Lajeado – Oito pessoas assistiam à partida entre Grêmio e Newell’s Old, às 22h45min dessa quarta-feira, na lancheria Polly Dog, quando três homens armados entraram no estabelecimento. Sem pronunciar nada, apontaram uma espingarda calibre 12 e uma pistola 380 contra os rostos de Lucas de Linhares da Silva Rosa dos Santos, 21, e Bárbara Dutra de Mari, 22, e dispararam. O casal estava sentado numa mesa próxima à calçada. Os dois, morreram na hora.
Uma das testemunhas do crime seguia da cozinha para o saguão quando percebeu a aproximação dos assassinos. De imediato correu para o fundo do estabelecimento ao lado da mulher. “Quando consegui me esconder, só ouvi os tiros e as pessoas gritando.”
Segundo análise preliminar da polícia, um dos disparos da espingarda atingiu o rosto de Santos, conhecido por ‘Romário’ entre os amigos. Outro, somado a tiros da pistola, a região do abdome. Namorada do rapaz há quase sete anos, Bárbara foi alvejada por disparos de pistola na cabeça. “A única coisa que pensei em fazer naquele momento era sair dali. Foi um horror”, lembra o homem.
Os assassinos, de acordo com testemunhas, teriam utilizado um carro cinza como meio de transporte. Instantes depois, a cena do crime foi isolada por Brigadianos até a chegada de agentes da Polícia Civil (PC) e do Instituto Geral de Perícias (IGP), de Porto Alegre.
Santos trabalhava como pintor. Bárbara cuidava de crianças. Os familiares ainda tentam entender o que motivou o crime. “Estamos surpresos, até porque nenhum deles tinha envolvimento com nada errado ou desavenças”, garante um parente.
Amigos e familiares cobram justiça e reclamam da falta de sensibilidade dos órgãos de segurança. Entre as crítica, apontam demora na liberação dos corpos, enviados ao DML de Lajeado entre 3h30min e 4h da madrugada seguinte. Afirmam que os exames de balística começaram pelas 10h e os corpos estavam liberados para os velórios apenas depois do meio-dia. Os enterros são previstos para a manhã de hoje.
Desafio às entidades
O crime foi praticado a cerca de cem metros do Comando Regional de Policiamento Ostensivo (CRPO), fato que atemoriza a comunidade lajeadense. Subcomandante da entidade, o tenente-coronel da BM, Álvaro de Medeiros, considera grave a situação. “O fato de isso acontecer aqui na frente nos preocupa ainda mais. Isso mostra que os assassinos estão seguros do que fazem.”
Líderes da brigada e da PC se reuniram ontem a tarde para criar estratégias contra o tráfico de drogas e a série de assassinatos praticados na região. Ambos órgãos decidiram unir forças. De acordo com Medeiros, os setores de inteligência de cada entidade começam a trabalhar em conjunto para desvendar crimes. “Não trocaremos apenas informações, mas vamos investigar juntos.”
Para que o planjo tenha sucesso, enfatiza o subcomandante, também é preciso participação do Judiciário: deve aplicar penas duras e conseguir mantê-las. Conforme Medeiros, está na hora de maior imposição da sociedade.
O subcomandante lembra que o tráfico existe apenas por um motivo: mercado para a venda de drogas. “As pessoas devem cobrar mudanças aos seus representantes e ir contra ao tráfico. A polícia não pode resolver tudo sozinha.”
Delegado prevê mais mortes
Com o assassinato do casal, chega a 22 o número de homicídios no Vale do Taquari neste ano, sendo 13 em Lajeado – média superior a um por semana. A quantidade supera a marca dos registrados nos 12 meses de 2013 na cidade: 11.
Um dos especialistas mais experientes da PC no Vale, delegado José Romaci Reis, afirma haver relação entre a maioria dos casos. Quase todos ligados ao envolvimento no mercado das drogas e disputas internas entre traficantes da região por pontos de venda. Reis atua desde 2004 na polícia da região e prevê que as mortes devem continuar. “Isso só vai parar quando os ‘cabeças’ (sic) forem pegos.”
O discurso contradiz a manifestação da delegada regional de polícia, Elisabete Barreto Müller. Após a morte de quatro pessoas no feriadão de Carnaval, ela afirmou em entrevista à Rádio Independente a inexistência de quadrilha agindo na região. “Os crimes não têm relação entre si. Cada um tem uma motivação, uma história. Não há nenhuma quadrilha praticando os delitos” disse.
“Tudo começa em Lajeado”
De acordo com o delegado Reis, mortes praticadas em outras cidades são fruto de episódios iniciados em Lajeado. Como exemplo, cita dois casos ocorridos na cidade onde trabalha, Estrela. Na primeira quinzena de janeiro, Edegar dos Santos foi morto no bairro Imigrantes. Um homem chegou na casa da vítima e atirou cinco vezes. “Sabemos quem foi o responsável. Estamos buscando um mandado de prisão contra ele, mas já está foragido do presídio de Santa Cruz.”
O mais recente ocorreu às 18h30min dessa terça-feira, no mesmo bairro. Rogério Salami, 41, morador do Americano, de Lajeado, dirigia um Corsa Sedan, quando foi alvejado por disparos de uma pistola 9 mm – arma de uso restrito do Exército.
O passageiro, Mauro Miguel Guimarães Júnior, 39, o “Duia”, morador Santo André, também em Lajeado, foi baleado no joelho direito e de raspão nas costas. Os tiros foram efetuados por indíduos em um Celta cinza. Reis acredita haver relação entre o caso e a morte do casal lajeadense.
manifesto pela paz
Cansados dos recorrentes homicídios na região, moradores de Lajeado organizaram uma passeata pela paz e contra as drogas. O evento está agendado para o sábado – dia 29, às 14h, no Parque professor Theobaldo Dick.
A organização pede aos interessados em participar para vestir camiseta branca, reunir familiares para a manifestação, e confeccionar cartazes. Até o fechamento desta edição (21h), mais de cem pessoas apoiavam o evento. Mil foram convidadas.