Vale do Taquari – As adversidades enfrentada por hospitais filantrópicos e santas casas do Estado seguem sem solução a curto prazo. Dívidas acumuladas ao longo dos anos, somadas à falta de repasses estaduais nos últimos meses, fazem com que as instituições operem em déficit.
Presidente do Sindicato dos Hospitais Beneficentes, Religiosos e Filantrópicos do Vale do Taquari, André Lagemann, apresentou panorama sobre a situação financeira das casas de saúde da região para prefeitos da Amvat, na semana passada.
Em Boqueirão do Leão, Lagemann endossou críticas contra o governo estadual, que deixou de repassar valores referente aos últimos meses do ano passado. Segundo ele, a dívida do governo com os hospitais passa de R$ 150 milhões.
Anunciou que em outras regiões gaúchas, hospitais iniciariam processo de redução do quadro funcional. “Ainda não tem nenhum nesse extremo, mas não vemos muita saída a não ser isso.”
Indagado por prefeitos, garantiu que as instituições da região fizeram ajustes e se readequaram a nova realidade financeira. “Mas está sendo insuficiente. Os hospitais não conseguem sair do vermelho.”
Lagemann convocou os gestores a apoiarem mobilização dos diretores de hospitais e da federação que pressiona o governador Sartori a pagar os valores atrasados. Porém os recursos não seriam suficientes para encerrar os débitos de parte das instituições.
Dívidas acumuladas
É o caso do Hospital Anuar Elias Aesse, de Boqueirão do Leão, onde a dívida acumulada ultrapassa os R$ 250 mil e a administração espera receber R$ 43 mil do Estado relativos a 2014 e outros R$ 27 mil dos dois primeiros meses deste ano.
Conforme o diretor da entidade, Paulo Andriane Dornelles, o déficit mensal varia de R$ 35 mil a R$ 40 mil. Entre os motivos, cita o aumento de despesas a partir da cobrança da Cota Patronal por parte do INSS. São R$ 20 mil por mês, cobrados desde a metade de 2014.
Problemas no caixa também afetam o Hospital São João Batista, de Nova Bréscia. Conforme a administradora Ivânia Basso, a instituição opera no vermelho desde novembro.
A perda de um convênio com o município de Relvado e a falta de repasses estaduais no valor de R$ 45 mil são os motivos alegados para as dificuldades. Em Cruzeiro do Sul, o Hospital São Gabriel Arcanjo anunciou em novembro dívidas superiores a R$ 220 mil. Conforme a administração da entidade, uma reorganização financeira reduziram o débito para cerca de R$ 60 mil. Mesmo assim, os ajustes são considerados insuficientes para garantir a saúde do caixa.
Entre os motivos para a crise está a remuneração dos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), que não absorve todos os custos dos procedimentos. Estima-se que para cada R$ 100 gastos pelos hospitais, R$ 63 sejam repassados pelo SUS.
Contenção de despesas
Quando a dívida do São Gabriel Arcanjo veio a público a administração municipal decidiu intervir e assumiu o hospital, mudou o modelo de gestão e exonerou a diretoria.
Uma auditoria interna apontou inconsistências administrativas e gastos excessivos, em especial, na compra de material de expediente, encargos bancários, combustível, seguro veicular e gastos em alimentação e bebidas.
Medidas de contenção reduziram o déficit e iniciativas da própria comunidade ajudaram a arrecadar recursos para a casa de saúde. Em fevereiro, um evento festivo mobilizou centenas de moradores. Mesmo assim, a ausência dos repasses estaduais ainda ameaça as finanças.
Em Nova Bréscia, a administração do Hospital São João Batista também reduziu custos. “Estamos trabalhando no limite para manter a capacidade de atendimento”, diz Ivânia. Segundo ela, o quadro de funcionários é enxuto, inviabilizando cortes no setor.
Em outras regiões a ausência dos repasses do Estado já provoca demissões. Em Santa Cruz do Sul, o Hospital Ana Nery, um dos mais importantes do Vale do Taquari, desligou 27 profissionais do quadro e reduziu serviços. A dívida do Estado com a instituição supera os R$ 600 mil.
Parcerias para reduzir déficit
Em Boqueirão do Leão, a opção buscada pelo hospital é a ampliação das parcerias municipais. Segundo Paulo Dornelles, foram agendadas visitas aos administradores de cidades vizinhas que utilizam o serviço da casa de saúde.
“Atendemos pessoas de diversos municípios próximos, mas só Boqueirão do Leão repassa verbas”, ressalta. Caso os demais municípios não fechem parcerias, uma das medidas possíveis é restringir o atendimento aos moradores da cidade.
Com uma equipe de 36 profissionais para atender uma população total que chega próximo aos 14 mil habitantes, Dornelles diz ser impossível reduzir despesas. “Já estamos gastando o mínimo possível para manter o atendimento sem comprometer a qualidade e a segurança.”
Eventos para a arrecadação de recursos e alimentos para o hospital são estudados por membros da comunidade. Moradores também estão se associando e contribuindo mensalmente com a instituição. “Esperamos a concessão da filantropia para reduzir o gasto com o INSS”, assinala o diretor.
Para o prefeito do Nova Bréscia, Gilnei Agostini, os municípios já estouraram orçamentos com os auxílios concedidos para as casas de saúde. Cobra do Estado uma maior atenção aos hospitais das pequenas cidades. “Se todos fechassem, teríamos uma sobrecarga nas instituições dos centros maiores.”
Governador Sartori promete negociar
Na última reunião entre o Executivo estadual e representantes das santas casas e hospitais filantrópicos, o governador Sartori garantiu dar seguimentos às negociações para pagamento dos repasses atrasados.
Durante o encontro, realizado no início do mês, dirigentes das casas de saúde entregaram documento pedindo o pagamento da dívida de R$ 132 milhões por serviços prestados no ano passado, além R$ 25 milhões referentes a janeiro deste ano.
Os hospitais pedem ainda R$ 40 milhões por mês para manter os recursos nos mesmos patamares de 2014. A quitação de outros R$ 404 milhões para despesas com assistência de convênios privados e apoio aos municípios também é reivindicada.
Sartori não deu detalhes sobre o pagamento nem datas para as quitações. Mesmo assim, afirmou que cumprirá a determinação de destinar 12% do orçamento do Estado à saúde.
Problemas financeiros no HBB
A falta de repasses também preocupa diretores de hospitais instalados em municípios maiores. No Hospital Bruno Born (HBB), em Lajeado, a direção estima em mais de R$ 4,5 milhões os valores a receber. Mesmo sem confirmar demissões até o momento, a instituição estuda redução de serviços e especialidades.
A maior parte desta dívida resulta de atrasos por parte do Estado. São R$ 3,2 milhões devidos desde maio de 2014. Os valores são referentes aos serviços e programas do IHOSP, do SAMU, da Saúde Mental, Gestante de Alto Risco, OPO e da Complementação e Incremento da UTI.
Há ainda outro R$ 1,2 milhão em processos administrativos, e outros R$ 428 mil da Participação Popular e Cidadã, antiga Consulta Popular. A direção realiza ajustes internos na tentativa de baixar os gastos mensais. Em dezembro passado, o hospital precisou recorrer a um empréstimo bancário para quitar a folha de pagamento.
Além dos valores do Estado, o HBB tem R$ 245,6 mil a receber da União. Os recursos devidos se referem ao Fundo de Ações Estratégicas e Compensações (FAEC) dos meses de dezembro de 2014, e janeiro e fevereiro do corrente ano.
“As recentes notícias sobre estes problemas assustam alguns funcionários. Estamos indo a mais de sete cidades procurar por novos profissionais”, relata o diretor executivo do HBB, Cristiano Dickel.
Para finalizar, ele cita ainda o R$ 1,1 milhão que o Executivo de Lajeado deveria ter repassado em 2014 (R$ 700 mil) e 2015 (R$ 400 mil) pelos atendimentos no Setor de Urgência e Emergência. “Vamos precisar ajustar recursos do setor administrativo. Pois na assistência só é possível reajustar se pararmos alguns serviços.”