Haitiano ensaia para ser visto no Brasil

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Haitiano ensaia para ser visto no Brasil

Jean François deixou a família no Haiti e sonha cursar uma faculdade de Música

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Vale do Taquari – As notas musicais de El Condor Pasa ressoam de um gramado às margens da BR-386 e avançam em meio à dissonância das máquinas que ampliam o acesso do bairro Boa União, em Estrela. Sobre uma pedra, Jean François, 29, improvisa um estúdio e ensaia a obra do compositor peruano Daniel Robles, que se revela uma denúncia social: a tragédia do enfrentamento de duas culturas.

03Às vezes, segura as partituras para protegê-las do vento formado pela passagem dos caminhões. “Não toco música em casa para não incomodar os brasileiros”, diz em pausas, substituindo o francês pelo português. O sotaque anuncia que está há menos de um ano no país.

François divide uma casa alugada no Boa União com quatro pessoas. Trabalha em um frigorífico de Estrela.

A família ficou no Haiti, de onde veio há oito meses com o trompete, uma mochila e o sonho de ganhar dinheiro e de se graduar em Música. Disse que o país ficou inabitável após o terremoto de 2010, que matou 200 mil pessoas, inclusive dois tios. “Foi terrível.”

Porém, para ele, a faculdade mais próxima parece ser tão distante como sua terra natal. “É tudo muito caro aqui.” Lamenta que o salário mal paga moradia, a conta de telefone e alimentação. François espera um dia ganhar mais dinheiro para poder enviar aos três irmãos e duas irmãs. “Talvez um dia eu possa visitar eles.”

A técnica de trompete que aprendeu no Haiti é a alternativa que tem para buscar algo a mais. François integra há dois meses a orquestra Big Band, do Sesi Lajeado, formada por iniciantes na música. É o primeiro estrangeiro. “Quero aprender a tocar mais instrumentos.”

Segundo a analista de Cultura, Esporte e Lazer do Sesi, Regina Casagrande, ele se encaixou no grupo e já tem apresentação em vista. “Faz da música um meio para fazer amizades e buscar integração na comunidade.”

Recessão pode marginalizar

Estrangeiros preenchem as vagas que os brasileiros não ocupam. Chefe da Gerência Regional do Trabalho e Emprego, de Lajeado, Maria Eunice Teixeira da Rosa afirma que a emissão de carteiras de trabalho na região aumenta de forma surpreendente. Chega a 30 por dia.

Socióloga e professora da Univates, Fabiane Baumann participa de uma pesquisa sobre haitianos no Vale do Taquari. Afirma que muitos vêm sem emprego garantido, como acontecia antes. “Muitos com formação acadêmica sequer têm oportunidade de buscar algo a mais.”

Acredita que uma recessão econômica no Brasil pode marginalizar os imigrantes, que já sofrem estigmas e vêm sem dinheiro. Com o desemprego, os imigrantes perdem espaço. “Caso haja recessão, eles que já sofrem processo de estigma e marginalização sofrerão ainda mais.” Cita exemplos da Europa, onde os imigrantes sofrem com políticas xenófobas. “Se houver recessão, os imigrantes enfrentarão sérias dificuldades, assim como já enfrentam agora, pois vêm já em situação precária.”

Para ela, o governo deve fortalecer políticas de imigração. “Precisa ter estrutura para receber imigrantes.” Afirma que a igreja assume o papel do Estado para atender.

Burocracia barra criação de núcleo

A criação de um núcleo de representação dos haitianos no Vale do Taquari esbarra na burocracia e na falta de conhecimentos dos estrangeiros sobre protocolos internacionais. Operário de um frigorífico de Lajeado, Renel Simon, 25, está à frente das tratativas, que começaram há mais de um ano.

Quer ajuda de algum setor público ou entidade para viabilizar o núcleo. Se concretizado, servirá de apoio e organização da comunidade estrangeira. Simon fala cinco idiomas: francês, espanhol, português, inglês e o crioulo, dialeto haitiano.

Haitianos no Brasil

Segundo pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, divulgada em maio, a maioria dos haitianos que vive no Brasil tem Ensino Médio incompleto e idade entre 25 e 34 anos.

Alguns entrevistados levaram até três meses para chegar ao Brasil e gastaram, em média, 2,9 mil dólares. Um dos fatores que contribui para encarecer as viagens são os intermediários, “coiotes”, que facilitam a travessia pelo Acre.

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