Vale do Taquari – Na avaliação de especialistas, a capacitação do programa esbarra na falta de ações capazes de oferecer autonomia financeira às pessoas. De acordo com o doutor em sociologia e professor da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs), Valter Freitas, é incoerente prometer dignidade para quem está em situação de miséria repassando, em média, R$ 152,67 para a manutenção do lar. Para ele, isso mal permite a uma mãe alimentar os filhos.
Conforme Freitas, o governo precisa investir em “portas de saída”. Cita como fundamental oportunidades de emprego e de aprendizagem. Uma das principais críticas é sobre o salário mínimo. Questiona como uma família pode sobreviver com R$ 678 mensais, na medida em que os filhos precisam estar na escola. “Sem educação, os jovens não terão condições de disputar espaço. A condição, com esse valor, não permite a ele estudar. Precisa trabalhar para ajudar no sustento de casa.”
O especialista pede atenção à condição das famílias beneficiadas pelo programa. Destaca que não pode haver preconceito algum, pois mesmo com esse incentivo muitos vivem em situação desumana. “Esse índice não é de orgulhar a ninguém.”
Se considerada a média nacional de integrantes por família (3,5 pessoas), 7% da população do Vale do Taquari se enquadra em situação de miséria. Na região, 6.602 são beneficiadas pelo programa. Para a presidente do Conselho de Desenvolvimento do Vale do Taquari (Codevat), Cíntia Agostini, esse índice é preocupante para uma região tida como próspera e produtiva.
De acordo com ela, líderes regionais precisam se empenhar para amenizar o problema. O assunto deve entrar em discussões conjuntas e, em paralelo, desenvolver ações capazes de oferecer oportunidades a essas pessoas. “Não adianta apenas dar incentivo. Elas estão em uma situação ruim e precisam de suporte para se tornar autônomas.”
Taquari e Pouso Novo têm maior dependência
Pesquisa aponta acréscimo de 1.093 famílias à lista dos dependentes do Bolsa Família durante os últimos três anos na região. Quase metade do aumento provém de Taquari. A quantia de inscritos na cidade passou de 685 para 1.188 no período. Com isso, o município passa a ter o maior número de beneficiados pelo programa no Vale. A administração municipal não se manifestou sobre o índice.
Em Pouso Novo, o benefício era estendido para 108 moradias há três anos. Segundo dados recentes, caiu para 89. No entanto, a cidade continua sendo a com maior dependência da região em proporção: 14,45% das famílias carecem do incentivo.
O prefeito Luiz Buttini aposta na oferta de cursos de especialização e incentivos à produção primária para baixar ainda mais os números. A maioria dos casos, cita o prefeito, ocorre no interior.
De acordo com ele, algumas famílias deixam de registrar toda a renda para continuar recebendo o incentivo. “Trabalhamos de forma acentuada sobre isso. Sabemos dos casos e estamos buscando uma solução. Mas é difícil.”
Westfália, exemplo nacional
O município ocupa a primeira colocação no país em proporção de famílias beneficiadas pelo programa se comparado ao número de habitantes. Quatro recebem o incentivo em um total de 867 lares. Em 2010, eram cinco.
A boa posição repercute na mídia nacional. Em setembro, a revista Exame publicou a lista completa das cidades, expondo janela positiva ao município. Em segunda colocação está Fernando de Noronha (PE), onde um benefício é concedido para cada 445 habitantes. Depois vêm as cidades gaúchas de São Vendelino, Alto Feliz e Três Arroios.
Para o chefe do Executivo de Westfália, Sérgio Marasca, a posição representa o empenho da comunidade para desenvolver a economia local. Exemplifica o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,75, considerado alto perante os parâmetros nacional.
Segundo o prefeito, a quantia de beneficiados se deve, sobretudo, aos incentivos oferecidos pelo governo municipal. Outro fator que contribui, destaca, é a migração de famílias para outras cidades.
Um sexto dos beneficiados
Lajeado concentra um sexto dos beneficiados pelo programa no Vale do Taquari. São 1,1 mil de famílias. A Secretaria de Trabalho, Habitação e Assistência Social (Sthas) associa a quantia ao fato de a cidade receber muitos moradores de outras regiões à procura de melhores condições de vida. “Com elas, trazem também o benefício da cidade de origem”, destaca a assistente social Ana Paula Ely.
De acordo com ela, o programa pretende oferecer condições mínimas e subsídios para o desenvolvimento da autonomia e emancipação das famílias. A proposta do município de reduzir a dependência se baseia na parceria com o governo federal. Por meio dela oferece cursos profissionalizantes, pelo Pronatec. Destaca que todos recebem acompanhamento do Centro de Referência de Assistência Social (Cras).
“Nossa vida está melhor”
Moradora do bairro Moinhos, no Loteamento Marmitt, em Estrela, a dona de casa Glaucia Fernandes de Abreu, 25, recebe o Bolsa Família há quatro meses. São R$ 200 que ajudam na alimentação dos dois filhos, um de seis anos e o outro com oito meses. “O dinheiro serve para comprar roupa, para alimentação, remédios. Para um monte de coisa”, resume.
Ao nascer a segunda criança, foi até a Assistência Social para fazer o cadastro. Passados cerca de cinco meses, foi selecionada. Sem renda fixa, o benefício é fundamental para a família. O marido, pintor autônomo, ganha menos de R$ 900 para sustentar quatro pessoas. “E as vezes falta serviço ou chove. Daí fica mais difícil. Hoje, para nós o Bolsa Família é fundamental.”
Suzana Alves Saraiva, também de Estrela, tem cinco filhos. Dois maiores de idade. Inscrita no programa, recebe cerca de R$ 190 por mês. Relembra das dificuldades passadas antes de receber a ajuda do governo. “Tinha época que a gente comia pão com ovo ou feijão com aipim.”
Em comparação com o passado, considera a situação de hoje um “mar de rosas”. “A vida da gente está melhor.” O dinheiro do governo serve para material escolar, roupas e comida.
Com pouco estudo, cursou até a 4º série, tenta motivar os filhos a se formarem. “Digo para eles: se a mãe tivesse estudado, não passaríamos tanta dificuldade. Mas na minha época, tinha que escolher entre o trabalho e o colégio.”
Para ela, como há políticas públicas para ajudar empresas e bancos, considera válido também ajudar as pessoas carentes.
Entenda o programa
O Bolsa Família se caracteriza pela reunião de diversos programas herdados pelo governo de Fernando Henrique Cardoso. Se consolidou em 2003, pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva. Busca oferecer transferência de renda às famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, com renda per capita de até R$ 140 mensais. Foi criado para propiciar acesso aos direitos básicos como: saúde, alimentação, educação e assistência social.
Conforme o governo, as famílias extremamente pobres são aquelas que têm renda per capita mensal de até R$ 70. E as pobres, entre R$ 70,01 e R$ 140, que têm em sua composição gestantes, nutrizes, crianças ou adolescentes de até 17 anos.
Cada administração municipal é responsável em cadastrar, digitar, transmitir, manter e atualizar a base de dados, acompanhar as condições do benefício e articular e promover as ações complementares destinadas ao desenvolvimento autônomo das famílias pobres do município.