Vale do Taquari – Em semestre de entrega e apresentação do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), estudantes universitários enfrentam um martírio. Noites em claro, crises nervosas e insegurança permeiam o sentimento dos acadêmicos. Na Univates, até dezembro, 408 alunos apresentam a monografia.
Professores apontam a falta de leitura e o desconhecimento na elaboração de uma pesquisa científica como possíveis causas para tamanho estresse e dificuldade. Por mais que tenham domínio do assunto, as emoções no findar dessa etapa podem atrapalhar no resultado.
Estudante de Administração, Marinês Sopelsa, de Capitão, apresentou a monografia na sexta-feira passada. Foi aprovada, mas sem conhecer a nota. Agora espera a formatura. Trabalhou um ano até conseguir finalizar a pesquisa. Conciliar o trabalho em uma agência bancária com os afazeres domésticos, dividir atenção com o marido e três filhos, estiveram entre os percalços. Contou com ajuda dos amigos, que por vezes davam atenção e cuidavam das crianças.
Sem o hábito da leitura, afirma, o maior problema foi escrever o material. Apreensão frente às dificuldades lhe tirava o sono. “Às vezes dormia sentada, com o livro aberto.” A noite era o melhor horário para avançar com o material, entregue com 80 páginas de conteúdo.
Nas manhãs, acordou diversas vezes nervosa. O frio na barriga por chegar ao fim da etapa e desconhecer o resultado. Medo de reprovação e as crises de ansiedade, diz, a fizeram ganhar peso. “Nunca tinha visto como se faz uma pesquisa.”
Antes de iniciar a monografia, teve disciplina de como montar o pré-projeto. Seguiu à risca tudo que foi definido no semestre anterior. Se tivesse de refazer a linha de investigação, acredita que não teria conseguido finalizar no prazo.
Aliviada com o resultado positivo, planeja as comemorações. “Não fiz nenhuma festa com os formandos por medo. Agora vou comemorar.”
Sofrer por antecipação
Três anos antes de encarar a temida banca, Francine Petter, 28, perdia o sono tentando buscar o norte para o TCC. Foram meses debruçada sobre dezenas de livros. A partir de 2012, restringiu festas nos fins de semana e mudou os programas com o noivo. “Minha vida social virou do avesso.”
O percurso até conquistar a nota 10 pelo trabalho teve linhas tortas. No segundo semestre de 2011, a então estudante de Direito mudou o foco do trabalho que abordava a pedofilia. A troca foi uma sugestão da orientadora. A contragosto aceitou. “Ela me disse que o tema era batido e que deveríamos mudar.”
Com o projeto de pesquisa encaminhado, recomeçou do zero. “Fiquei sem norte.” Francine buscou na profissão do noivo, ligado à construção civil, um rumo para a monografia. Resolveu pesquisar as responsabilidades no setor.
O trabalho rendeu. Mas, no fim de 2012, outra reviravolta. Insatisfeita com as constantes mudanças sugeridas pela orientação, decidiu trocar o professor faltando sete meses para entrega do TCC. “Ela interferia em assuntos que eu considerava importante. Decidi mudar, apesar da dificuldade.”
O perfil da nova orientadora agradou Francine. “Disse que o trabalho tinha que ter a minha cara.” Chegado o período de férias, abdicou das viagens. O sacrifício deu resultado. Entregou capítulos antes do prazo estipulado pela professora.
Seis horas de estudo por dia
Com o projeto de pesquisa montado, Francine dedicou os dois primeiros semestres deste ano à escrita do TCC. A partir das 18h, todos os dias, ficava no mínimo seis horas sobre o trabalho. Em meio a isso, cursava outras seis disciplinas, de segunda a sábado.
“Teve dia que fui até as 4h.” Com a distância do noivo, que mora em Porto Alegre, Francine diz que teve mais tempo para os estudos. Passava a semana inteira sozinha em casa. “A saudade eu contornava com os livros”, lembra.
Os últimos dias que antecediam a apresentação foram de muita leitura e ensaio. Chegou a filmar a própria performance para analisar o conteúdo e cronometrar o tempo de explanação. “A orientação era apresentar tudo em 10 minutos. Isso porque eles já leram todo trabalho.” A orientadora, o noivo e o espelho de casa foram outros expectadores.
A noite que antecedeu a defesa do trabalho foi longa. Apesar de se sentir pronta, sentiu a pressão. A apresentação, marcada para as 10h do dia seguinte. Em 12 minutos, com uma plateia formada por amigos, colegas e familiares, além dos três professores, conquistou a nota máxima. “Antes da apresentação deu um frio na barriga. Mas mudou quando vi o rosto interessado dos avaliadores.”
Pesquisa sem problema
Acadêmico de Jornalismo, Vinícius Flôres, de Encantado, apresenta o trabalho aos avaliadores na próxima quinta-feira, dia 28. Pesquisou o evento Rio +20, ocorrido em junho de 2012. Ele analisou a cobertura feita pelos jornais Folha de São Paulo e Le Monde, da França.
Segundo Vinícius, do jornal brasileiro foram 206 matérias avaliadas. Apesar de assegurar que o TCC “foi um filho que nasceu facilmente”, a busca pelas matérias e a avaliação do discurso lhe tirou o sono.
A maior dificuldade, frisa, foi conseguir escrever frente a quantidade de reportagens. Vinícius analisou textos anteriores ao Rio+20, durante e após o encerramento do evento. O resultado, um material com 210 páginas.
Sobre o drama e o medo da reprovação que cercam muitos dos alunos que fazem o TCC, Vinícius afirmou ser um caso diferente. Segundo ele, não teve nenhum problema com estresse. Neste semestre, o aluno não teve nenhum fim de semana livre. Os momentos eram passados com chimarrão, jornais, leituras, análises e a companhia da namorada.
Falta de pesquisa no Ensino Médio
Também em fase de conclusão, a estudante de Relações Públicas da Univates, Alessandra Maina, teve uma passagem tranquila pela elaboração do TCC. “Ouvindo o relato de amigos, me preparei antes para não passar por esse drama.”
Com a metodologia e o referencial teórico prontos, deixou para o segundo semestre deste ano só a pesquisa de campo e as considerações. “Não gosto de deixar as coisas para a última hora.”
Apesar da antecipação, sentiu dificuldade por não ter tido pesquisa antes. “Não tive um Ensino Médio ruim, mas a preparação para trabalhos tão intensos vem só na faculdade. Mas te digo, no nível do TCC, só o TCC mesmo.”
Passada essa etapa, se sente preparada para fazer novas pesquisas científicas. Diante da avaliação positiva da orientadora, monta um artigo para publicar em revistas eletrônicas sobre Relações Públicas.
Falta de leitura atrapalha escrita
Estudos dizem que o brasileiro lê em média quatro livros por ano. De forma espontânea, apenas um. Conforme o professor da Univates Samuel Martim de Conto, coordenador do curso de Logística, os alunos que leem pouco durante a vida acadêmica enfrentam mais dificuldade para fazer o TCC. “A leitura facilita a escrita, a argumentação. Com isso, o trabalho tende a ser mais rico em detalhes e mais qualificado”, frisa.
Como dicas aos acadêmicos, em primeiro lugar, dedicação à leitura durante a trajetória acadêmica. Para a escolha da pesquisa, indica temas em que o aluno tenha proximidade. Alguma área que desperte o interesse.
Por fim, sugere aos acadêmicos em fim de curso muita dedicação. “Pois estarão iniciando o último trabalho.” Compara o momento com o trabalho de uma empresa. “Após produzir, o bem vai ao mercado. Ele tem de ter qualidade. A mesma coisa com um TCC, pois é o resultado final de um universitário.”
A insegurança no fim de um ciclo
A psicóloga Pamalomide Zamberlan avalia a dificuldade das pessoas perante a pressão imposta pelo TCC. Segundo ela, os acadêmicos passam por mudanças de humor, nervosismo, ansiedade, insônia, irritabilidade em diferentes graus e intensidade.
Para ela, esse quadro está ligado ao fim de uma etapa, diante de uma construção individual com intuito de mostrar a capacidade do estudante. Nesse sentido, além de todos os sentimentos envolvidos dentro da apresentação e avaliação da banca de professores, o fim do curso marca o início da vida profissional. “Inúmeros motivos provocam esse mal-estar todo durante a conclusão.”
Segundo ela, a tensão é normal. Por outro lado, atesta necessidade de controlar o nervosismo para não comprometer o andamento das atividades.
A pressão, afirma Pamalomide, vem do próprio estudante. Por vezes, isso pode funcionar como motivação. Mas também há o oposto, em que esse sentimento torna-se nocivo e passa a comprometer o bem-estar, a saúde emocional e física. “Com esse quadro, a tendência é de as relações afetivas e familiares serem prejudicadas, bem como o rendimento do aluno.”
Segundo ela, há possibilidade de essa angústia se transformar em crises de ansiedade e, nos casos mais graves, causar depressão. Para a psicóloga, os jovens, por terem dificuldade em lidar com as emoções, tendem a sofrer mais. “Em situações limites, a falta de experiência interfere, pois é uma época que coincide com a formação profissional, entrada no mercado de trabalho e todas as exigências do mundo adulto.”
Dicas para reduzir a ansiedade
Conforme a psicóloga, em primeiro lugar, o estudante precisa identificar os fatores para as crises. Pesquisas mostram que exercícios de respiração ajudam no controle da ansiedade;
Alimentação equilibrada. Evitar comidas gordurosas, cafeína e açúcar;
Praticar esportes e separar momentos de lazer e diversão também contribuem para desviar o foco nestes momentos de pressão.