Por uma cidade com menos carros e mais bicicletas

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Por uma cidade com menos carros e mais bicicletas

Vias abarrotadas de veículos, provocando engarrafamentos cada vez mais frequentes. A infraestrutura das cidades está despreparada para a crescente quantidades de carros. O quadro obriga as administrações públicas a traçar novos objetivos. Para servir de exemplo, a Univates lança o programa de cedência de bicicletas neste domingo.

Vale do Taquari – Um dia sem carro. Com esse pretexto, a Univates chama atenção da comunidade regional sobre a importância de adotar medidas sustentáveis para o transporte. No domingo, a instituição abre o projeto Bicivates com a proposta de reduzir o número de automóveis no câmpus.

Em Lajeado, uma das cidades gaúchas com índice próximo a um carro por habitante, pedalar pelas ruas é um desafio. Ciclistas dividem espaço com os automóveis, ônibus, caminhões e motocicletas. Nos fins de tarde, após o expediente, milhares de condutores enfrentam a rotina das ruas, cada vez mais insuficientes.

1Há cerca de três anos, o município instalou 21 quilômetros de ciclofaixa. Em diversos pontos há problemas. Na av. Décio Martins Costa, área alagável, o piso tem irregularidades e está danificado. Em outros pontos, pode-se ver o acúmulo de lixo, pedras e areia. Em toda a extensão, o investimento do governo de Lajeado ultrapassou R$ 950 mil.

No ano passado, o Conselho Municipal de Trânsito (Comtran) sugeriu a retirada da ciclofaixa em três pontos. Os problemas alegados envolvem o fluxo intenso de veículos automotores, a insegurança para o ciclista e o pouco uso. Pela análise dos integrantes do órgão, houve falha no planejamento das faixas.

Os locais ficam na rua Bento Rosa, do viaduto da BR-386, passando pela Bento Gonçalves até a esquina com a Oswaldo Aranha. Outro ponto é na rua Carlos Spohr Filho. Por fim, as faixas do bairro Jardim do Cedro. Juntos, somam cerca de cinco quilômetros.

Mestre em gestão urbana e coordenador de projetos da Bicicletaria, empresa de Curitiba, Paraná, que desenvolveu o software para implantação na Univates, Rafael Milani Medeiros, verifica que em países desenvolvidos, a bicicleta tem lugar cativo no trânsito. “A sociedade adotou a bicicleta como meio de transporte.”

Para ele, no Brasil, são necessários investimentos consistentes em ciclovias. “Sem uma política clara para o uso de transporte sustentável, fica complicado mudar algo imposto.”

Medeiros discorda da afirmativa de que não há uma cultura da bicicleta no país. De acordo com o especialista, o uso do veículo decorre de aspectos da cidade. “Se tiver um desenho que favorece, haverá mais ciclistas nas ruas.”

Diante do sistema de compartilhamento implantado na Univates, Medeiros acredita ser o início para uma revisão de valores. Para ele, essa mudança não ocorre de uma hora para outra, mas contribui por trazer o debate ao meio acadêmico e, por consequência, para demais esferas da sociedade.

Detalhes do Bicivates

O programa cederá bicicletas para alunos, funcionários e professores. Ao todo, serão 120 unidades. De forma gratuita, os usuários poderão usar os veículos por até duas horas.

Para integrar o sistema, basta se inscrever pela internet (www.univates.br/transporte/bicivates). Os veículos ficarão distribuídos em três pontos (nos prédios 1 e 11, e no Complexo Esportivo). Em cada um deles, serão 40 veículos. O objetivo é possibilitar que bicicletas possam ser estacionadas em pontos diferentes.

O modelo das bicicletas atende as necessidades dos acadêmicos. Elas têm cestinhas para guardar materiais didáticos, luzes de segurança e para-lamas para evitar que barro ou água sujem o ciclista. Também foi colocada correia interna, para dar mais segurança durante o trajeto. O cadeado será avulso, possibilitando que o usuário prenda a bicicleta em lugares diferentes.

Enquanto estiver com a bicicleta, o usuário terá responsabilidade por qualquer dano ao equipamento. Cada ponto será gravado por câmeras, para garantir que a retirada e a devolução seja feita da forma correta.

Pela ideia inicial, a ciclovia passará por dentro do câmpus, com abertura de uma nova rua contornando a universidade e passando por trás do Complexo Cultural. O investimento da Univates se aproxima dos R$ 500 mil.

Programa vem para ficar

Gerente do Setor de Engenharia e Manutenção da Univates, o engenheiro Robledo Müller, ressalta o propósito inovador do sistema de compartilhamento. “A bicicleta é simpática. Tem aceitação da comunidade. O projeto vem para ficar.”

Na opinião dele, entre os princípios das universidade está a proposição de atitudes de vanguarda. O projeto Bicivates é o primeiro desenvolvido por uma instituição de ensino na América Latina. Sobre os locais para pedalar, Müller relata que a ciclovia foi projetada para ter conexões entre os prédios e áreas verdes. “O aluno poderá passear em pontos arborizados, desfrutando de uma bela vista. Será um momento de lazer em meio às atividades acadêmicas.”

Para ele, a iniciativa deve ocasionar uma maior preocupação dos agentes públicos. “Queremos ampliar o debate. Ver nas ruas mais pessoas de bicicleta. Por consequência, isso demanda planejamento dos governos em proporcionar segurança aos ciclistas.”

“Ter carro é status, bicicleta é coisa de pobre”

O administrador de computadores Paulo Roberto Bagatini, 40, de Lajeado nunca teve um automóvel. Usa a bicicleta como meio de transporte desde os 22 anos. Vai ao mercado, ao trabalho, à farmácia sobre duas rodas. Fez aulas de direção, mas desistiu. Preferiu adotar um estilo de vida mais sustentável e econômico. “Fiquei um ano sem entrar em um carro.”

Pedalar em meio ao intenso movimento das ruas não assusta mais. A principal preocupação é onde estacionar a “magrela”. Com uma corrente, prende em árvores, postes ou grades. Outro problema é a falta de vestiários em empresas, instituições de ensino e órgãos públicos. “Temos um paradigma cultural. Ter carro é status e ter bicicleta é coisa de pobre.”

Critica a falta de iniciativas para incentivar o uso de bicicletas como alternativa aos veículos automotores. Lamenta o estado precário das ciclofaixas na cidade. “Se falta espaço temos que apresentar alguma vantagem para diminuir o número de carros nas ruas. Ir de carona, ônibus ou bicicleta. A questão de ser viável ou não depende das escolhas e de decisões políticas.”

Cita como exemplo países europeus onde o uso de bicicletas é comum. As vias têm estrutura para os ciclistas, diz. Elogia a iniciativa da Univates. Embora o projeto libere veículos para o deslocamento interno, acredita ser uma ideia a ser expandida para toda cidade por meio de empresas e do poder público. “Um incentivo para mudar uma cultura.”

Bagatini chega a pedalar 22 mil quilômetros por ano. É um dos fundadores do grupo PedaLajeado, grupo com mais de 700 integrantes formado para fortalecer o uso da bicicletas como meio de transporte pela cidade.

Uma morte a cada três dias

A média registrada no primeiro trimestre é 40,9% maior do que no mesmo período do ano passado. Foram 31 ciclistas mortos de janeiro a março no Rio Grande do Sul. Os números são baseados em dados do Detran. Entre o ano de 2010 e 2011 foram 41 e 39 mortes entre esses meses.

O aumento é atribuído ao maior número de ciclistas nas ruas. Com a melhoria da infraestrutura, construção de ciclofaixas e ciclovias, o veículo passou a disputar mais espaço. O Detran aponta que um dos motivos pelo qual se elevou o número de acidentes e de mortos é o fato de a categoria não possuir carteira de habilitação e assim desrespeitar as leis de trânsito.

Queremos ser respeitados no trânsito”

Também integrante do grupo de ciclistas PedaLajeado, o empresário Carlos Kieling, fala do desrespeito com o ciclista. Enumera uma série de situações que colocam em risco. Entre elas, a falta de estrutura viária para um passeio seguro, os abusos cometidos pelos motoristas e a ausência de espaços para guardar as bicicletas. “As leis são iguais para todos. A bicicleta é um meio de transporte, mas poucos a respeitam.”

Condena a atitude de muitos ciclistas que desrespeitam as leis de trânsito, como não respeitar o semáforo ou não usar os equipamentos de segurança. Para Kieling, falta incentivo tanto de entidades privadas como do poder público para estimular o uso da bicicleta. “Virou moda no mundo todo, mas precisamos educar, fazer com que tanto ciclistas e demais veículos se respeitem nas ruas. Temos que ter igualdade e segurança.”

Sobre as ciclofaixas na cidade, o empresário critica a maneira com que foram implantadas. Para ele, o planejamento foi falho. De acordo com Kieling, a maioria não apresenta as condições desejáveis, seja do ponto de vista da infraestrutura, com pista irregular e estreita, seja do ponto de vista do traçado que conflita com cruzamentos, tornando o convívio entre bicicletas e automóveis perigoso.

Para ele, é indiscutível a importância desses espaços para mudar a mentalidade de que a cidade foi feita apenas para os automóveis. “A bicicleta é um modo de vida sustentável e econômico. Apenas falta incentivo para mais pessoas aderirem a esse estilo de vida.”

Elogia a iniciativa da Univates em estimular o uso da bicicletas dentro do câmpus. Porém reclama da falta de diálogo com a população para estender o projeto e incentivar uso do veículo para se deslocar até a faculdade, mercados e trabalho. “A iniciativa é boa, mas existe um risco. Se elas ficarem paradas, dirão que esse meio de transporte é inviável e teremos que começar do zero.”

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