Cruzeiro do Sul e Lajeado – A discussão sobre a redefinição da divisa entre Lajeado e Cruzeiro do Sul começou em setembro de 2013. Isso depois que a Divisão de Geografia e Cartografia (DGC) da Secretaria de Planejamento, Gestão e Participação Cidadã (Seplag) do Estado fez o mapeamento do local a pedido da Administração de Lajeado.
O trabalho de campo ocorreu em abril de 2013, o relatório finalizado no mês seguinte e enviado às prefeituras e ao IBGE em setembro.
Um grupo de moradores do bairro Passo de Estrela organiza um manifesto pacífico para sexta-feira, às 18h, na rua Nossa Senhora de Fátima. Conforme o vereador José Carlos Eckert, o Foguinho, morador da rua da Divisa, eles querem demonstrar sua contrariedade sobre a alteração.
Ele avalia que a revisão do limite foi solicitada em função do Estádio Alviazul. “Se está em solo cruzeirense, que modifiquem a divisa só onde está o campo. Não se muda o território de um município só por causa de uma obra.”
Foguinho diz que a comunidade local quer permanecer cruzeirense. Afirma que a mudança interfere na educação das crianças que estudam nas escolas do Passo de Estrela e até na realização de campeonatos esportivos.
Segundo ele, o assessor jurídico do município, Fábio Gisch, pede a revisão do estudo por meio de documentos apresentados ao Estado.
O secretário de Governo de Lajeado, Auri Heisser, garante que essa discussão ocorre há 20 anos. Desconhece o que motivou a administração anterior a solicitar o novo mapeamento, mas diz que é possível a situação do Estádio Alviazul ter impulsionado.
Conforme ele, a lei que criou o município e estabeleceu os pontos de referência de Cruzeiro do Sul é de 1964 e houve muitas mudanças desde lá. “E a divisão ficou mal-entendida.”
Não entende por que a população do município vizinho cria polêmica sobre o assunto. Aconselha os moradores a procurarem a Assembleia Legislativa que é responsável pela criação da lei. “Lajeado não quer a população, nem propriedades, nem nada. Só queremos conhecer os limites.”
Erros motivam o estudo
A analista de Planejamento, Orçamento e Gestão da Seplag, Laurie Cunha, diz que é comum administrações municipais e instituições questionarem sobre incertezas acerca dos limites entre os municípios.
Os diagnósticos formulados na DGC mostram que as dúvidas surgem por erros e imprecisões nos textos legais. Conforme Laurie, são problemas que podem afetar a oferta de serviços públicos e, em casos extremos, atingir a gestão de recursos tributários.
Nos últimos dez anos, tecnologias de posicionamento por satélite garantiram a precisão na delimitação dos territórios, acentuando os casos de dúvidas na descrição dos limites dos municípios emancipados antes disso.
O estudo de limites ocorre por solicitação das cidades envolvidas, por algum problema detectado pelo Estado ou por outros órgãos, como o IBGE. A situação é analisada com o apoio da legislação que define os limites e do mapa de emancipação. Também são consultadas cartas topográficas do Exército, mapas antigos da região e imagens de satélite.
No caso entre Lajeado e Cruzeiro do Sul, cita Laurie, observou-se erros na redação do trecho norte da lei que estabelece os limites de Cruzeiro do Sul. “O limite descrito está em desacordo com a realidade do terreno.” Agora a redação da lei deve ser alterada para ficar coerente com a situação encontrada.
Depois do estudo, as administrações podem solicitar a correção apresentando uma proposta à Comissão de Assuntos Municipais da Assembleia Legislativa. Com assessoramento técnico da DGC, a comissão analisará a matéria e opinará sobre apresentação do projeto de lei de sua autoria, alterando a lei de criação do município afetado pela correção do limite.
Trabalho de campo
Antes do mapeamento ocorre o estudo sobre a base legal que delimita o município. A partir dos mapas e imagens de satélite consultados, se vai a campo verificar: estradas, nascentes de cursos d’água, travessões, divisas de lotes coloniais e divisas de propriedades.
Conforme Laurie, na região do Vale do Taquari é comum a utilização de travessões e divisas de propriedades nas leis que delimitam territorialmente os municípios, por isso esses elementos sempre são observados.
Moradores das proximidades contribuem com informações sobre o local. A equipe retira pontos de coordenadas com auxílio de aparelho GPS para a confecção dos mapas. Com base na legislação e nas informações coletadas em campo, o mapa do município (constante no Relatório Técnico) é confeccionado.
Os mapas e os relatórios são encaminhados ao município demandante, aos municípios limítrofes que tiveram alguma mudança de interpretação ou problema encontrado e ao IBGE.
Responsabilidade sobre o limite
A descrição dos limites municipais no Rio Grande do Sul se dá por meio de publicação de lei aprovada pela Assembleia Legislativa. À DGC cabe o trabalho de gerenciamento e de dirimir dúvidas.
O limite é mapeado de modo que fique coerente com o texto das leis que delimitam territorialmente o município. Se a descrição na lei é incoerente com o encontrado no terreno, o limite é considerado “em aberto”.
Qualquer município envolvido pode contestar as alterações apontadas no estudo encaminhando uma solicitação formal para a Secretaria de Planejamento, Gestão e Participação Cidadã do Rio Grande do Sul.
Moradores descontentes
A nova demarcação entre os municípios transfere para Lajeado uma escola de Ensino Fundamental, outra de Educação Infantil, um ginásio e a construção do posto de saúde que está em processo de licitação – R$ 408 mil estão liberados para a obra.
Os cruzeirenses que têm os filhos matriculados nessas escolas terão de transferi-los se a mudança se concretizar. As duas instituições somam 114 alunos.
Lorena de Oliveira França, 68, mora há 21 anos na rua Nossa Senhora de Fátima, no lado que permanecerá como Cruzeiro do Sul. Estava contente por ganhar um posto de saúde perto de casa e não ter mais de se deslocar à Vila Zwirtes para retirar os medicamentos.
Ela não compreende por que alterar o limite depois de tantos anos. “Eu quero ver como indenizarão todas essas pessoas.”
Eva Rodrigues, 40, se preocupa com a matrícula dos filhos Arthur, 8, e Gustavo, 8 meses. Depois da nova divisão, a escola e a creche onde estudam pertencerá a Lajeado e ela terá de levá-los de ônibus ao bairro Glucostarck.
O transporte fica caro e os horários interferem no seu trabalho de faxina. Ela sustenta sozinha os dois filhos. “Eu gostaria que ficasse tudo como está.”
Como fica
A rua da Divisa, atual limite entre as cidades, se torna propriedade de Lajeado. A nova divisória fica na rua Nossa Senhora de Fátima. A saibreira está na “linha” que corta os dois municípios e pertencerá a ambos.
Cruzeiro do Sul ganha parte do bairro São Bento e perde uma fatia do bairro Passo de Estrela. O bairro lajeadense Floresta crescerá.