Vale do Taquari – A rotina dos usuários do SUS em busca de atendimento médico começa cedo. O sol nem havia saído e o casal de aposentados Dalva e Orestes Giovanella, morador de Lajeado, do bairro Conventos, já estava em frente à Estratégia de Saúde da Família (ESF). Eram 2h50min dessa terça-feira. O posto abre às 7h30min.
Precisavam renovar as receitas e conseguir os remédios para pressão arterial e controle do colesterol.
As consultas ocorrem pela manhã. Desde a saída do médico contratado para 40 horas, o serviço piorou, afirmam os pacientes. “Moro há dez anos aqui, nos últimos dois meses passou a ter filas quase todos os dias”, conta Dalva.
Desde a mudança, os atendimentos passaram a ocorrer só pela manhã. Uma médica atua de forma emergencial. Com isso, o total de fichas por dia também diminuiu. A média era de 14. Agora varia entre cinco a 12.
Como o casal, outras sete pessoas madrugaram por uma das dez fichas daquele dia. Seis para renovação de receita.
Os aposentados Isolde, 57, e Eldo Neitzke, 60, chegaram às 4h. De acordo com Isolde, a cada seis meses é preciso voltar ao posto para atualizar a requisição. A mesma situação se aplica ao casal Sílvio Guilante, 48, e a mulher Jandira, 44. Desde às 4h10min na fila. Além da espera, Neitzke reclama da falta de medicamentos na farmácia básica. “Precisei do hidroclorotiazida e não consegui.”
Já a doméstica Ilse Krumenauer, 59, que chegou às 3h45min, sentia dores nas pernas e nos pés. “Estou desconfortável. Preciso de uma consulta.”
A empresária Sirlene Hammes, 29, reside no bairro Conventos há cinco anos. Desde 2012, evita frequentar o posto devido à dificuldade para conseguir fichas. “Trabalho até tarde, não irei de madrugada para disputar atendimento.” Descontente com o modelo imposto, cobra mudanças. Caso semelhante em Estrela e Encantado.
A situação de Lajeado também é percebida em Estrela e Encantado. O modelo de distribuição de fichas por ordem de chegada obriga os pacientes a acordar cedo. Da chegada ao posto, até a consulta médica, a espera pode ultrapassar oito horas.
Os governos estudam mudanças. Instituir formas de atendimento baseado no grau de urgência, como é feito nos prontos-socorros, surge como uma alternativa. Outra, é manter uma central de regulação de consultas, modelo usado em Cruzeiro do Sul.
Secretário reconhece problema
Conforme o secretário de Saúde de Lajeado (Sesa), Glademir Schwingel, são necessárias adequações na forma de distribuição das consultas. Reconhece dificuldades na ESF de Conventos devido à mudança no quadro médico. “Estamos procurando outro profissional para atender 40 horas por semana no bairro.”
Um novo modelo deve ser implementado nos próximos meses. Depende da avaliação feita sobre o projeto desenvolvido no bairro Conservas. Há cerca de três meses, a definição das consultas depende da situação do paciente.
Todos que chegam ao posto de saúde passam por uma triagem. Em seguida, são definidos os atendidos no dia. “Alguns ficaram descontentes, pois há chance de não serem recebidos por um médico”, conta.
Esse acolhimento objetiva melhorar o acesso da população às consultas, com uma organização adequada da agenda.
A experiência passa por uma avaliação em dezembro. Caso parecer favorável, o formato deve ser implantado em todos os postos, ESFs e unidades de saúde de Lajeado.
Segundo Schwingel, a ideia é evitar casos como o visto na madrugada de terça-feira em Conventos, em que a maioria buscava a renovação de receita. Pelos dados da Sesa, mais de 50% das consultas são questionáveis do ponto de vista da necessidade. Entre os casos, pessoas em busca de atestado médico para justificar faltas no trabalho. “Elas têm de entender que consulta médica não é para isso. Temos que educar a população, que precisa entender que o sistema de saúde não é para burlar trabalho.”
Levantamento da secretaria mostra que houve 40.854 atendimentos de janeiro a setembro. Por mês, a média chega a 10 mil consultas médicas.
Uma das possibilidades, o agendamento por telefone, é tido como ineficiente por Schwingel. Com base no exemplo de Porto Alegre, em que 40% das pessoas faltam no dia marcado, refuta adotar essa medida.
Mais médicos nas ESFs
Entre os problemas citados pelo secretário está a rotatividade de médicos. A dificuldade em manter os profissionais exige a procura constante para reposições. Em Lajeado, 47 atuam no sistema público municipal.
Atuam em postos de saúde do município seis pediatras, cinco ginecologistas, três psiquiatras, um cirurgião, um dermatologista, e um gastroenterologista. O restante da equipe é formada por 30 clínicos-gerais.
O município busca no Ministério da Saúde (MS) mais dez médicos. Em Lajeado, do total de idas ao posto, 66% são básicas. O problema envolve o encaminhamento para especialistas.
Em torno de 25% desses serviços precisam ser encaminhados para outros municípios, como Taquari, Canoas e Porto Alegre. “Temos um gargalo nesse aspecto. Precisamos contratar serviços via Consisa.” Pouco menos de 10% dos atendimentos no município são de urgência e emergência.
Central de marcação terminou com as filas
Em Cruzeiro do Sul, os usuários do SUS agendam as consultas na sede da Secretaria de Saúde, no Centro. As pessoas vão durante o expediente e marcam os procedimentos, nos casos de menor urgência. O tempo de espera por atendimento pode chegar a 15 dias.
O modelo agrada a população, pois inexistem filas durante a madrugada. O agricultor Silmo Kerch, da localidade de Boa Esperança, avalia o serviço como satisfatório. “Melhor esperar alguns dias do que ter que enfrentar uma fila na madrugada.”
De acordo com a secretária da Saúde, Rosecler Mallmann, cerca de 40 fichas com o médico clínico-geral são distribuídas por dia. “É difícil sobrar consultas pela manhã.”
Em média, 450 consultas são prestadas a cada mês. Ao todo, quatro médicos atendem no posto e três em consultórios. A secretária ressalta a necessidade de ter mais um médico. Neste ano o orçamento impossibilitou a contratação.
“Ou venho cedo ou fico sem ficha”
Em Encantado, há oito postos de saúde em funcionamento. Por mês, o número de consultas chega a 1,7 mil.
Três das unidades têm atendimento médico semanal: Barra do Guaporé, B. do Coqueiro e Linha Argola. Em média são 15 fichas no dia. Os demais postos têm atendimento diário. O Centro tem a maior demanda, atendendo 17 comunidades. É o único que não fecha ao meio-dia.
O posto distribui cerca de 60 fichas diárias, para clínicos-gerais e pneumologista. Há mais dois pediatras, com cerca de 80 fichas por semana. Os atendimentos ocorrem conforme a ordem de chegada.
Alguns pacientes chegam por volta das 5h30min. Como foi o caso da aposentada Aide Frigeri, 62. Moradora do Centro, costuma buscar ficha para o marido, com dificuldade de locomoção devido a uma hérnia de disco. “Ou venho cedo ou fico sem ficha.”
A distribuição de fichas ocorre só pela manhã. Alguns médicos iniciam o trabalho às 8h, outros à tarde.
Conforme o secretário de Saúde, Marino Deves, a rede do município oferece diferentes modelos para consultas. Para reduzir o tempo de espera, os médicos começam a atender às 7h30min. “O sistema não é perfeito, mas damos conta da demanda”, afirma.
Segundo ele, a cobertura de atenção básica no município, confirmada por meio das visitas dos agentes de saúde, alcança 100% da população.
Filas em Estrela
Em Estrela, as ESFs oferecem em média 12 consultas por dia. Na madrugada dessa sexta-feira, nove pessoas estavam na fila. Eram 5h25min e Elizete dos Santos, 45, tentava atendimento para a neta, diagnosticada com varicela.
A intenção foi obter um atestado para ser entregue à escola. “Por algo simples, estou tirando o lugar daqueles que precisam”, reconhece.
O município oferece a metade das consultas por telefone. Segundo Elizete, esse método dificilmente funciona. “A gente liga, ou está sempre ocupado, ou ninguém atende.”
Outro problema citado pelos usuários do SUS no município é a falta de medicamentos. Elizete recebia o omeprazol, para problemas gastrointestinais, agora precisa comprá-lo. A cada dois meses, renova a receita e, para isso, necessita retirar ficha.
Conforme o governo, nesses casos, os pacientes podem retirar os remédios em estabelecimentos cadastrados no programa do governo federal Farmácia Popular. As pessoas devem apresentar a receita e documento.
No bairro Moinhos, que atende também pacientes do loteamento Marmitt, um dos mais carentes da cidade, as filas começam a se formar próximo das 6h. O atendimento é elogiado. Conforme Maria Cristina da Rosa, 52, o serviço é ágil. “Os profissionais são muito atenciosos. Conseguimos o que precisamos com facilidade.”
Selma Pedroso concorda com Cristina. Segundo ela, próximo das 6h30min, a equipe de enfermagem começa a triagem dos pacientes. “Aquele em situação mais delicada é encaminhado para o hospital.”
No posto central, local com maior número de atendimentos, a acolhida dos pacientes começa às 6h. “Fizemos isso para evitar que as pessoas cheguem de madrugada e fiquem na rua”, conta o secretário de Saúde, Elmar Schneider.
Pelos dados da secretaria, por mês a média de consultas chega a 4,8 mil. O que representa 15,8% da população de Estrela.
Conforme Schneider, em 2014, o município contratará mais dois médicos para atuar nas ESFs dos bairros Moinhos e Imigrantes.