Vale do Taquari – As previsões se confirmaram. Foram 219 milímetros de chuva desde o início da tarde dessa quinta-feira. Mais de 400 famílias deixaram as casas. Muitos foram acolhidos por amigos ou parentes. No entanto, a maioria precisou de auxílio para se acomodar em ginásios municipais, onde devem ficar até o fim desta semana. Não há registro de mortos ou feridos. Previsão é de sol e frio para o restante da semana.
O nível do rio Taquari atingiu o pico de 23,83 metros em Estrela no fim da noite de domingo. Mais de 10 acima do normal, o suficiente para saturar a capacidade de vazão dos principais afluentes. O porto fluvial ficou submerso. Os arroios Engenho, Encantado, Saraquá, Boa Vista e Estrela, transbordaram e invadiram ruas centrais e residências.
Lajeado foi a cidade mais afetada. São mais de 100 famílias desabrigadas ou desalojadas desde a madrugada de sábado para domingo. A maioria dos flagelados foi encaminhada aos pavilhões do Parque do Imigrante.
A retirada das pessoas começou com duas horas de antecedência. Eram meia noite de domingo, quando os moradores ribeirinhos ao Rio Taquari e do Arroio Sampaio começaram a ser levados pela Defesa Civil. Cerca de 20 caminhões ajudaram no transporte dos móveis e das famílias.
Morador do bairro São José, Douglas Bueno saiu com a mulher, a sogra e seis cunhadas às 4h de domingo. Calcula que será necessário no mínimo um mês até poder voltar para casa. “É arriscado voltar antes. Pode vir uma nova enchente.”
Júlia Longhe acompanhava com a filha o avanço da enchente. Quando chegou aos 23 metros, isso próximo das 11h de domingo, teve que deixar a residência. Para ela, o trabalho rápido da Defesa Civil foi fundamental para evitar alguma tragédia.
Conforme o comandante da Defesa Civil na região, o tenente-coronel Vinícius Renner, diferente de outros anos, os moradores não resistiram ao pedido para sair das casas. Com a redução das chuvas, a preocupação agora são os deslizamentos.
No início da tarde, o prefeito Luís Fernando Schmidt recebeu uma ligação do governador Tarso Genro, colocando a estrutura do estado à disposição do município.
Problemas em outras cidades
m Estrela são 22 famílias instaladas no ginásio junto ao Colégio Martin Luther. Outras 76 tiveram de deixar as casas para se abrigarem em residências de amigos ou parentes. Os bairros mais atingidos foram o Marmitt, Chacrinha, Indústria e Imigrante.
Na cidade de Arroio do Meio o número de famílias desabrigadas ou desalojadas chega a 70. O trabalho de retirada das famílias iniciou às 3h de domingo na rua Campos Sales, bairro Navegantes, e imediações do Centro. Conforme o coordenador da Defesa Civil, Antenor Francisco Santos, a ação envolveu cerca de 50 funcionários públicos e voluntários, além dos 20 caminhões da secretaria de Obras e Agricultura.
As famílias desabrigadas foram encaminhadas aos ginásios de Rui Barbosa, loteamento Glória e na sede da comunidade luterana São Paulo, Centro. Santos finaliza um Plano de Contingência, onde estará registrado as áreas inundáveis. O documento de 50 páginas será entregue ao Executivo e distribuído para famílias ribeirinhas.
Outros municípios também foram atingidos pelas cheias. Em Taquari, são 48 desabrigados. Outras quatro famílias tiveram de buscar abrigo em casas de familiares em Colinas. Lá, o rio Taquari invadiu a várzea localizada na entrada do município, e também invadiu um trecho de quase 500 metros da ERS 129. Duas famílias de Bom Retiro do Sul também ficaram desabrigadas.
“Não dá para esperar pela água”
No município de Encantado, o primeiro bairro atingido foi o Lagoa Azul. Na madrugada de domingo, a água invadiu o campo de futebol na rua Leonel Sangalli. Em seguida, a Vila Moça teve o parque multiesportivo submerso. Foram 62 famílias levadas para alojamentos instalados no Parque João Batista Marchese e no salão comunitário do bairro Nossa Senhora Aparecida. Pelo menos outras 20 se abrigaram em residências de parentes.
Segundo o coordenador da Defesa Civil do município, Getúlio Leonel Nunes, nenhuma casa ficou submersa. “Por precaução, fizemos as remoções.” Cerca de 20 caminhões foram usados no transporte dos móveis, parte destes cedidos por outros municípios e por empresas. A máxima registrada na cidade foi de 15,36 metros, às 11h de domingo. Ontem, baixou cerca de três metros durante a tarde. O nível normal das águas na parte alta do Vale é de 2,5 metros.
O pastor Jesus Dutra dos Santos, 43, é uma das 1,4 mil pessoas que moram em área de risco na cidade de Encantado. Há sete anos no bairro Navegantes, ficou desabrigado pela terceira vez. A primeira foi em 2008. A resistência em sair resultou na perda de todo o imobiliário e pertences da família. “Não dá para esperar pela água.”
Desta vez, na marca dos 15 metros, Santos retirou toda a família do bairro. Com ele, saíram os cinco filhos, duas noras, um genro, quatro netos e a mulher. Para o filho Lindomar, 28, foi a primeira experiência com enchente. Há um ano na cidade, pretende buscar outro lugar para sua mulher e três filhos. Reclama da falta de investimentos municipais no bairro. Sugere a busca por formas de escoamento da água e trabalho de reestruturação do leito do rio.
Já, Santos, pretende voltar para casa assim que possível. Mesmo ciente da área de risco, gosta do lugar e da proximidade do centro da cidade. Cita a falta de condições financeiras como principal empecilho à compra da casa própria em outro terreno.
Bacia Taquari-Antas determina intensidade da enchente
– O Vale do Taquari está situado entre vales. A intensidade das cheias depende do volume de água despejada no Rio Taquari pelos rios Guaporé, Carreiro e Rio da Prata. Os três acumulam as chuvas de parte da região serrana do estado. A quantidade de milímetros nas cidades de Nova Prata, Santa Teresa, Guaporé, Cotiporã, Veranópolis, por exemplo, são determinantes para a elavação do Taquari.
– O aumento do nível do Taquari em Encantado determina a intensidade da cheia na região de Estrela. O tempo para o volume se deslocar entre uma cidade a outra é de aproximidamente seis horas. Ao longo do percurso, afluentes como o Forqueta aumentam a quantidade de água a chegar na parte baixa do Vale.
– A cota máxima do Rio Taquari chegou a 23,83 metros. A cheia ficou abaixo das históricas registradas na região. A maior foi em 1941, quando as réguas marcaram 29,92 metros.
Estradas fechadas e problemas na cidade
O acumulado de 219 milímetros de chuva ocasiona diversos percalços aos moradores das cidades e escancara a falta de infraestrutura dos municípios. Nas ruas das cidades, o trânsito fica mais difícil. Sinaleiras, em pane, aumentam os riscos de acidentes.
Em Lajeado, sair de automóvel foi um exercício de paciência. Com algumas vias interrompidas, o tráfego dos ônibus foi transferido. Estão interditadas as ruas João Abott, Júlio May, Santos Filho e Décio Martins Costa. No bairro Carneiros a rua Bento Rosa e no Bairro Conservas a Av. Beira Rio permanecem fechadas.
Os trajetos dos ônibus na área central foram modificados para a Av. Benjamin Constant e à rua Júlio de Castilhos. Trinta fiscais de trânsito fazem a orientação aos condutores.
Em Estrela, a ponte do bairro Oriental em direção ao centro permanece submersa no Arroio Estrela. Na rua São Roque, entrada do loteamento Marmitt, é impossível a passagem de veículos.
O barco é alternativa para os moradores. Lucas Henrique Pedrassani, 20, ajuda os vizinhos na travessia. Na tarde de ontem, atravessava os cerca de 200 metros. A rua liga o loteamento ao bairro Oriental, mais próximo do centro. Diferente da enchente de 2011, a passagem pelo bairro Moinhos ficou transitável.
As águas do Rio Taquari invadiram a ERS-129 e fecharam a entrada ao município de Colinas. No acesso secundário, da entrada à Estrela até o centro do município, são 40 quilômetros.
Na ERS-453, há o risco de desmoronamento. Entre Boa Vista do Sul e Westfália, o cenário mudou. Em alguns pontos da rodovia, cascatas foram formadas pela água da chuva nas paredes de pedra que margeiam a estrada. Em alguns pontos, a água invadiu a pista, e o risco de aquaplanagem é grande.
“O pior é limpar o que fica”
Cerca de dez famílias atingidas pelas cheias estão abrigadas no ginásio municipal de Cruzeiro do Sul. Em 30 anos, a família Rash já passou por mais de 20 enchentes. Moradores de Vila Schwirtz, os oito integrantes estão habituados aos transtornos. “Esperamos a água baixar e voltamos pra casa.” Neste ano, foi possível salvar a maior parte dos móveis e utensílios domésticos. Apenas o roupeiro ficou na casa. Eonilda Rash, 48, diz que não há previsão de retorno à residência.
Há pouco mais de um ano residindo na cidade, Gelci de Almeida, 30, nunca havia morado em área de risco. “Sabia da possibilidade de enchente, mas não acreditei.” Reside no centro com o marido e duas filhas de três e nove anos. A água não invadiu a moradia, porém não quis arriscar. Os planos, após deixar o ginásio, é de procurar outra residência.
Rogério Corrêa, 39, não se espanta com as cheias. Residente em Vila Schwirtz durante toda a vida, conta que está acostumado com a enchente. “De dois em dois anos dá isso.” Não sabe dizer quantas vezes teve de se deslocar ao ginásio. Parte dos móveis de Rogério e sua mulher foram levados às casas de parentes.
Natural de Recife, Flávia Maria Mercedes, 38 veio ao sul do país a trabalho. Há sete anos no Vale, é a primeira vez em que se depara com as cheias. Moradora de Vila Schwirtz, decidiu sair de casa devido ao risco de deslizamento de terra. “A água não chegaria lá, o perigo é desabar.” As duas filhas, de dois e três anos, estão abrigadas na casa da chefe de Flávia. Junto ao marido, espera pela liberação das áreas atingidas pela enchente.
A água tomou ruas do centro. Clicéria Gatti, 69, reside há 17 anos em frente ao campo de futebol. Em 2001 a enchente invadiu a casa da família e estragou grande parte dos móveis. Para evitar novos prejuízos, construíram uma elevação no chão da cozinha. “O pior de tudo é limpar o que fica.”
R$ 2,7 milhões impediram inundação
Em Roca Sales, quatro famílias foram removidas de suas casas. Duas, da Linha Júlio de Castilhos, foram levadas para o Centro Social Urbano (CSU). As demais, formadas por moradores do centro, foram para casa de parentes.
A água atingiu pelo menos quatro estradas do interior. Entre elas, o asfalto em direção a Linha Júlio de Castilhos, que permanecia interditado na tarde de ontem. O nível máximo do rio chegou a 15,36 metros, às 12h de domingo. Nessa segunda-feira, marcou menos de 12 metros durante a tarde.
Mas os danos poderiam ser maiores. Uma galeria construída nos fundo da empresa Seara impediu a invasão das ruas centrais. Com extensão de 141 metros, custou R$ 2,7 milhões. Foi o investimento mais caro feito no município nos últimos anos.
R$ 793 milhões para o Estado. Nada ao Vale do Taquari
Em dezembro de 2012, o Estado foi contemplado com R$ 793 milhões no Plano Nacional de Gestão de Desastres Naturais. Os recursos dirigidos à prevenção de cheias e desastres naturais são oriundos do PAC da Prevenção, coordenado pelo Ministério do Planejamento. São R$ 543 milhões diretamente do Orçamento Geral da União (OGU), e outros R$ 250 milhões em financiamento via Caixa Econômica Federal.
De acordo com o assessor técnico da Secretaria Estadual de Planejamento (Seplag), Rafael Prestes, mais de 100 projetos foram encaminhados a Brasília para apreciação. Entre eles, havia um solicitando recursos para a bacia dos rios Taquari e Antas. Apesar da necessidade e comprovada urgência em investimentos no setor, a proposta de investimentos no Vale do Taquari não foi contemplada.
Prestes lembra que a Seplag teve pouco mais de uma semana para compilar e entregar os projetos à União. Admite que faltou tempo hábil para a melhor confecção dos projetos. Segundo ele, a gravidade dos desastres foi um dos critérios de escolha. “O governo federal deu prioridade para regiões onde os desastres naturais culminaram em óbitos e maiores prejuízos nesses últimos anos.”
Foram contemplados nove projetos para ações em três bacias hidrográficas do Estado – bacia Baixo Jacuí-Guaíba; Bacia do Gravataí e Bacia dos Sinos. A elaboração foi feita pelas Secretarias do Planejamento, Gestão e Participação Cidadã e de Obras Públicas, Irrigação e Desenvolvimento Urbano, por meio da Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano (Metroplan).
Do total de R$ 793 milhões disponibilizados pelo governo federal, R$ 718 milhões serão para construção de cinco barragens, regularização de vazões e contenção de cheias em arroios. Outros R$ 74,5 milhões serão investidos em projetos técnicos e executivos.
O plano contempla ainda construções de diques, casas de bombas e canais em pelo menos sete municípios: Porto Alegre, Viamão, Alvorada, Rolante, Taquara, Novo Hamburgo e Eldorado do Sul. A previsão é de que as obras iniciem no primeiro semestre de 2014.
Sensores possibilitam melhores informações
Os investimentos em tecnologia para o monitoramento das águas devem dar mais tempo de resposta à Defesa Civil e aos municípios. A Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais (CPRM) quer finalizar a instalação das nove estações telemétricas nos próximos . Os sensores permitem a leitura constante e acompanhamento preciso do volume de chuvas e evolução do nível do Rio Taquari.
Ao todo são nove instrumentos. O primeiro foi colocado em Estrela, no porto. Encantado e Muçum serão outras cidades do Vale a receber o sensor. Os demais serão instalados nos outros municípios que formam a Bacia Hidrográfica Taquari-Antas.
O custo do projeto é de R$ 436 mil, pago pelo governo federal, por meio do Programa de Aceleração de Desenvolvimento (PAC). No estado, a bacia hidrográfica do Caí já tem o modelo.
A Univates também investe no sistema de alertas. A proposta é recuperar o modelo que funcionou entre 2003 e 2007, desativado pela pouca funcionalidade. A previsão é instalar até o fim do ano sete linígrafos e dez pluviômetros. Serão colocados em diversos pontos do Rio Taquari e seus principais afluentes.
O objetivo é monitorar do nível das águas, afim de realizar previsões e alertas de inundações para a região mais afetada do Vale do Taquari, em especial Lajeado, Estrela e Encantado. Os equipamentos estão em testes. Cerca de R$ 200 mil foram destinados pela Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado para viabilizar o projeto.
Serão colocados outros três aparelhos no Rio Forqueta, em Marques de Souza, e em dois pontos do Rio Guaporé, e em Doutor Ricardo. Outros três pontos serão monitorados. Também espera-se colocar réguas no Rio Carreiro, Rio das Antas, em Antônio Prado, e próximo da barragem do Rio Taquari.
Rodovias interrompidas
ERS-129, entre Mariante e Bom Retiro do Sul, do quilômetro 0 (zero) ao km 7,5;
ERS-129, entre Bom Retiro do Sul e Estrela, do quilômetro 12 ao km 19;
ERS-129, entre Estrela e Colinas do quilômetro 44 ao km 52;
ERS-130, entre General Câmara e Mariante, do quilômetro 12 ao 36;
ERS-130, entre Mariante e Cruzeiro do Sul, do quilômetro 36 ao 63.
Histórico de enchentes
Desde 1940, o Vale do Taquari registra 51 enchentes. A maior delas ocorreu no dia 6 de maio de 1941, quando o rio Taquari atingiu nível de 29,9 metros. Em abril de 1956, o nível chegou a 28,86. Depois disso, o máximo registrado foi de 26,95, em outubro de 2001. Há dois anos, em julho de 2011,a comunidade da região conheceu a quinta maior inundação da história: 26,85 metros.
Grasiela Cristina Both, coordenadora do Centro de Informações Hidrometeorológicas da Univates
Jornal A Hora – Quais os rios e arroios que desembocam no Rio Taquari e causam a enchente?
Grasiela Cristina Both – Os principais rios de grande contribuição para o aumento do nível do rio Taquari são: o rio Forqueta, rio Guaporé, rio Carreiro e rio da Prata.
Quanto de chuva nesses pontos precisa cair para dar enchente?
A chuva precisa ocorrer de forma bem distribuída em toda a bacia hidrográfica Taquari-Antas, para que ocorra elevação do nível do rio Taquari na região. Segundo estudos realizados por uma equipe da Univates, é necessário ocorrer em média uma chuva de 80 mm de maneira homogênea na bacia hidrográfica.
Qual o tempo médio para descer essa água?
Tem-se apenas informações sobre este aspecto no trecho Encantado-Estrela. Após o pico da enchente em Encantado leva em torno de 6 horas para ocorrer o pico em Estrela.
Qual a interferência da localização geográfica do Vale do Taquari nos índices de cheias?
O Vale do Taquari está situado numa região de vales, onde ocorre o acúmulo das chuvas que caem sobre toda a bacia hidrográfica (regiões mais altas / cabeceiras) e, assim, apresentam planícies de inundação que favorecem o extravasamento das águas nos períodos de altas precipitação pluviométricas. É importante destacar outro fator contribuinte para os problemas associados ao transbordamento das águas do rio, que é a ocupação das ribeirinhas pela população.
Chuva deve parar hoje
De acordo com o Centro de Informações Hidrometeorológicas (CIH) da Univates, a chuva deve parar hoje. A frente fria que estava estacionada sobre o estado, se e permite, aos poucos, a melhora do tempo.
Nas primeiras horas, haverá ainda muitas nuvens na região, que poderão resultar em chuva fraca. Segundo a auxiliar técnica do CIH, Roberta Kurek, o céu tende a abrir amanhã, podendo ocorrer aberturas do sol na região. E com a melhora do tempo a sensação de frio aumenta. A previsão é de temperaturas entre os 5°C e 13°C.
As manhãs serão frias, mas a cada dia com menos intensidade. As tardes aquecem rapidamente ao longo da semana e as marcas podem ficar em torno dos 25°C na sexta-feira.