Vale do Taquari – A crise enfrentada pelos hospitais filantrópicos com o atraso de repasses estaduais causa repercussão no Judiciário. Promotor da comarca de Lajeado, Carlos Augusto Fiorioli, atuou até 2013 na proteção aos serviços realizados pela rede pública de saúde.
Defende a criação de uma rede incluindo os mais de 20 hospitais do Vale do Taquari, garantindo a manutenção das casas de saúde das cidades menores. Ressalta o papel de instituições como a Amvat, o Consisa e o Ministério Público para que a união entre municípios seja plena.
O promotor acredita que a crise possa ser enfrentada a partir de mudanças na gestão das instituições e da criação de novas receitas que não dependam de entes públicos. Também cobra melhores garantias nos convênios.
“A população precisa saber que a unidade hospitalar precisará suspender o serviço, se não houver o repasse financeiro.” Relata que a transferência de pacientes para outras regiões representa repassar recursos para outros locais.
Ao mesmo tempo, enaltece conquistas como os credenciamentos em alta e média complexidade dos hospitais de Lajeado, Estrela e Encantado nos últimos dez anos. “Temos profissionais e tecnologia de alto nível na região.” Destaca, entre outras, as áreas de oncologia e cardiologia.
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As santas casas e hospitais filantrópicos da região enfrentam dificuldades. A falta de repasses estaduais aliada a dívidas, acumuladas ao longo dos anos, faz com que as instituições operem no vermelho.
Medidas como contenção de despesas e mudanças em convênios são consideradas insuficientes e preocupam os gestores municipais. Na semana passada, a crise dos hospitais foi tema de reunião da Associação dos Municipios do Vale do Taquari (Amvat) em Boqueirão do Leão.
“Nas épocas de crise, é obrigação crescer e se reposicionar”
A Hora – Como o MP enxerga a atual crise financeira dos hospitais filantrópicos? Os problemas são causados apenas pela ausência de repasses do Estado ou existem outros motivos?
Carlos Fiorioli – A crise financeira dos hospitais filantrópicos parece sempre ter existido. Em regra, os repasses públicos da União, Estado e municípios ocorrem por meio de convênios ou por emendas parlamentares. Porém os convênios nem sempre têm seguimento e as emendas parlamentares podem não ser efetivadas. A tônica das administrações foi se basear nessas receitas incertas. Por isso a necessidade de criar outras formas de arrecadação. Também é necessário formar uma rede entre os mais de 20 hospitais do Vale do Taquari. Isso vale para atendimentos SUS, planos e particulares, pois evita a “ambulancioterapia” e representa um incremento de receita nas unidades da rede.
O MP tem atuado para evitar o fechamento de casas de saúde em cidades pequenas. Qual a importância de manter essas instituições funcionando e qual seria a consequência, caso elas deixassem de prestar o serviço?
Carlos Fiorioli – Se não houver competência pública para a manutenção dos hospitais menores as comunidades próximas serão desatendidas. Isso vulnerabiliza ainda mais o cidadão que procura atendimento. Tenho convicção nas bases do municipalismo e não me contentaria em aceitar o fechamento de qualquer unidade hospitalar.
Elas podem ser úteis aos hospitais maiores, tirando a necessidade de uma instituição de alta complexidade fazer cirurgias de baixa complexidade. Há muitas hipóteses de auxílio mútuo entre hospitais, que podem compartilhar ações e procedimentos.
Um paciente de Putinga não precisa ser atendido e tratado no HBB, se ele pode ser atendido no HBST. Mas, para realizar essa união, com os hospitais de Estrela e Lajeado como referências para os demais, é preciso diálogo e especialmente vontade social e política.
De que forma o MP fiscaliza o trabalho realizado nessas instituições?
Carlos Fiorioli – A fiscalização é secundária. Está vinculada à qualidade do atendimento e nos princípios constitucionais da universalidade e gratuidade do serviço. Mas não pode desejar isso, se não colaborar na construção do sistema, de uma rede regional. Sei que é difícil dar conta de todas as frentes em uma comarca onde há só um ou dois promotores. Porém, em comarcas com com atribuições especializadas, é possível dar atenção à formação e controle da rede.
Um dos questionamentos das direções hospitalares é em relação ao baixo valor pago pelo SUS aos procedimentos. Para eles, isso justifica a pedida de verbas em municípios e no Estado. Qual a posição senhor quanto a isso?
Carlos Fiorioli – Essa demanda parece que nunca vai ter fim, mas nem sempre aparece de modo transparente. O SUS remunera bem a alta complexidade, mas a pouca remuneração da baixa complexidade é mais enfatizada. É uma questão de ordem política, que pode ser ajustada, aproximando os tetos mínimos e máximos.
A reclamação é pertinente, pois a alta complexidade é concedida a hospitais de grandes centros urbanos. Mas, mesmo com remuneração baixa, se a quantidade de atendimentos for elevada e houver um controle rígido nos custos, é possível dar continuidade ao serviço.
Outra questão levantada é o atendimento a pessoas de municípios próximos sem contratos de convênio. A reclamação de que esses procedimentos geram prejuízo é pertinente?
Carlos Fiorioli – Todos municípios precisam e devem integrar a rede a que me refiro. Atendimentos sem custeio geram despesas que ao final vão dilapidando o sistema. Para formar a rede é necessária a atuação de entidades como a Amvat e o Consisa. Não é difícil acertar isso, mas é preciso diálogo e gestão para que a união dos municípios seja plena.
Tendo em vista o fato de os hospitais operarem historicamente com recursos públicos, vindos da União, Estado ou municípios, deveria existir um comprometimento maior com o funcionamento nas comunidades onde eles estão instalados? Qual a responsabilidade dos administradores no quadro atual?
Carlos Fiorioli – Creio que atuam muito bem. Lidar com o custo financeiro de uma entidade que precisa funcionar da melhor forma por 24 horas não é tarefa simples. A administração deve ter e dar confiança ao corpo clínico com diálogo. Impedir que se criem monopólios em especialidades, com regulamentos de acesso transparentes e democráticos.
Buscar os melhores profissionais possíveis, que precisam compreender e ter plena interação com as populações que atendem. Eleger prioridades, planos de ação e desempenho, fiscalizados pelas diretorias. E não pode se descuidar das receitas e despesas nem do atendimento ao SUS.
Qual seria a solução para os problemas enfrentados pelos pequenos hospitais?
Carlos Fiorioli – Criatividade. Nas épocas de crise é obrigação crescer e se reposicionar. Em saúde pública jamais haverá atendimento pleno de todas as demandas, pois sempre existirão novas necessidades. A solução é se reinventar, se unir em um projeto coletivo regional, formar e fortificar a rede. Estar atento ao volume vultoso de dinheiro que circula na região e não deixar ele ir para outras regiões já seria um bom primeiro passo.