Politécnico mostra dilema em novo modelo de ensino

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Politécnico mostra dilema em novo modelo de ensino

Implantado em 2012, mudança no Ensino Médio desagrada docentes e estudantes. Nos últimos dias, alunos faltaram aulas para pedir o fim do Politécnico

Vale do Taquari – Insatisfeitos com o Ensino Politécnico, alunos de duas escolas públicas de Lajeado protestam contra o modelo imposto pelo estado em 2012. Desde a segunda-feira, um grupo de estudantes dos colégios Presidente Castelo Branco e Érico Veríssimo faltam aulas para exigir o fim das atividades.

Cada turma tem um encontro semanal em turno oposto às disciplinas curriculares. Nos encontros, aprendem as bases iniciais para o desenvolvimento de pesquisas científicas. Os argumentos dos estudantes para o insucesso concentram-se em dois aspectos: despreparo dos professores e a pouca estrutura das escolas.

As críticas seguem a posição do CPERS/Sindicato. A secretária geral da entidade, Maira Ávila, diz que há divergências na conceituação e implantação na rede estadual.

Na opinião da sindicalista, o governo reduz o conhecimento repassado aos alunos devido aos seminários integrados. A carga horária necessária para o desenvolvimento dos projetos, afirma Maira, interfere no andamento das aulas curriculares.

Uma das propostas do modelo é trabalhar os conteúdos didáticos de forma integrada, em uma perspectiva interdisciplinar. Segundo ela, isso tira do professor a característica de especialista em determinada matéria. “Somos a favor desse trabalho, mas sem tirar a quantidade de aulas específicas que os alunos tinham antes.” Em termos gerais, Maira acredita que haverá prejuízo aos estudantes da rede pública para concorrência em vestibulares e no ENEM.

A coordenadora da 3ª Regional de Educação (CRE), Marisa Bastos, discorda das críticas. Para ela, como se trata de algo novo, há uma resistência comum. Afirma que os professores passam por treinamentos constantes. “Pela carga horária, os professores tem 30% desse tempo para estudos e formação.”

Marisa relata que as escolas tem recebido verba do estado para investir em encontros, seminários e palestras. “Os colégios tem liberdade para desenvolver o método mais viável para sua realidade.” Segundo a coordenadora, se há falhas pontuais, a 3ªCRE está aberta para o debate com as direções, professores e alunos.

Sobre as condições das escolas, garante que a maioria tem estrutura para o aprendizado. Na região, são 42 escolas estatuais. Nesse ano, as oito maiores receberam recursos suplementares para compra de materiais, equipamentos e melhorias dos laboratórios.

De acordo ela, a partir do ano que vem, todos os colégios estaduais da região receberão a verba, que vai de R$ 30 mil até R$ 100 mil.

Em suma, Marisa reforça que a proposta força uma mudança cultural. As aulas expositivas, em que o aluno é mero receptador de conteúdo perde espaço para a tentativa de desenvolver a análise crítica. O resultado, segundo ela, está na evolução dos trabalhos apresentados pelos alunos.

Multidão cala 3ª CRE

Nesta terça-feira, a coordenadora da 3ª Regional de Educação (CRE), Marisa Bastos, esteve com oito representantes dos alunos. Ouviu as reivindicações e reconheceu necessidades de adequações. “Vamos melhorar nos pontos que estão a desejar”. Sugeriu a elaboração de um ofício com as propostas dos estudantes.

Em seguida, foi convidada pelo grupo para falar aos demais. No auditório do colégio Presidente Castelo Branco, cerca de 300 estudantes acompanharam o pronunciamento.

Interrompida por vaias, deixou o local. Em seguida, os alunos organizaram uma passeata pelo centro. Em meio ao tráfego, impediram a passagem de veículos na rua Júlio de Castilhos e na Av. Senador Alberto Pasqualini.

Protestos continuam

Em menor número do que na terça-feira, os manifestantes voltaram às ruas ontem. Cerca de cem estudantes aderiram à passeata. Conforme integrantes do grupo, o movimento segue até o fim de semana. Na segunda-feira, haverá assembleia entre alunos e professores das duas instituições.

Alunos do 2º ano do colégio Érico Veríssimo, Brendon Vieira, Caroline Keller, e Bianca Rodrigues acreditam que o modelo prejudica os estudantes. Para eles, o projeto do estado é interessante, mas difícil de implementar em pouco tempo. “Os professores estão perdidos. Não sabem o que dar”, exemplifica Brendon.

Para eles, seria necessário reduzir o número de horas dos seminários integrados. Conforme Bianca, os temas são muito amplos e os alunos não conseguem ver benefício. “Vamos estar despreparados para o vestibular.”

De acordo com os estudantes, as reivindicações foram discutidas na escola. Com o insucesso diante de alguma alteração, resolveram se unir aos protestos.

Segundo a diretora da escola, Denise Labres, mesmo com as críticas, há evolução nos trabalhos e pesquisas realizadas pelos alunos. Diz que no ano passado, havia muita resistência dos professores, mas que isso tem diminuído. Na instituição, cerca de 15 educadores integram a equipe dos seminários. São oito períodos por semana.

Para a vice-diretora da escola, Rosane Fátima Postal, a onda de protestos pelo país influenciaram os estudantes a sair às ruas. Na visão dela, a maior autonomia proporcionada aos alunos trouxe insegurança. “Eles estão acostumados a receber o conteúdo pronto. Essa novidade assusta.”

“Os professores estão angustiados”

Professora de sociologia da escola Presidente Castelo Branco, Magali Schnorr, avalia de forma positiva a manifestação dos alunos. Conta que a insatisfação dos estudantes era percebida a mais tempo.

Para ela, a falha não é só de um. “A CRE está colocando tudo nas costas dos professores (sic).” Magali lembra que professores formados até 1990 não apresentavam pesquisa para conclusão do curso. “Não existe faculdade de seminário integrado.”

Atesta interesse dos educadores em contribuir, mas falta conhecimento técnico. “Os professores estão angustiados.”

Professor de química em Teutônia, Ismael Garcia concorda com a colega. Para ele, a carga horária dos seminários poderia ser melhor aproveitada para trabalhar mais as disciplinas. De acordo com ele, a imposição do estado sem realizar uma discussão com a sociedade sobre o Ensino Politécnico foi um erro.

Estudantes provocam mudança

No primeiro semestre deste ano, alunos da escola Guararapes, de Arroio do Meio, estavam descontentes com a forma dos seminários. Consideravam muitas horas para essa atividade.

Professores, direção e alunos promoveram uma assembleia para tratar do tema. Conforme o diretor, Paulo Backes, houve uma readequação dos horários. Antes eram nove períodos destinados ao seminário, agora são três. “Fizemos uma distribuição diferente para melhorar o aproveitamento dos conteúdos.”

Uma comissão dos líderes e vice-líderes das turmas do primeiro e segundo ano passaram a integrar o conselho. Ajudam a elaborar os eixos das pesquisas e os conteúdos que serão trabalhados nos encontros. As reuniões ocorrem duas vezes por mês.

Coordenador do seminário integrado, José Ambreu Diedrich atesta melhorias a partir desse modelo. “A reformulação ajudou. Conseguimos adesão dos alunos.” Segundo ele, as produções dos artigos ganharam em qualidade. “Li textos maravilhosos que me emocionaram. Senti orgulho de ajudar nessa construção.”

Para ele, mesmo com as dificuldades, mudanças são necessárias. Diedrich cita o baixo aproveitamento dos alunos nas avaliações do Ensino Médio. “Se não fizer nada, quando vamos mudar esse quadro?”

Alunos do segundo ano, Guilherme Dutra, Rodrigo Bersch e Letícia Freitag atestam as melhorias. Segundo eles, houve uma maior aceitação dos estudantes em relação ao Politécnico após o diálogo e a reestruturação na escola. “É organizado e os professores buscam aprimoramentos”, diz Letícia.

Apesar da análise positiva, explicitam aspectos a melhorar. De acordo com Guilherme, os períodos destinados ao ensino Politécnico são desmedidos. “Há muito de tempo e, às vezes, ficamos sem atividades.”

Sobre a estrutura disponível na escola, asseguram que há boas condições. Novos computadores foram postos à disposição e facilitam as pesquisas. A preocupação dos estudantes é com a falta de salas para receber mais turmas no próximo ano.

Impasse entre estado e Cpers

– O que diz a 3ªCRE:

Pela avaliação da coordenadora Marisa Bastos esse tema poderia ter sido resolvido dentro das escolas. “Lá há o espaço para isso. O conselho de classe é um deles.” Não havendo esse entendimento, diz, os estudantes resolveram protestar.

Conforme Marisa, essa é uma forma democrática, mas o diálogo deve vir primeiro. “Depois disso, vamos para uma atitude mais drástica.” A coordenador presume que a sociedade ao ver esse movimento, pode ter uma interpretação equivocada sobre o contexto. Por outro lado, acredita que também pode ser um momento para esclarecer o projeto do estado, quais as metas e objetivos do Ensino Politécnico.

Avalia que pela ideologia do estado houve avanço com a proposta. Lembra casos em que para tentar melhorar as notas nas avaliações das escolas, governos passados adotavam o sistema de recompensas – a meritocracia. “Perdemos qualidade pois esse método se mostrou ineficiente.”

– O que diz o Cpers/Sindicato:

A secretária geral da entidade, Maira Ávila, reitera posição da entidade exposta em 2011, quando a Secretaria Estadual de Educação entregou a cartilha sobre o projeto às escolas e ao sindicato. Pela análise, a proposta fundamentada na necessidade de adaptar a educação às mudanças do mundo do trabalho está focada nas necessidades das empresas.

Para ela, a mudança acentua a desigualdade social, pois os filhos da classe dominante continuarão tendo direito a uma formação que contemple todas as áreas, o que facilita o ingresso em uma universidade pública. Conforme Maira, o governo intensifica os investimentos no Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), feito em parceria com diversas instituições ligadas à iniciativa privada. “São entidades que recebem dinheiro público e, mesmo assim, cobram taxas. Com o Pronatec, passarão a ter mais receita pública.”

Opiniões divergentes

Acertos

– Incentivo à pesquisa: repassa ao estudante noções para realização de projetos científicos;

– Aluno como protagonista: com maior autonomia para escolha de temáticas, o estudante tem oportunidade de construir o próprio conhecimento;

– Despertar o censo crítico: uma das ideias centrais do modelo é dotar o estudante de embasamento para pensar a sociedade de forma crítica;

– Aproximação com a realidade: a proposta quer desenvolver no estudante a capacidade de estabelecer relações entre o conteúdo e o trabalho;

Problemas

– Qualificação dos professores: críticos do método alegam pouco tempo para o treinamento. O professor deixa de ser um especialista em sua área, assume a orientação das pesquisas, sem conhecer as temáticas;

– Deficiência estrutural: escolas dispõem de poucas ferramentas e infraestruturas;

– Planejamento problemático: a determinação do estado, feita unilateralmente, não avaliou as peculiaridades das cidades e regiões. Mesmo com a liberdade das escolas organizarem as atividades há problemas na adequação de alguns aspectos, como o transporte escolar nas áreas rurais;

– Reforma só nas escolas estaduais: para os contrários ao programa, a mudança precisaria englobar as instituições privadas.

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