Vale do Taquari – A mudança na forma das consultas pediátricas no Pronto Atendimento (PA) e na emergência do SUS provocou reação da comunidade. Para garantir a presença dos especialistas, a diretoria do Hospital Bruno Born (HBB) procura profissionais para ampliar a equipe e garantir o retorno do modelo de plantão presencial.
Seis pediatras se revesavam nos atendimentos, inclusive nos fins de semana. Por hora, recebem R$ 100. O grupo pediu aumento e o valor é mantido em sigilo. Nessa quinta-feira, a diretoria do HBB autorizou o aumento de R$ 20 na hora dos pediatras.
Três novos profissionais devem iniciar o trabalho na instituição. Conforme o diretor-técnico, Cláudio Klein, é possível que haja pediatra tanto no PA quanto na emergência em alguns dias da semana. “Não podemos fechar as escalas agora. Primeiro queremos estruturar a equipe para que os médicos não fiquem sobrecarregados.”
Nos dias sem a presença do especialista, o atendimento segue no regime de sobreaviso. “Queremos o mais rápido possível resolver essa situação”, afirma Klein. Para o diretor, as críticas das pessoas ocorrem porque estavam acostumadas a chegar no hospital e ter um pediatra disponível.
Com relação à demanda do plantão pediátrico, afirma ser pequena. De acordo com Klein, os casos de doenças graves são raros. “Os mais graves costumam ter traumas.”
Por parte da Unimed Vales do Taquari e Rio Pardo, o diretor Paulo Roberto Jucá afirma que o modelo de sobreaviso é uma solução temporária encontrada pelas instituições para continuar prestando atendimento.
De acordo com ele, desde fevereiro, quando houve a reestruturação da gestão de PA, o HBB assumiu a organização da escala dos plantões e contratações de médicos. “No momento, o hospital não conta com pediatras atendendo presencialmente no PA.”
Pesquisa da Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) divulgada em janeiro mostra que 56% das cidades gaúchas encontram dificuldade em contratar pediatras. Como em Lajeado. Para os postos, são três profissionais. Os médicos precisam ser deslocados para garantir as consultas nos bairros pelo menos uma vez por semana.
Outro exemplo é a UPA. Desde a abertura, no dia 11 de março, a gestora da unidade tenta contratar um pediatra. Para atraí-los, chega a oferecer R$ 160 por hora. Em termos de país, nos últimos anos, o custo desse especialista subiu cerca de 50%.
Nos hospitais dos vales do Rio Pardo e do Taquari, apenas em Santa Cruz do Sul há atendimento de plantão em pediatria.
“Estávamos sobrecarregados”
Com a equipe pequena para os plantões, os médicos tinham jornadas estafantes. “Estávamos sobrecarregados. Para os fins de semana, só três aceitavam trabalhar e os outros precisavam se revesar”, conta o pediatra João Paulo Weiand.
Segundo o médico, houve meses em que atuou em três fins de semana, chegando a cumprir 90 horas de trabalho em sábado e domingo. Para ele, dependendo da negociação, é possível o retorno dos profissionais para atuar dentro do hospital nos plantões.
Entre as possibilidades, o HBB pretende formar uma segunda equipe de pediatras. Outra alternativa é colocar um especialista nos horários de maior procura por consultas, entre 19h e 23h.
Na opinião do pediatra, as pessoas tiveram um choque com a mudança no tipo de serviço. “As famílias estavam acostumadas com a presença do especialista.” Realça que, apesar da alteração, os pacientes não ficaram desassistidos. “A responsabilidade do plantonista é a mesma do presencial”, argumenta.
Demora e reclamações
Marilei da Silva, 32, veio de Paverama para conseguir uma consulta com pediatra para o filho de 2 anos. Com plano de saúde, procurou o PA. Após aguardar por mais de uma hora, conseguiu agendar com um pediatra no consultório. Em seguida, retornou ao PA com a receita médica. “Esperei mais uma hora para fazerem uma injeção no meu filho.”
Com o filho de 11 meses, o casal Rudinei Neves e Paula Zenaide esteve no PA em busca de uma consulta com um pediatra. Na madrugada de sábado para domingo, esperaram por duas horas até serem encaminhados ao clínico-geral. “A criança ardia de febre. O médico nem olhou. Apenas receitou um remédio e me mandou de volta para casa.” conta Rudinei.
Como a criança seguia com febre, retornaram nessa quarta-feira. Na ocasião, o filho do casal precisou ser encaminhado para um pediatra. No entanto, a espera chegou a três horas. “Se nós que pagamos caro por um plano de saúde somos atendidos dessa maneira, nem quero imaginar como está o pessoal que depende do SUS”, ressalta Paula.
MP estuda contratos
Em matéria do A Hora publicada nessa quarta-feira, dia 23, pais criticaram a saída dos pediatras. A técnica de enfermagem Jane Franco da Silva levou a reclamação ao Ministério Público (MP). Em seguida, o promotor Sérgio Diefenbach solicitou ao HBB os contratos com as operadoras de planos de saúde. “Estamos em uma fase inicial, coletando informações.”
Após receber os dados, o MP passa a averiguar se houve descumprimento na prestação do serviço, tendo como base o Código de Defesa do Consumidor. “Em um primeiro momento, vemos que a situação não representa risco às pessoas, pois não ficaram sem atendimento”, frisa Diefenbach.
Município busca informações
Além do atendimento de convênios, a emergência do HBB também não tem médicos para atendimento às crianças. O profissional de sobreaviso do PA também atua no plantão SUS. Além de responder por esses setores, o pediatra também atua na sala de partos. “É complicado”, admite Weiand.
Pacientes vindos dos municípios vizinhos a Lajeado têm convênio com o HBB para consultas com especialistas. A diretoria não informa quantos são nem o montante dos contratos, mas afirma que não houve nenhum Executivo pedindo rescisão do acordo.
Nessa quarta-feira, uma moradora de Santa Clara do Sul usou as redes sociais para externar insatisfação. O comentário surpreendeu integrantes da administração municipal. “Não sabíamos que estavam sem pediatra”, reconhece a secretária de Saúde, Iara Kohlrausch.
Por mês, o governo de Santa Clara do Sul paga R$ 9,6 mil pelo convênio. Diante da falta do pediatra, Iara entrou em contato com a diretoria médica do HBB para se informar sobre o caso. “Queremos uma solução. É injusto sermos responsabilizados por algo que não é de nossa alçada.”
De acordo com o diretor médico do HBB, todos os convênios para especialidades seguem o mesmo parâmetro. O plantão presencial, alega, não está no contrato. Os outros segmentos, como traumato, neurologia e cardiologia funcionam pelo regime de sobreaviso.
“Faltam pediatras há dez anos”
Os problemas vistos no HBB nessa semana são resultado do pouco interesse dos novos médicos em buscar a especialização na área, acredita o médico João Paulo Weiand. Pediatra com experiência de atuação no plantão, integra a equipe de seis médicos que negociam aumento com o hospital.
A Hora: Com apenas seis médicos se revezando nos plantões, houve um desgaste, inclusive admitido pela própria administração do HBB. Desse modo, quais os motivos para a saída dos pediatras desse atendimento presencial?
João Paulo Weiand: Vínhamos enfrentando essa situação há dois anos. Houve uma redução no número de profissionais interessados em atuar nos plantões. Essas perdas deixaram a equipe menor. Tanto que apenas três aceitavam trabalhar nos fins de semana.
Essa é uma situação nacional. Faltam pediatras há dez anos. Devido à desvalorização, jovens médicos começaram a optar por outras especialidades. Agora, há uma reversão. Tanto que a residência para pediatras aumentou em um ano. Mas até normalizar, será necessário no mínimo mais cinco anos.
Em que passo está a negociação com o hospital? Há possibilidade dos pediatras retornarem aos plantões?
Weiand: Aguardamos uma posição do hospital. Mas acredito que o impasse esteja chegando ao fim nos próximos dias. É preciso uma revisão no pagamento da hora médica. Oferecer um pouco mais também vai atrair profissionais de outras cidades e regiões. Tendo uma equipe maior, é possível organizar escalas sem sobrecarregar ninguém
Quanto às críticas da população, o senhor acredita que isso pode prejudicar a imagem do pediatra perante à sociedade?
Weiand: Entendemos a preocupação das pessoas. Elas estão no direito de reclamar. Mas por outro lado, não ficaram desprotegidos. Em caso de necessidade, o clínico chamaria o pediatra. Acredito que o impacto esteja mais nas prestadoras do serviço. Pois a reclamação cai sobre um serviço pago e não recebido.
Isso foi importante por mostrar esse descontentamento. As famílias têm confiança no trabalho dos pediatras. Pela experiência da equipe, conseguíamos resolver os problemas sem exames adicionais. Talvez por isso tenha havido tamanha repercussão.