Religiosos comentam fim do celibato

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Religiosos comentam fim do celibato

Papa admite análise da regra criada no século IV que proíbe casamento aos padres

Vale do Taquari – A declaração do papa Francisco durante visita ao Oriente Médio nessa terça-feira sobre a possibilidade de rever as regras do celibato clerical reascende o debate na Igreja Católica. Na região, religiosos se dividem entre favoráveis e contrários a uma revisão na norma, imposta desde o ano 390.

Durante a viagem, Francisco esteve com o patriarca ortodoxo grego de Constantinopla, Bartolomeu I, na Basílica do Santo Sepulcro, em Jerusalém. O papa foi questionado sobre o que se podia aprender com os ortodoxos, por exemplo, sobre o celibato. O Santo Padre lembrou que a Igreja Católica tem padres casados, no rito oriental.

3Por não ser um dogma de fé, afirmou Francisco, “a porta está sempre aberta” para essa discussão. Apesar de abrir o debate sobre o tema, reforçou que o celibato é uma regra de vida da qual ele aprecia e acredita ser um dom para a Igreja.

Bispo emérito da Diocese de Santa Cruz do Sul, bispo dom Aloísio Sinésio Bohn, 79, recebe o discurso do papa com tranquilidade. Segundo ele, para a população, a afirmação de Francisco parece extraordinária, mas o fim do celibato é tema recorrente dentro da Igreja Católica.

De acordo com o religioso, há dois modelos de formação de padres no catolicismo. Na escola oriental, o seminarista se forma padre e, se quiser constituir família, tem de fazê-lo antes da ordenação. “Se ele tiver uma vida exemplar, pode casar e trabalhar na comunidade. Esse formato vem de uma longa tradição e funciona bem.”

Para ele, a diferença está na forma de atuação do ex-arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio. “É um papa que joga limpo. Talvez ele pense que está na hora de preparar as pessoas para mudanças.”

Lembra um encontro com o papa anterior, Bento XVI. Segundo o bispo, foi sugerido um experimento de usar homens casados como padres. Na ocasião, diz Sinésio Bohn, o líder dos católicos abriu a possibilidade, mas pediu tempo para analisar a proposta.

Na opinião do bispo, há exemplos de fiéis, ministros, beatos, que, pelo exemplo dentro da comunidade a qual pertencem, seriam padres valorosos. “Hoje esse assunto deixou de ser algo mítico da Igreja Católica.”

No Vale do Taquari, conforme dados do Censo 2010, são mais de 247 mil católicos (75,4% dos habitantes) perante uma população total de 327,5 mil pessoas. No país, conforme pesquisa do Datafolha feita em 2012, o número de brasileiros maiores de 16 anos que se declaram católicos é de 57%. É o menor índice da história. Em levantamento semelhante, realizado em 2007, o percentual apontou 64%. Em 1994, eles eram 75%.

O fim desta regra é inevitável, diz frei

O frei Albano Bohn, da paróquia Nossa Senhora Auxiliadora, de Progresso, ordenado há 38 anos, acredita ser inevitável a anulação do celibato. Para ele, essa regra poderá ser extinta ainda neste pontificado. Se diz a favor do casamento para os padres. Na condição de frei, não poderia casar por já ter sido ordenado. “Se tivesse esta possibilidade antes, provavelmente teria constituído família.”

Para ele, é possível conciliar a vida familiar com o trabalho frente a uma paróquia. Diante da sociedade atual, em que os casais têm cada vez menos filhos, aliada à perda da tradição de ter um religioso por família, tem reduzido o número de seminaristas, comenta. No entanto, não acredita que o fim do celibato possa incentivar jovens a seguir a vocação sacerdotal.

Na diocese de Santa Cruz do Sul, há em torno de 65 padres para atender 51 paróquias e mais de mil comunidades em 40 municípios dos vales do Rio Pardo e do Taquari. Em torno de 20 diáconos e mil ministros auxiliam nos trabalhos.

“Padre precisa estar 100% na igreja”

Um dos padres mais novos da região, Lucas Del Osbel, 29, vigário da Paróquia Santo Inácio, de Lajeado, pensa ser inviável um sacerdote ter família. “Um padre precisa estar 100% na igreja. Não pode se dividir entre cuidar da família e dos fiéis.”

Como o bispo Sinésio Bohn, não vê novidade na fala do papa Francisco. “Todos os outros tratavam desse assunto. Agora estão dando mais visibilidade. Para mim, o debate é válido, mas nada vai mudar.”

Para ele, os candidatos a entrar na vida religiosa precisam fazer uma escolha “ser padre da igreja ou de uma mulher”, diz. Na hipótese do fim do celibato, acredita haver mais problemas do que soluções. “A família do padre teria de ser exemplar. Qualquer problema, uma briga conjugal, o filho se envolver em problemas na escola, seria um escândalo na comunidade.”

História

O celibato na Igreja Católica foi instituído no século IV. Uma das tentativas de imposição do celibato aos padres fracassou no Concílio de Niceia, no ano 325. A reunião só conseguiu proibir o casamento depois da ordenação.

Nem mesmo essa cláusula foi respeitada de forma rigorosa, já que vários clérigos do período viviam com suas companheiras e resistiram à nova regra. No século IV, por exemplo, bispos como Gregório de Nazianzo e Gregório de Nissa eram casados, e 39 dos papas tiveram mulher e filhos, que chegaram, em alguns casos, a suceder os pais.

Até o século X, nada impedia os padres de ter relações amorosas. A disputa entre opositores e defensores do celibato se acirrou. Embora iniciada por Leão IX, foi o papa Gregório VII que emprestou seu nome à chamada “reforma gregoriana”. Esse movimento passou a valorizar um clero voltado apenas à tarefa religiosa, sem relações familiares que pudessem afastá-lo dos interesses espirituais ou levá-lo a usurpar bens da Igreja para benefício dos parentes.

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