Escolas enfraquecem e festa de salão ganha força

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Escolas enfraquecem e festa de salão ganha força

Enquanto escolas de samba carecem de recursos e perdem integrantes para festas de salão, Taquari permanece com Carnaval de destaque

Vale do Taquari – Problemas financeiros de várias escolas de samba da região denotam para um problema além do enfraquecimento dos desfiles carnavalescos. Exceto Taquari – com colonização predominante de açorianos –, os municípios do Vale têm dificuldades para encontrar uma direção e estilo para perpetuar os desfiles de escolas no Carnaval. A partir dessa realidade, se fortalecem as festas de salão.

Historiador e sociólogo apontam a cultura local como principal motivo para um Carnaval sem desfiles alegóricos. João Timótheo Machado, historiador, e Daniel Granada, sociólogo, afirmam que cada região do país festeja o Carnaval de forma peculiar. Como causa do enfraquecimento das escolas de samba do Vale, Granada sugere a troca das entidades pelos blocos. “Procuram mais liberdade. Numa escola é preciso pagar mais e se comprometer.”

3Vice-presidente da escola Inhandava, de Bom Retiro do Sul, Lene Petry, 43, reconhece a evasão dos integrantes. Segundo ela, muitos migram aos blocos. Percebe a mudança desde o rompimento de convênios entre festas de salão e escolas de samba. Isentos de ingresso, grande parte dos foliões desfilava para não pagar entrada nos bailes.

A dívida de R$ 8 mil da Inhandava a impede de participar da comemoração neste ano. Cerca de 120 componentes deixam de desfilar. O débito ocorreu devido à desistência de Fazenda Vilanova e Venâncio Aires em receber a escola no ano passado. Com as fantasias prontas e carros alegóricos decorados, não receberam cachê para suprir os investimentos. Conforme Lene, após o episódio a escola formalizará acordos com os municípios. “Era tudo no boca a boca.”

Equipamentos musicais, carros alegóricos e fantasias ocupam o Barracão, sede da Inhandava. Interditado por não ter plano contra incêndio, o espaço permanece trancado. Na parte externa da estrutura, os três veículos acumulam pó, sujeira e abrigam um morador da cidade. Cada carro custou cerca de R$ 3 mil. Foram feitos em 2012.

Reconhecida pela qualidade das alegorias, a escola existe faz 31 anos. Lene planeja reerguer a entidade por meio de venda de lanches e promoção de eventos. Sanará as dívidas com o lucro. A cada Carnaval são gastos, em média, R$ 25 mil. O Executivo repassa R$ 10 mil, e o restante provém de cachês. Para 2015, A Inhandava projeta estrutura luxuosa a fim de retornar à avenida com respaldo.

Nove anos longe das avenidas

Situação semelhante à Inhandava vive a escola Treze de Maio, de Lajeado. Não desfila no Carnaval local desde 2005, por falta de recursos. Se despediu do evento com título de campeã. Alguns componentes da escola frequentaram a Muamba, no ano passado, momento de mais endividamento. Metade do valor das camisetas do grupo está em a ver, cerca de R$ 900.

Integrante há mais de 20 anos e filha da presidente, Karin Alves, 31, relembra de promessa feita pela Secretaria de Cultura e Turismo (Secultur). “Pagariam 50% das camisetas e agora estamos devendo esse dinheiro.”

A mãe de Karin, Nair Nogueira, já fez empréstimos bancários para a Treze de Maio desfilar. Os materiais se deterioram no porão da casa. Eleita Rainha do Carnaval em 2000, Karin deseja voltar a sambar nas ruas da cidade e disputar a premiação pela escola. Para isso, depende de auxílio financeiro do município e de patrocinadores.

Escola desiste de desfilar

Pelo terceiro ano consecutivo, a Guerreiros do Samba, de Encantado, não participa do carnaval local. Os custos elevados das alegorias e vestes e a falta de incentivo do governo e entidades resultaram na desistência da maioria dos cem integrantes.

De acordo com o ex-presidente da escola, Régis Girelli, a falta de auxílio resultou na decisão. O último desfile da escola na cidade ocorreu em 2011. No mesmo ano, a Ala das Baianas apoiou uma escola lajeadense, a qual classificou-se em terceiro lugar no evento regional. Em 2012, houve apenas Carnaval para crianças, em Arroio do Meio.

Um dos fundadores da Guerreiros do Samba, Mário Cesar da Silva, 60, conhecido como “Piada Doce”0, se entristece. Apoiador, passista e por vezes integrante da bateria, relata a dificuldade em manter o grupo sem apoio de fora da comunidade. Cita o samba como único mito à cultura afro na cidade. “Carnaval pra nós é tudo.”

Presidente do Centro Afro Sete Flechas de Oxum e responsável pela Ala das baianas, Odete da Rosa Dutra, (“Mãe Odete”), 67, reforça o enfraquecimento da cultura diante da ausência da escola no desfile. “A cidade perde com isso.”

Relata que a média de custo de cada vestido, só na Ala das Baianas, chega a R$ 1,2 mil, pago por cada uma, com costureira e tecido. Para isso, nenhum auxílio. Mesmo triste, tenta manter a tradição do candomblé, com realização de orações e rodas no terreiro de casa. Ensinamentos são passados para os cinco filhos, 16 netos e 6 bisnetos. A maioria dos familiares também participa da escola.

O município não cita detalhes em relação a incentivos dados aos carnavais anteriores. Para este ano, deve destinar R$ 14 mil de recursos próprios para parte do pagamento das bandas e despesa de deslocamento da escola de Muçum. O projeto ainda não passou pelo Legislativo.

Um dos organizadores, Maurício Horn, comenta a ausência da escola local como decisão da própria entidade. “Não participam porque não têm mais escola.”

O município ainda recebe foliões locais e de outras cidades para desfilar na Passarela do Samba do Carnaval, na rua Sete de Setembro. A tradição, mantida com trabalho voluntário e entusiasmo da comunidade, perdura desde os anos 20.

Mesmo em época de dificuldades nos municípios vizinhos, Taquari fortalece a cultura carnavalesca por meio de investimentos em infraestrutura e incentivo às escolas de samba. Conforme a coordenadora de Cultura, Sabrina Freitas, o clima da cidade se transforma quando a data do Carnaval se aproxima.

Não isenta Taquari de problemas financeiros e de organização em tempos de festejar, mas reforça que o empenho dos munícipes se torna essencial para realização do evento. “O amor vence a dificuldade.”

Escola homenageia cidade

Carnavalescos de Porto Alegre, da escola Império da Zona Norte, representam Taquari no desfile do Grupo Especial de Porto Alegre no Complexo Cultural do Porto Seco. Cerca de 260 taquarienses participam da homenagem na capital, com fantasias alusivas aos clubes de futebol, escolas de samba do município e ao tema Pesquisa.

Nessa sexta-feira, 28, iniciaram os desfiles na Passarela do Samba do Carnaval de Taquari. Neste ano o momento reverenciou Osmarina Reis Sebollela, admiradora do Carnaval de Taquari e entusiasta da escola Batutas da Orgia.

Escolas de outros municípios integram a programação. No dia 28 desfilou a Unidos do Bairro Industrial (Ezubi), de Montenegro. Neste domingo, o Bloco dos Palhaços, de Lajeado, e a Império da Zona Norte, de Porto Alegre, se apresentam em Taquari.

As turmas e blocos de Carnaval da cidade desfilam na segunda-feira, 3. O encerramento do Carnaval 2014 ocorre no dia 4, com desfile das duas sociedades carnavalescas de Taquari, Batutas da Orgia e Irmãos da Opa. O Grêmio Recreativo Alvi Negro promove o Carnaval de salão a partir deste sábado, 1º, até terça-feira, 4.

Historiador esclarece

Entrevista com João Timótheo Esmerio Machado, graduado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atua como professor no Senac Lajeado e colaborador nos projetos da Casa de Cultura do município.

A Hora – A que se deve o enfraquecimento das escolas de samba na região?

João Machado – A partir da invenção da televisão, na década de 60, tentou se implantar um modelo carioca de Carnaval. Foi uma tentativa de padronizar a cultura. Aqui não se encaixa o Carnaval com escola de samba. Precisamos respeitar os hábitos de cada região, cada uma tem sua forma de comemorar, seja com fantasias, danças e costumes. Essa nova cultura implantada aqui “matou” o Carnaval original.

Então, qual o tipo de Carnaval característico do Vale?

João Machado – O tradicional é o popular, com multidões nas ruas ouvindo músicas. Estilo blocos. Além disso, é típico frequentar festas de salão e dançar marchinhas. Até então, o isolamento cultural mantinha as “raízes.” O problema é tentar implantar um modelo que não é nosso, fazer as pessoas aceitarem.

Ainda temos eventos com junção de escolas de diversas cidades. Como avalia isso?

João Machado – Para fazer Carnaval com escolas de samba no Estado é preciso juntá-las de vários municípios. Antigamente, sem essa cultura imposta, cada cidade fazia o seu Carnaval, com blocos e pessoas nas ruas. Hoje, a maioria da população permanece em casa, assiste pela televisão o Carnaval no Rio de Janeiro e São Paulo.

Existem regiões que mantêm a originalidade?

João Machado – Porto Alegre recupera o Carnaval na Cidade Baixa. É o estilo de pessoas bebendo cerveja, com seu bloco e suas “tribos”. Mas há resistência. Alguns reclamam da bagunça, do barulho, porém aos poucos se retoma a tradição. Olinda também continua com o Carnaval original, com trio elétrico e aglomeração de pessoas. Inexiste escola de samba. A festa se destaca justamente por isso, devido ao apelo popular.

Programação 2014

Lajeado. A Secultur está com a programação do Carnaval definida. O desfile dos blocos e das escolas de samba do município ocorre no próximo dia 8, no Parque Professor Theobaldo Dick, a partir das 19h30min. As apresentações seguem com o desfile dos blocos dos Palhaços, Samba Reggae e Apotteoze do Samba. A após, inicia o desfile das escolas de samba Academia do Samba, Só Alegria e Unidos da Folia.

Encantado. As programações deste ano no Carnaval de rua ocorrem no domingo, dia 2. Os foliões terão espaço na esquina das ruas Júlio de Castilhos e Padre Anchieta. Para as crianças, haverá atrações a partir das 17h30min, com brinquedos infláveis e sorteio de brindes.

O desfile inicia às 23h, com a escola Vô Num Vô, de Muçum. Para continuar a animação da noite, se apresentará a banda Alto Astral, DJs e o Som Agitos. A entrada é gratuita e terá equipe de segurança, banheiros químicos e praça de alimentação.

O evento é realizado pela Gaita Produtora e jornal Força do Vale, com apoio da administração municipal e BM.

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