas
redes sociais