Motoristas intolerantes agridem cobradores e fiscais

Você

Motoristas intolerantes agridem cobradores e fiscais

A recorrência de discussões e brigas no trânsito, na maioria das vezes causadas por motivos fúteis, preocupa especialistas e poder público. Certas relações beiram o descontrole. Prova disso, a agressão física contra um fiscal de trânsito nessa segunda-feira e outra a uma monitora da Stacione Rotativo, no sábado.

Lajeado – Operadora do estacionamento rotativo, Sabrina Oliveira Lopes, monitorava as vagas na av. Benjamin Constant, nesse sábado, quando foi agredida com um soco no braço esquerdo por uma motorista. A usuária comprou 30 minutos de crédito, mas perdeu o comprovante e solicitou uma segunda via à cobradora.

Enquanto tentava explicar a mulher que era desnecessário apresentar o bilhete, pois a placa do veículo havia sido lançada no sistema on-line do rotativo, sofreu a agressão. O caso foi presenciado por outro monitor e levado para a polícia.

04De acordo com a direção da empresa, esse é o quarto caso de violência aos funcionários nos dois primeiros meses de sistema. “Sem falar nas situações de xingamentos e ofensas, que tornaram-se rotineiras e partem de todos os níveis sociais”, aponta o gerente da unidade, Vitor Hugo Gerhardt.

A empresa elogia a atitude de Sabrina a externar a situação para a polícia, pois na maioria dos casos os monitores são coagidos, ameaçados de represálias, e ficam quietos. Com isso, a direção espera que os exaltados se conscientizem. “Talvez falte para eles (agressores) se colocar no lugar daqueles que estão ali trabalhando”, ressalta Hugo.

As agressões, além de causar danos às vítimas, prejudicam o funcionamento do rotativo. Dos quatro casos, dois resultaram em pedidos de demissão. É grande o rodízio nas 60 vagas ocupadas pelos monitores.

Gerente geral da Stacione, Melissa Mottin, cita a perda de vários funcionários em função disso. “Tentamos reverter. Mostrar que existe um caminho, oferecemos amparo, mas alguns se abalam mesmo e saem.” Segundo a diretora, o diálogo começa no momento da contratação. Nesse período se pede, antes de mais nada, paciência para atender aos usuários do rotativo.

Sistema motiva discussões

A intolerância e descontrole dos motoristas originam-se, na maioria das vezes, pela impaciência de esperar pelos cobradores. De acordo com a Stacione, é uma questão cultural que também ocorria com a antiga prestadora do estacionamento rotativo. Havia a sensação de impunidade por não pagar, em função de o contrato estar irregular. “Hoje mudou. A regra é pagar na chegada. Não existe outra possibilidade”, observa Hugo.

Para evitar transtornos com a cobrança, a empresa orienta motoristas a cadastrar o veículo e comprar créditos de forma antecipada. Quase 90 estabelecimentos comerciais da cidade estão aptos a vender, todos delimitados com adesivos 20×20 na entrada.

Mesmo assim, o grande número de inadimplentes continua. Mas a empresa mantém o período educativo e não cobra a advertência de R$ 15 por deixar de pagar. Exige apenas o pagamento do tempo de estacionamento e orienta os condutores.

Porém, caso a inadimplência seja percebida por um fiscal municipal de trânsito, será emitida multa de R$ 53, com perda de três pontos na CNH. Segundo o município, a média se infrações chega a dez por semana. “Esse argumento de não sabia, ele é inválido. É dever do cidadão conhecer a lei”, ressalta o gerente da unidade.

Monitores se queixam

A funcionária da Stacione, Neusa Becker, comenta que as agressões verbais são constantes. Na maioria dos casos, motoristas contrariam a necessidade do rotativo e os chamam de ladrões. “Fico nervosa, triste com a intolerância das pessoas, mas temos que suportar.”

Paula Gerhard trabalha na empresa desde que o serviço começou e também já foi ofendida. Em uma das situações, diz, uma mulher de classe alta a humilhou e fez gestos obscenos. “Não dei muita bola, pois ali tive a certeza que dinheiro não compra educação.”

Segundo o cobrador Adriano Von Helden, um dia quase foi agredido por uma senhora, mas conseguiu conter os ânimos no diálogo. Para ele, a educação gera educação. “Se eu trato aquela pessoa bem, não tem por que ela ser rude comigo. Quanto mais me xingam, mais eu me fortaleço para o trabalho.”

Questão de tempo para levarmos um tiro”

Às 19h dessa segunda-feira, o fiscal de trânsito Jacir José Feix ajudava a ordenar o fluxo de veículos da av. Avelino Tallini ao lado de outro servidor. Parado na calçada enquanto o colega estava ao centro da via, percebeu uma condutora estacionar em faixa amarela.

Se aproximou e chamou a atenção ao apitar três vezes, para que ela saísse do local. Como não obteve resposta, pegou o bloco para anotar a placa. Nesse momento, o caroneiro desceu do carro e começou a discutir com Feix.

Ao tentar orientá-lo, foi empurrado e teve a caneta pega das mãos e quebrada. A motorista arrancou e o homem saiu correndo. Mesmo assim, a placa foi registrada: um GM Cobalt, de placas ITM-3765.

Incentivado pelos outros agentes, o servidor informou o caso à polícia. Conforme informações do Departamento Municipal de Trânsito, processo contra o agressor foi aberto ontem. A punição nesses casos pode resultar até em serviços comunitários, por se tratar de agressão a um funcionário público.

Os casos de xingamentos, empurrões e ameaças são recorrentes, dizem os fiscais. De acordo com eles, há quase cem Boletins de Ocorrência na sede do grupo. Há três semanas, o mesmo servidor registrou outro caso, dessa vez envolvendo ameaça de morte.

Em virtude disso, os fiscais iniciam mobilização para conseguirem coletes balísticos. “É questão de tempo para levarmos um tiro”, diz um deles. Coordenador do departamento, Euclides Rodrigues, reconhece a insegurança. “Infelizmente a única arma que temos é um apito.”

Descrença na Justiça

Segundo o médico psiquiatra, Fábio Vitória, as pessoas carregam uma sensação de impunidade. Isso se deve à centralização do poder nas mãos de poucos representantes que não dão exemplos positivos de cidadania e honestidade. “Isso cria uma desesperança e aumenta o sentimento de raiva.”

No momento em que essas pessoas, frustradas com a realidade, se depararem com aqueles que representam a lei – seja fiscal de trânsito ou monitor de estacionamento – a tendência é descarregar as emoções. “Quem representa a hierarquia sofre a consequência, geralmente a parte mais fraca.”

Aliado a isso, o especialista cita os crescentes casos de transtornos psíquicos, como estresse, depressão, transtorno bipolar, transtorno explosivo intermitente e transtorno de personalidade. De acordo com o médico, determinadas pessoas têm mais risco de perder o controle, muitas vezes, de forma inconsciente.

Trânsito potencializa violência

Para o sociólogo Valter Freitas, o trânsito impulsiona a violência. Pois, na sua interpretação, a sociedade vive um momento histórico em que tudo está em desacordo, com crises de desemprego, baixa renda, um distanciamento dos poderes públicos da população. Com isso, a comunidade passa a estar desiludida com a vida.

No momento que uma pessoa está em seu carro, avalia o especialista, ela tem aquilo como seu centro de domínio e tende a reforçar o controle. Como o senso comum trata que espaços públicos são concedidos ao trânsito, aqueles que tentarem delimitar essa circulação ameaçam tirar esse poder do motorista. “Isso tudo resulta nos conflitos. No transporte coletivo, ao contrário, o passageiro não tem como potencializar.”

Conforme Freitas, o poder público deve abrir essa discussão e propor campanhas educativas. Deve impor limites e mostrar as consequências. “Aqueles que perderam o controle devem ser repreendidos para servir de exemplo aos demais.”

Acompanhe
nossas
redes sociais