Os cinquenta anos da cidade da mentira

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Os cinquenta anos da cidade da mentira

Em meio século de história, o vilarejo colonizado por italianos se emancipou e foi reconhecido nacionalmente. Memorial é a novidade desta edição.

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Nova Bréscia – Para quem chega pela RS-425, as placas contando vantagens mentirosas são um indicativo de que o visitante está mesmo no caminho do 17º Festival Nacional da Mentira. Em uma dessas plaquetas, na Rua Bento Gonçalves, diz: “Bem-vindos à sub-sede das Olimpíadas 2016”.

04É neste clima que a cidade com pouco mais de três mil habitantes espera milhares de pessoas, a exemplo do que foi a última edição, em 2013, quando compareceram cerca de 20 mil.

Na programação, entre os shows previstos, está João Chagas Leite, o criador do hino municipal. Ele tocará no domingo, às 14h, antecipando as apresentações das mentiras.

Na praça da Matriz, as lonas são o abrigo do palco principal, das tendas de produtos e gastronomia. A capital nacional dos churrasqueiros usa como símbolo maior de divulgação da 17ª edição do Festival da Mentira, o frago.

A atividade aviária corresponde a 74% da produção rural – são 280 aviários espalhados pelo interior do município. A Agricultura corresponde a 80% da economia global da cidade.

É nas mesas espalhadas pela praça que a maior parte do público almoça. A um custo de R$ 7, o prato descartável carrega dois pedaços de frango assado, pão, cuca e salsichão. Mas para quem quer mesmo churrasco, há restaurantes que oferecem o prato.

Para o assador João Carlos Biasivetti, 54, voltar a morar no município depois de 26 anos vivendo no Rio de Janeiro, é o que fez de melhor. Um dos integrantes da equipe de 15 assadores espera ampliar o movimento no sábado e domingo. Se diz assador desde os 20 anos. “Coisa que eu mais sei na vida é assar churrasco, também é a única coisa que sei”, descontrai.

Mentira valiosa

O músico Tim Maia disse certa vez que a demagogia era a pior das mentiras, pois era “uma mentira mentirosa”. Longe dos interesses ardilosos de uma mentira verdadeira, os enredos inventados pelos participantes brincam com o lúdico e a imaginação.

A história precisa ser levada a sério e este parece ser o principal ingrediente. É preciso obedecer às regras da competição. Cada peça pregada tem um tempo limite de 5 minutos com 2 minutos de tolerância. O trabalho precisa ser autoral, original e ser apresentado de maneira que convença o público e os jurados.

As premiações atraem artistas da mentira de diversas cidades. Os 30 inscritos para este ano procuram ficar entre os dez primeiros colocados, onde serão distribuídos R$ 22 mil em dinheiro. O primeiro lugar fatura R$ 8 mil, o segundo R$ 5 mil e o terceiro R$ 4,5 mil. A premiação será às 17h.

Sérgio Lorenzon, 67, já participou de 14 edições do evento. Venceu em 2006 e no ano passado ficou em segundo lugar. Na edição que se sagrou campeão, colocou um figurino de churrasqueiro e jurou ser a estátua da praça, memorial do churrasqueiro que fica em frente à igreja.

“Disse que só me mexia de madrugada e que durante o dia ficava imóvel, como estátua.” A história convenceu os jurados e ele faturou o maior prêmio. Das 14 participações, em 12 oporunidades ficou entre os dez primeiros colocados. “Uma boa mentira precisa passar uma verdade.”

Imagens que impressionam

Na última sexta-feira pela manhã, foi aberto oficialmente o Memorial. Na entrada, a exposição fotográfica de Juremir Versetti, com 250 imagens fotojornalísticas da região. Entre flagras, belezas e arte, imagens gélidas da cidade cinquentenária. Cenários branqueados pela geada denotam uma região sulista, com traços europeus.

Na aberura oficial do evento, o fotógrafo convidado esboça uma preocupação latente hoje. “Revelem as fotografias, porque estamos correndo o risco de sermos apagados da história.”

Uma das fotos mais antigas mostra um dos primeiros colonizadores, Domenico Mezacasa, que descreve o cenário econômico e social, em uma cartas endereçada aos tios da região de Venetto, na Itália: “Não cessso nunca de agradecer a Deus por nos ter trazido a este lugar, não por vos ter deixado a vós e aos parentes e à pátria, o que lamento ainda hoje, mas porque aqui se pode viver trabalhando todos juntos, sem precisar ir pelo mundo em busca de um pedaço de pão”

No mesmo espaço, uma seção com 80 fotos mostra os olhares de apaixonados por imagens que participam do concurso fotográfico. São 12 concorrentes que deverão ter suas fotos impressas no calendário do município.

Objetos que remontam a história

No memorial, cerca de 400 objetos recolhidos da comunidade por uma comissão de 14 pessoas, remontam a história. As visitas às casas iniciaram em setembro e diversos utensílios domésticos e rurais mostram como era a vida dos antigos moradores. O mais antigo é um sino de 1910, vindo direto da Itália para a igreja da cidade.

Outros equipamentos que serviram aos agricultores despertam a curiosidade, a exemplo do manringá – dois cabos de madeira presos a uma corda usados para bater e soltar sementes, assim como o debulhador de milho. Para o aposentada Gladis Zanatta, 58, ver os objetos desperta a nostalgia dos tempos de criança. “Era assim que batíamos o milho, o arroz, a soja e a erva-mate”, conta. Lampárinas, que carregam 90 anos de existência junto aos lampiões antigos, mostram uma época anterior a chegada a energia elétrica.

Uma coleção de antiguidades que também desperta interesse é o conjunto de uniformes de times de futebol da cidade e região. São 14 fardamentos que mostram as potências locais do futebol. Faixas, taças e uma bola de palha de milho usada para treino estão expostas. Apaixonado pelo esporte, o radialista Rafael Puntel, 24, ajuda a contar a história dos campeões aos visitantes.

A saga dos churrasqueiros

Nova Bréscia é conhecida no Brasil como a terra dos melhores churrasqueiros. Na década de 60, o município tinha em torno de 11 mil habitantes. Hoje são pouco mais de três mil. A emancipação de diversos distritos foi, em parte, responsável pelo êxodo.

Esta fase de emigração fora chamada de “saga dos churrasqueiros”. Estima-se que hoje cerca de dez mil habitantes estejam espalhados pelo país e até fora dele. Esses moradores que resolveram largar as enxadas e o trabalho árduo dos terrenos montanhosos se destacaram no ramo em diversos estabelecimentos de estados como Mato Grosso, São Paulo e Rio de Janeiro.

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