País – Na casa de Sandra Lúcia e Rodrigo Ely, os trigêmeos João Pedro, Carlos Eduardo e Ana Carolina, pedem todos os brinquedos que aparecem nos comerciais da televisão. Os pais tentam interferir nessa situação. Conscientes da necessidade de impor limites, enfrentam dificuldade, pois a “concorrência” é desleal.
As cores, as animações, o aparecimento dos personagens preferidos nas propagandas fascinam os três. “Entre eles determinam quais brinquedos cada um vai ganhar”, diz a mãe. “Depois que compramos, ficam frustrados, pois não parece como os do comercial. Não se mexem sozinhos e não têzm aqueles cenários.”
Diante do direcionamento do marketing aos menores, o Conanda aprovou a resolução 163. Em vigor desde o dia 4 de abril, a norma considera abusiva toda comunicação mercadológica direcionada para o público infanto-juvenil. Reivindicação antiga dos órgãos de defesa dos direitos das crianças e adolescentes, a norma é difícil de ser aplicada.
Embasada no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Constituição Nacional e no Código de Defesa do Consumidor, a norma foi elaborada no ano passado. O colegiado do conselho, ligado à Presidência da República, aprovou a proposta em março.
Em resumo, o o texto diz que a prática do direcionamento de publicidade e comunicação mercadológica à criança, com a intenção de persuadi-la, para o consumo de qualquer produto ou serviço é abusiva e ilegal.
Com a resolução, fica proibido o direcionamento à criança de anúncios impressos, comerciais televisivos, spots de rádio, banners e sites, embalagens, promoções, merchandising, ações em shows e apresentações e nos pontos de venda.
Por outro lado, entidades representativas do mercado publicitário, das emissoras de televisão e rádio ignoram a resolução e continuam divulgando propagandas destinadas para o público infantil e adolescente.
Em nota assinada pelas nove maiores entidades do setor, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) argumenta que a competência de criar leis é exclusiva do Legislativo.
A respeito da resolução, o presidente do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), Gilberto Leifert, reitera o parecer das demais entidades. Segundo ele, o mercado publicitário admite a interferência do Estado, mas a partir de lei federal, votada pelo Congresso, e sancionada pela presidente da república.
Conselho defende legitimidade
Para a presidente do Conanda, Miriam Maria José dos Santos, as alegações dos representantes do mercado são falácias. O conselho foi criado por lei federal, frisa, com caráter deliberativo. “O Conanda é um órgão legítimo. Esse argumento de que o órgão exacerbou sua atuação é vazio. Uma falácia para desqualificar aquilo que está posto e deve ser cumprido.”
Para ela, a criança não tem senso crítico para entender a propaganda. “A publicidade tem uma uma grande influência na formação dos jovens. O consumo não é destinado para esse público.”
Como consequência, a interferência mercadológica cria “pequenos cidadãos consumistas”, acredita Miriam. “A criança não precisa de brinquedo. Precisa é brincar. Exercitar a criatividade. Uma tampinha de garrafa na mão delas se transforma”, diz. “O consumo não faz parte da vivência da criança. Faz parte da vida do adulto que tem capacidade para discernir o que é importante.”
A presidente do conselho admite dificuldade em impor a resolução. Para Miriam, toda a sociedade deve contribuir para a aplicação da lei, fiscalizar e denunciar abusos. “A lei sozinha não muda a situação atual. Temos de envolver as famílias, o Ministério Público, os conselhos tutelares.”
Pesquisa do instituto Alana mostra que 80% das compras para casa são influenciadas pelas crianças. Interfere desde a compra de comida, material de limpeza e até compra de carro. Como exemplo, a Fiat passou a veicular seu logotipo em brinquedos como carrinhos e jogos de tabuleiro. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, em junho de 2012, o diretor de publicidade e marketing de relacionamento da empresa revelou que a estratégia visa criar uma relação afetiva do público infantil com a marca para influenciar nas compras da família.
“Lei é um avanço”
Para o coordenador do curso de Comunicação Social da Univates e publicitário, Flávio Meurer, a resolução é um marco para a regulação da propaganda no país. “É um avanço. Considero uma medida corajosa, que bate de frente com o poder dos meios de comunicação, das marcas, das empresas.”
Cita como exemplos países como a França e a Suécia, onde as leis restringem os comerciais. “Nesses lugares é vedado o uso de personagens ligadas ao imaginário infantil. Colocar o Papai Noel, por exemplo, oferecendo um produto é comparável a um familiar dizendo para a criança que aquilo é bom.” Para ele, isso é abusar da confiança que os meninos e meninas depositam nas figuras.
No campo da atuação das agências e dos profissionais, o impacto pode ocasionar queda de receita, dependendo da aplicação da lei. Antes disso, prevê uma disputa judicial entre Conanda e entidades do mercado. “Difícil imaginar como ficará o trabalho. Agora temos de ver se a lei pega.”
“A melhor censura é o botão de liga e desliga”
Para o publicitário Gilberto Soares, a resolução do Conanda trouxe avanços para reduzir alguns abusos. Por outro lado, por ser muito restritiva, excede na função do Estado. “Se a criança quer algo desnecessário, os pais devem dizer não.”
Na opinião dele, o papel de educar cabe à família. Argumentos como a falta de tempo dos pais devido ao trabalho não podem interferir nessa relação, acredita Soares. “A melhor censura é o botão de liga e desliga.”
O que diz a lei:
– A resolução lista os seguintes aspectos que caracterizam abuso:
– uso de linguagem infantil, efeitos especiais e excessos de cores;
– trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança;
– representação de criança;
– pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil;
– personagens ou apresentadores infantis;
– desenho animado ou de animação;
– bonecos ou similares;
– promoção com distribuição de prêmios ou de brindes colecionáveis ou com apelos ao público infantil;
– promoção com competições ou jogos com apelo ao público infantil;