Pacientes esperam até seis anos  por cirurgia

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Pacientes esperam até seis anos por cirurgia

Fila por atendimento de alta complexidade em traumato e ortopedia chega a 862 pessoas. Demora para agendar procedimentos torna vida de pacientes dolorosas. Drama aumenta quando ocorre em famílias carentes, a exemplo de Olivo Wamer e Judite Mello Palmeira. Sem poderem trabalhar, dependem de doações para sobreviver.

Vale do Taquari – As dores na coluna dificultam movimentos e impedem Paulo Bernardo Rocha de trabalhar. Foram 39 anos atuando como mecânico e agricultor. Esperou dois anos até conseguir uma consulta com um especialista. Descobriu que tinha um deslocamento nas vértebras devido ao esforço excessivo. Como diagnóstico, foi apontada a necessidade de uma cirurgia.

04Morador de Lajeado, Rocha aguardou mais seis anos até conseguir o procedimento, feito em janeiro de 2012. A rejeição da prótese forçou uma segunda cirurgia, nove dias depois. Um ano mais tarde, uma nova correção. Apesar das tentativas, a dor continua. Com 55 anos, precisou parar de trabalhar. “Dependo da minha irmã para viver. Não posso ficar muito tempo sentado, nem de pé e nem deitado. A dor é crônica.”

No dia 20 tem uma consulta marcada. “Vivo com dor. Gasto uns R$ 1,2 mil por mês em medicação.” Devido à demora, Rocha pretende entrar na Justiça para conseguir atendimento. “Trabalhei durante 39 anos e agora não tenho direito a nada? É muito injusto”, esbraveja.

Como ele, outras 861 pessoas da região aguardam por procedimentos de traumato e ortopedia, conforme a 16ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS). Mas a estimativa não contabiliza pacientes que estão na fila por consultas de baixa e média complexidade. Só em Lajeado, 974 pessoas aguardam um horário com especialistas.

Segundo o secretário de Saúde do município, Glademir Schwingel, em janeiro, o total de pacientes era ainda maior. “Temos uma resposta boa com a inscrição da Isev de Taquari. Resolvemos muitos casos, principalmente de cirurgias de túnel do carpo (pulso). Mas ainda há dificuldades”, admite. Por mês, Lajeado tem uma cota de apenas oito consultas eletivas em Canoas e 36 na Isev de Taquari. A falta de traumatologistas e ortopedistas para atendimento pelo SUS provoca uma demanda reprimida.

Para Schwingel, reduzir a fila por procedimentos, exames e consultas nessa especialidade passa por melhorar a rede regional de traumatologia e ortopedia, diminuindo o encaminhamento para outros centros. Junto com isto, ampliar os contratos, por meio da Secretaria Estadual de Saúde (SES), municípios e prestadores de serviço, garantindo mais acesso ao tratamento.

O responsável pela 16ª CRS, Fabiano Brandão, atribui como um dos motivos da falta de especialistas o fato de os profissionais preferirem atuar em grandes centros. Concorda com Schwingel sobre a necessidade de ampliar convênios para garantir mais atendimento. Segundo ele, entre 2013 e este ano, o Estado cadastrou mais hospitais para prestarem serviços de traumato e ortopedia. Antes, os atendimentos eram feitos apenas em Canoas. Para média complexidade, os municípios da região encaminham pacientes para o Hospital Ouro Branco (Teutônia) e o Isev de Taquari, ambos incorporados ao sistema neste ano. Para alta complexidade, duas casas de saúde de Canoas – o Hospital Universitário e o Nossa Senhora das Graças.

Cotidiano de dificuldade

Morador de Encantado, Emanoel Petter, 23, espera por uma consulta para ser encaminhado à cirurgia desde novembro de 2012. Quando tinha 9 anos, foi atropelado na calçada. Ficou dois meses internado e passou por 13 operações nas pernas desde 2000.

Para evitar a amputação, os médicos colocaram platina nos ossos danificados. Há cerca de dois anos, as dores nos joelhos e na coluna ficaram mais fortes. “Na última consulta o médico descobriu que tenho a perna direita mais curta.”

No atendimento feito em setembro de 2012 pelo SUS, recebeu como orientação a necessidade de usar um sapato ortopédico para corrigir o problema. Deveria voltar ao consultório em dezembro. Passaram-se dois anos e Petter ficou sem resposta sobre a volta ao especialista.

“Já me chamaram de bêbado”

O andar é trôpego. Ficar parado, quase impossível. Olivo Wamer, 54, sofre da coluna. Têm espasmos constantes e não consegue manter o equilíbrio. “Já me chamaram de bêbado.” Lembra com desgosto de uma ida até a Câmara de Vereadores de Lajeado. Foi procurar ajuda dos parlamentares para tentar agilizar o encaminhamento dos exames.

“Não queriam me deixar entrar no elevador. Um, que não sei quem é, me perguntou quantas eu tinha tomado. Eu não bebo faz 15 anos porque preciso de medicação para controlar a dor, respondi.” Machucou as costas no emprego, quando tinha 22 anos. Mudou de Três Passos para Lajeado, onde atuou como pedreiro até as dores ficarem insuportáveis. Há pouco mais de três anos, precisou parar de trabalhar.

Em outubro de 2012, solicitou na Secretaria de Saúde consulta com um traumatologista. Foram mais de dois anos até conseguir ser atendido. No dia 24 de novembro, o especialista encaminhou a lista de exames pelos quais precisa passar. O primeiro será nesta segunda-feira.

Sem cobertura da Previdência Social, ele e a mulher Judite Mello Palmeira, 54, vivem de doações e com os R$ 118. Ela também enfrenta problemas. Quando trabalhava como diarista, teve uma queda e rompeu os ligamentos do joelho esquerdo. Pelo clínico-geral, foi encaminhada para um outro médico. Aguarda uma data com um traumatologista desde novembro do ano passado.

Poucas consultas limitam municípios

Estrela. Por mês, a Secretaria de Saúde tem direito a agendar seis cirurgias de traumato/ortopedia. Com uma fila de 310 pacientes aguardando exames ou operações, precisaria de, no mínimo, cem consultas com os especialistas por mês. Mas a cota é de 40.

Arroio do Meio. A quantidade de consultas é ainda menor. Pelos cálculos da 16ª CRS, a cidade tem o maior número de pessoas aguardando atendimentos de alta complexidade, com 155 (Confira os demais no boxe). Para reduzir o sofrimento dos pacientes, o município mantém convênio com o Hospital Bruno Born para garantir serviços de urgência e emergência.

Na opinião da secretária de Saúde, Maria Helena Matte, o Estado, além de formar mais convênios com municípios, hospitais e médicos, deveria fazer um mutirão para acabar com a demanda reprimida.

Teutônia. Mostra um cenário semelhante às demais cidades. Com 380 pacientes cadastrados na Secretaria de Saúde, esperando consultas de média e baixa complexidade, o município tem apenas 17 marcações com os especialistas por mês e o direito a cinco cirurgias no Hospital Ouro Branco.

Para a secretária Marlene Metz, um dos problemas do atendimento em traumato e ortopedia é que a demanda é crescente. “Acidentes diários aumentam mais ainda a fila isso somado às pessoas que estão há anos aguardando consultas e exames.”

Ao contabilizar pacientes à espera de atendimentos de alta complexidade, em Canoas e Porto Alegre, os dados do município diferem da 16ª CRS. Enquanto a coordenadoria regional tem marcado 61 pacientes, o município enumera 280 pessoas no aguardo.

Para alta complexidade, Teutônia tem direito a três consultas e três cirurgias. “Porém isso não acontece regularmente”, diz a secretária.

Cidades assumem urgência

Com recursos próprios, o município de Encantado mantém plantão 24h, desde o sobreaviso médico, com anestesista, traumato e o hospital, incluindo os exames necessários. “Não existe recurso repassado pelo Estado ou União para este fim. A parte eletiva segue uma programação da secretaria e hoje temos cerca de 40 cirurgias a serem agendadas”, afirma o secretário de Saúde Marino Eugênio Deves.

Para ele, o maior problema enfrentado pelos municípios é o encaminhamento para um serviço de referência. “A cota mensal é muito pequena. Sabemos de pacientes que aguardam meses e até anos por uma cirurgia.”

Esse tipo de atendimento é custeado pelos governos estadual e federal, porém, são insuficientes, declara Deves. O governo de Encantado encaminha para alta complexidade dois pacientes por mês. “A traumato/ortopedia é uma das maiores dificuldades do SUS. Se não fossem os recursos municipais, a situação seria bem mais difícil.”

Como possibilidade de avanço, o secretário aponta como necessidade a garantia dos 12% do orçamento estadual para a saúde e a conquista do Saúde + 10, cobrança feita pelo Conselho das Secretarias Municipais de Saúde ao governo federal para cumprir a legislação de destinar 10% do orçamento federal em saúde.

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