Funai admite antecipar liberação das obras

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Funai admite antecipar liberação das obras

Fundação condiciona ato à realocação de família da faixa de domínio. Garantia de segurança para o povo indígena é outra exigência durante as obras de duplicação no trecho de dois quilômetros em Estrela

Vale do Taquari – A possibilidade de completar toda a duplicação dos 33,8 quilômetros da BR-386 é uma realidade. Em entrevista exclusiva, a Funai garante que a liberação das obras no trecho próximo ao local onde vive a tribo caingangue, em Estrela, depende apenas da retirada de uma família que vive na faixa de domínio. Antes disso, a promessa era autorizar os serviços só depois de finalizada toda a construção da nova aldeia, prevista para 2015.

O Dnit é apontado pela fundação como principal culpado pelo atraso das obras, que deveriam estar concluídas desde novembro do ano passado. Segundo a coordenadora geral de Licenciamento Ambiental da Funai, e responsável pelos trâmites envolvendo a tribo, Júlia de Paiva Pereira Leão, o departamento descumpriu acordos firmados antes mesmo do início das obras, em novembro de 2010.

2Entre os desacordos citados pela representante da Funai, está a decisão pela construção da nova aldeia. “Não foi a Funai que reivindicou. O próprio empreendedor, Dnit, foi quem propôs.” Júlia afirma que o órgão federal descumpriu o cronograma de obra, e o Plano Básico Ambiental (PBA), que previa a reinstalação dos indígenas ainda em 2010. “Essa necessidade é de conhecimento do Dnit pelo menos desde 2009.”

Apesar das discordâncias, ela garante que a relação com o departamento melhorou e que a Funai considera “satisfatório” o andamento das obras. Apesar de cobrar a retirada de uma família da faixa de domínio, representantes do consórcio responsável pela obra garantem que inexiste índios morando nessa área.

A obra orçada em R$ 8,5 milhões prevê a entrega de 29 casas de alvenaria, uma escola caingangue, um centro de reuniões e uma casa de artesanato. Duas casas temporárias foram construídas no local para realocação de duas famílias, garantindo a segurança dos índios. No local, há trânsito constante de veículos pesados.

Na manhã deste sábado, líderes regionais mobilizam entidades, motoristas e moradores de cidades próximas para um ato público próximo à aldeia caingangue. Das 9h às 13h, eles devem montar um pequeno acampamento às margens da rodovia, próximo ao Posto Laguinho, em Estrela. A representante da Funai critica a intenção, assim como a cacique da tribo, Maria Conceição Soares. “Ninguém veio aqui para ver as condições em que vivemos. É mais fácil culpar os índios.”

A intenção, conforme o presidente da Câmara de Indústria e Comércio do Vale do Taquari, Oreno Ardêmio Heineck, é pressionar os órgãos responsáveis pela liberação das obras no trecho. Caso isso não ocorra até junho, o consórcio responsável pela duplicação desistirá da obra. Há possibilidade de o tráfego na BR-386 ser paralisado em função do manifesto. Motoristas podem desviar do local utilizando a Rota do Sol.

“Não é a construção da nova aldeia que está atrasando as obras”

Entrevista com Júlia de Paiva Pereira Leão, coordenadora-geral de Licenciamento Ambiental da Funai, responsável pelos trâmites envolvendo a tribo caingangue de Estrela

Jornal A Hora – Os índios da tribo localizada às margens da BR-386 chegaram ao local na década de 60. O primeiro cacique morreu atropelado no acostamento da rodovia, assim como uma de suas filhas. Há relatos de outros acidentes semelhantes que resultaram em danos físicos aos indígenas. Afinal, alocar uma tribo na beira de uma das mais movimentadas rodovias do Estado é uma decisão segura?

Funai – Não houve interferência da Funai quando da instalação da comunidade na área. A localização da nova aldeia foi decidida pela própria comunidade e possui maior distância em relação à rodovia, além de contemplar medidas de segurança tais como passagem para escola e sinalização e respeitar todas as regras relacionadas à faixa de domínio e à área não edificável.

Outros proprietários de áreas lindeiras à rodovia tiveram que aceitar condições e indenizações insatisfatórias para ceder seus terrenos para a União. Muitos receberam menos de 30% do valor cobrado pelos imóveis. Como explicar para essas pessoas, que sempre trabalharam e produziram nessas terras, a diferença de negociação para com os índios, que, ao contrário delas, vão receber mais área e investimento superior a R$ 8,5 milhões?

Funai – Tendo em vista que os processos de desapropriação estão sendo conduzidos pelo Dnit, recomendamos que sejam solicitadas ao departamento informações circunstanciadas sobre a questão. Ao que consta na Funai nenhum proprietário foi obrigado a vender seu imóvel. Além disso, os valores são estabelecidos a partir de avaliação técnica que obedece aos dispositivos legais vigentes.

A obra de duplicação iniciou em 2010. Mas os índios já viviam em situação precária naquele local há mais de 40 anos. A impressão que se tem é que a Funai aguardou pela obra para só então reivindicar construção de nova aldeia. O que foi feito antes para garantir maior integridade para a tribo?

Funai – Não foi a Funai que reivindicou a construção de nova aldeia. O próprio empreendedor, Dnit, propôs no âmbito do componente indígena dos estudos de impacto e do Plano Básico Ambiental (peças técnicas integrantes do processo de licenciamento ambiental e cujas aprovações são necessárias para a emissão da licença prévia e de instalação, respectivamente) um “programa apoio à realocação da população diretamente afetada pela implantação do empreendimento”, que consiste basicamente na reconstrução das casas e da escola indígena. Esse programa foi aprovado pela Funai em 2010. Para além do acompanhamento do processo de licenciamento na condição de interveniente, a Funai desenvolve diversas atividades com a comunidade de Estrela.

Funai é hoje criticada por diversos setores da sociedade aqui na região. A principal contestação gira em torno da não liberação das obras no trecho próximo a aldeia. Com isso, o consórcio responsável pela duplicação já avisou que deixará a obra em junho, e o trecho de dois quilômetros não mais será duplicado. Quais os argumentos da Funai para impedir os serviços até o fim da construção da nova aldeia?

Funai – Não é a construção da nova aldeia que está atrasando as obras, e sim o fato do Dnit não ter dado início às atividades e compatibilizado o cronograma da obra e da construção da aldeia, que deveria ter sido após a aprovação do PBA, ocorrida em 2010. Essa necessidade é de conhecimento do DNIT pelo menos desde 2009, mas, como houve atraso do empreendedor na execução dos programas, o Dnit não conseguiu efetivar ainda a realocação da aldeia em cronograma compatível com o avanço das obras.

Até o momento o Dnit não cumpriu as exigências estabelecidas no bojo da licença de instalação emitida pelo Ibama, uma vez que cabe ao empreendedor providenciar a realocação da comunidade. Inclusive foi remetido em 13/07/2010 um ofício, por meio do qual a Funai alertou o Dnit sobre a necessidade de compatibilizar o cronograma dos subprogramas em relação à instalação da obra. Contudo, o Dnit não providenciou os encaminhamentos cabíveis e procrastinou o início da execução das ações, comprometendo assim os dois cronogramas. Diante de todo o exposto, entendemos que não cabe imputar à Funai ou às comunidades indígenas qualquer atraso nas obras, que decorrem do não cumprimento, pelo empreendedor, do cronograma que o próprio Dnit propôs.

Hoje, segundo informações, apenas uma família mora realmente na faixa de domínio da rodovia. Há qualquer possibilidade de a Funai liberar as obras no local até junho deste ano, sem que toda a construção da aldeia esteja completamente concluída? E, além da construção da aldeia, a Funai cobra algo mais para liberação do trecho?

Funai – Sim, a possibilidade de liberação existe, mas depende da efetiva realocação da família e realização de vistoria técnica que verifique as condições de segurança e infraestrutura das novas instalações. A única condição estabelecida pela Funai se refere à efetiva realocação.

A construção da nova aldeia não deverá resolver o problema dos índios. Há dois anos, a então cacique foi presa e condenada por tráfico de drogas dentro da aldeia. Dois meses antes, houve um assassinato de um traficante no mesmo local. Conforme relato dos próprios índios, houve pouca ou quase nenhuma intervenção da Funai após esses episódios na tribo. Qual a posição da fundação sobre esses graves problemas verificados na tribo?

Funai – A comunidade de Estrela encontra-se em situação de risco e vulnerabilidade social em função de diversos fatores e deve ser alvo de atenção por diferentes instituições do Estado brasileiro.

Nas ruas de Lajeado, todos os dias é possível verificar índios pedindo esmolas nas esquinas ou dormindo nas calçadas. Alguns receberam consideráveis áreas de terra nos últimos anos aqui na região, mas a produção agrícola é quase zero nesses locais. O que a fundação fez nos últimos anos e o que pode fazer para melhorar a condição de vida dos indígenas no Vale do Taquari?

Funai – Os caicangues não possuem tradição de produção agrícola intensa, e seus usos e costumes devem ser respeitados, conforme dispõe a Constituição Federal. Muitos indígenas confeccionam e comercializam artesanato, o que pode ser constado também no município de Lajeado. Além disso, desenvolvem outras atividades produtivas. Há que se destacar também que o uso e a ocupação do solo no Rio Grande do Sul, baseado na produção agrícola maciça, não pode ser tomado como modelo de desenvolvimento sustentável. É possível constatar em imagens de satélite que muitas terras indígenas da região Sul contam com porções de terra preservadas, contribuindo para a conservação da vegetação nativa e preservação de fauna e flora, questões que favorecem a qualidade de vida de todos os segmentos da sociedade.

Para o dia 15 de março, líderes regionais prometem bloquear a rodovia em protesto contra a decisão da Funai de não liberar as obras. Panfletos foram confeccionados com palavras de protesto contra a fundação. Como encara esse movimento contrário e o que mais lhe preocupa nesse tipo de manifestação?

Funai – Avaliamos que muitas pessoas não detêm informações corretas sobre o processo e as condições legais inerentes ao licenciamento ambiental e à legislação indigenista vigente.

As inconveniências oriundas das restrições apontadas pela Funai radicam-se em uma observação incompleta das determinações presentes nos documentos protocolados pelo próprio Dnit. A leitura minuciosa e integral do Plano Básico Ambiental, bem como o atendimento das instruções dispostas ali e nas licenças emitidas, certamente elidiria as inconsistências e, consequentemente, o atraso que sofre o processo.

O atraso do Dnit no cumprimento das condições legais está devidamente documentado nos processos em trâmite na Funai, no Ibama e no Ministério Público Federal. Preocupa-nos o fato de reforçar imagens negativas relacionadas aos povos indígenas e ao órgão indigenista oficial, daí a necessidade de verificar as informações corretas, observando a legislação e considerando também o bem-estar das comunidades indígenas, respeitando suas especificidades.

Destacamos, por fim, que, apesar do significativo atraso na execução das ações e dos inconvenientes a todos os envolvidos (inclusive Funai e comunidades indígenas), a partir da contratação da equipe de Gestão Ambiental as tratativas entre a Funai e a Superintendencia do Dnit no Rio Grande do Sul melhoraram, a execução está sendo satisfatória e pretendemos receber as edificações da nova aldeia o quanto antes.

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