Vale do Taquari – As condições impostas pela Secretaria Estadual de Saúde para repassar dinheiro aos hospitais filantrópicos causa apreensão na comunidade. Com a determinação, instituições de municípios com menos de dez mil habitantes perdem o direito de realizar partos e cirurgias, como cesarianas, e precisam transferir pacientes a estruturas de cidades maiores.
Gestores das entidades e prefeitos alegam que os pequenos hospitais passaram ao status de pronto atendimento. Para tentar reverter a medida, grupo de líderes da categoria esteve com a secretária da Saúde, Sandra Fagundes, há uma semana.
Da região participaram os prefeitos Edegar Cerbaro, de Progresso, e Ricardo Kich, de Marques de Souza. Ambos se disseram pegos desprevenidos, pois não houve discussão política com os municípios antes de implementar a mudança.
Além de retardar o atendimento aos moradores, apontam, a resolução deve implicar despesas extras aos governos municipais com o transporte dos pacientes até os outros hospitais. Os prefeitos cobram mais cautela ao Estado e pedem uma análise individual de cada entidade.
Em Progresso, a direção do Hospital Santa Isabel está pessimista em relação ao novo modelo. Segundo a administradora, Maria Inês Brancher Schmitt, a Secretaria de Saúde impôs à instituição adotar o grupo 2 (veja especificação no boxe). Do contrário, precisaria encerrar as atividades.
Para conseguir o aval e manter os procedimentos, o hospital deveria passar por diversas mudanças. Entre elas, ter à disposição durante todo o dia um médico pediatra e um cirurgião anestesista. “Apenas o anestesista custaria mais de R$ 40 mil mensais. Como 80% dos atendimentos são via SUS, não teríamos condições para isso. O Estado dá condições, mas são inviáveis.”
Mesmo enquadrada em outro grupo, a direção prefere manter os procedimentos cirúrgicos em prol da comunidade. “Prefiro correr o risco de levar uma multa, a que alguém morrer aqui no saguão”, destaca Maria Inês. Todos os meses, em média, mais de dez partos são realizados na instituição.
Há pouco tempo o hospital recebeu dinheiro para um centro cirúrgico novo. De acordo com o prefeito Cerbaro, outras verbas estão empenhadas. Nesse sentido, avalia que o próprio governo se mostra confuso, pois investe em uma área e logo depois muda de estratégia. “A tendência não é melhorar, mas piorar.”
“Ela não espera pra nascer”
Marisa de Lurdes Schabat, 26, entrou em trabalho de parto ontem à tarde no Hospital Santa Isabel. Moradora da comunidade de Anto Bravo, 25 quilômetros distantes do centro, chegou às pressas à casa de saúde pedindo amparo dos médicos.
Grávida de uma menina, Marisa não aceitou ser transferida para outra cidade. Enfatizou ter feito todo o pré-natal com um especialista do hospital. “Quero que o mesmo médico faça o parto. Não sairia daqui, até porque ela não espera pra nascer.”
Transferência de risco
De acordo com Maria Inês, a transferência desse tipo de pacientes acarreta sérios riscos de morte, tanto da mãe como da criança. O Santa Isabel atende a população de uma microrregião, como de São José do Herval ou Gramado Xavier.
Nesse contexto, avalia a administradora, chegam pessoas em debilitado estado de saúde, que viajaram mais de uma hora e não teriam condições de uma nova viagem até outra entidade. “Além do mais, para onde vamos mandar todos esses pacientes? Os hospitais do entorno já estão lotados.”
Opinião semelhante tem o prefeito de Marques de Souza, Ricardo Kich, onde são realizadas cerca de cem cirurgias e partos a cada ano. Segundo o gestor, restringir a oferta de serviços dificulta a manutenção das entidades e colabora para o fechamento delas. “Não vamos aceitar ficar correndo de cá para lá com os pacientes e assumir os riscos de acontecer algo grave com eles.”
Famurs pede flexibilidade
A resolução foi imposta dia 10 de março e atinge 88 hospitais considerados de pequeno porte no Estado. Desses, segundo a Secretaria de Saúde, 50 teriam aceitado fechar seus blocos cirúrgicos.
Contrária à determinação, a Famurs considera a medida impositiva, pois condiciona a transferência de recursos estaduais para a saúde à assinatura do termo de adesão à resolução. A federação solicita revisão da proposta e a manutenção dos serviços hospitalares nos municípios do interior.
Conforme o presidente da entidade, Valdir Andres, essa mudança acarreta em prejuízos sociais, econômicos e políticos e contribui para o desaparecimento das cidades pequenas. “Piora o atendimento em saúde, entrava o desenvolvimento do municípios menores e afeta o prestígio do prefeito junto à população.”