Vale do Taquari – Municípios do interior enfrentam dificuldades na contratação de médicos. Os motivos alegados pela classe são variados. Passam por dificuldade de acesso, distância dos centros urbanos, falta de estrutura para as consultas, inexistência de garantias trabalhistas, como plano de carreira, Fundo de Garantia e 13º salário.
Entidades representativas, como o Conselho Federal de Medicina (CFM), cobram mudanças na forma de seleção. Em vez de os municípios serem responsáveis pelos concursos públicos, o estado e a União abririam seleção para o preenchimento das vagas, a exemplo do que ocorre para escolha de juízes, promotores de Justiça e delegados. A proposta está em análise no Congresso Nacional.
Enquanto isso, para garantir atendimento, os prefeitos oferecem altos salários. Há casos, que pode chegar a R$ 16 mil por mês para manter um profissional no posto de saúde.
Sem estabilidade, médicos evitam os contratos emergenciais. Nos últimos anos, os municípios passaram a preencher cargos por concurso público. Em cidades mais distantes e com poucos habitantes, os gestores reclamam do pouco interesse dos candidatos.
O secretário de Saúde de Relvado, Rafael Gonzatti, atesta a dificuldade. Os três que atendem pelo município são contratos emergenciais. Os salários chegam a R$ 14 mil, acima dos vencimentos do prefeito.
Por lei, nenhum servidor efetivos pode ganhar mais do que o chefe da administração. A exceção fica com os contratos. “O salário nesses casos chega ao dobro do oferecido em um concurso.”
Mesmo assim, há uma grande rotatividade. Os médicos ficam em torno de um ano a seis meses em determinado local. Ao receber uma proposta em cidades maiores saem.
Levantamento realizado pelo A Hora, mostra que 233 profissionais de Medicina atuam no sistema público dos 36 municípios do Vale.
Dificuldade nas cidades menores
A maioria dos pequenos municípios conta com quadro tímido de profissionais da área. As dificuldades de contratar médicos envolvem a distância de centros urbanos, poucas garantias na continuidade do serviço e a falta de estrutura para os atendimentos.
Em Nova Bréscia, por exemplo, há um médico concursado pelo município para trabalhar 20 horas por semana com salário aproximado de R$ 7 mil. “Tentamos um profissional que aceite morar aqui”, relata a secretária de Saúde, Helena Daroit.
Segundo ela, para garantir o atendimento à população, o governo instituiu convênio com o hospital da cidade. A partir desse contrato, são oferecidas consultas com especialistas. Um médico de Minas Gerais foi contratado neste ano. Ele atua 40 horas por semana e é responsável pelos plantões. “É um investimento alto. Por menos de R$ 16 mil por mês, não vem ninguém”, afirma Helena.
Na cidade que homenageia um médico, faltam profissionais no setor público. Em Doutor Ricardo, há apenas um clínico geral, um pediatra e uma ginecologista para uma população de 2,2 mil habitantes. Pior ainda está o município de Bom Retiro do Sul, onde os quase 11,6 mil moradores são observados por apenas dois clínicos e um pediatra.
Em Canudos do Vale, onde vivem cerca de 1,8 mil pessoas, há dois clínicos gerais e um pediatra. Lá, houve dificuldade durante o último ano para contratação de outro médico. A administração municipal optou agora pela realização de um concurso público. O problema deve ser resolvido nos próximos meses.
Para o atendimento da população de 26 mil, a Administração Municipal de Taquari dispõe de 11 médicos. Conforme o secretário da Saúde, Edson Silva, há carência para atendem a necessidade das Estratégias de Saúde da Família (ESF). São dois postos, mas sem médico com carga horária de 40 horas semanais.
Há nove meses, o município tenta contratar um obstetra. Do quadro de profissionais, três são efetivos e os demais por contrato. Para Silva, a dificuldade é o desinteresse dos médicos em atuar na atenção básica. “A maioria dos profissionais que contatamos prefere fazer plantões.”
Um concursado entre 47
Na maior cidade do Vale, Lajeado, 47 médicos atendem pelo setor público. Apenas um é concursado. A maioria é contratada por meio de duas empresas terceirizadas. “A intenção é realizar concurso em 2014”, informa o secretário da Saúde, Glademir Schwingel.
Atuam em postos de saúde do município seis pediatras; cinco ginecologistas; três psiquiatras; um cirurgião; um dermatologista; e um gastroenterologista. O restante da equipe é formada por outros 30 clínicos gerais.
Para Schwingel, o número de profissionais pode ser considerado suficiente se comparado com as recomendações do Ministério da Saúde. Admite a falta de algumas especialidades como oftalmologistas e neurologistas dentro do quadro funcional da secretaria.
Em Teutônia, concurso atrai médicos
As dificuldades para manter os profissionais na cidade foram sanadas a partir da realização de concurso público, com salários que chegam a R$ 11 mil mensais. Com uma população de 25 mil habitantes, o município tem 19 médicos no quadro. Destes, 18 são concursados e um é contrato emergencial.
Para a secretária da Saúde, Marlene Metz, além das garantias trabalhistas, é necessário oferecer uma estrutura, aparelhagem, disponibilidade de exames complexos. “A medicina atual não se faz só com estetoscópio.”
Mesmo com essa tentativa do governo local, houve trocas. Segundo a secretária, a rotatividade obriga o município a fazer contratos emergenciais. “A pouco tempo chamamos o último clínico da lista do concurso.”
Conforme Marlene, está prevista a realização de novo concurso público. A ideia é abrir o processo seletivo no início de 2014. Teutônia lidera o ranking de administrações com o maior percentual destinado à saúde, com 25% do orçamento.
Casal aceita desafio no interior
A dificuldade de acesso à cidade de Sério, por muito tempo, afastou profissionais da área médica. Recomendado por um amigo conhecedor desse cenário, Joel Felipe Lindenbaun, 34, natural do Rio de Janeiro, aceitou o desafio. Ele está desde março de 2012 no município.
Poucos meses depois, a mulher dele, Tâmara Vasconcellos de Menezes, 27, que também é médica, passou a atuar na atenção básica. O contrato de Lindenbaun é de 40 horas semanais, enquanto Tâmara cumpre 20 horas.
O casal sente que seria necessário mais profissionais para que houvesse um tempo de descanso maior. Eles se revezam nos plantões do hospital. Ficam de sobreaviso. Diante disso, pouco saem do município.
Os dois são formados em Cuba. “Lá a Medicina é embasada na prevenção, com foco na saúde publica”, declara Lindenbaun.
Por dia, ele chega a trabalhar 20 horas entre atendimento na Unidade Básica de Saúde e plantões no hospital. Sobre as manifestações dos médicos, concorda que sejam necessários mais investimentos, em especial para o SUS. “As reivindicações vão ao encontro as reais necessidades da classe.”
O casal considera a estrutura da Unidade Básica de Saúde excelente. Essas condições fazem com que eles tenham planos de renovar o contrato com término previsto para o fim do ano.
“Temos médicos suficientes”
Conforme o delegado do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), Fernando Bertoglio, pesquisas demonstram que há profissionais para atender a demanda da saúde pública. Para ele, instituir uma seleção estadual e federal, com determinação das cidades que os aprovados irão atuar resolve o problema.
Para ele, o anúncio do governo federal de importar médicos é uma forma de desviar a atenção da opinião pública. “As pessoas foram às ruas, pedindo melhor atendimento, o que envolve uma rediscussão dos investimentos no SUS.”
Bertoglio diz que não é contrário a abertura de vagas para profissionais do exterior, desde que prestem prova de aptidão para revalidar o diploma no país.
Quase 400 mil médicos no país
Pelo levantamento, até outubro de 2011, os conselhos de Medicina registram 371.788 profissionais em atividade. O dado confirma uma tendência de crescimento exponencial da categoria, que perdura 40 anos.
Entre 1970, quando havia 58.994 médicos, e o presente momento, o número de médicos saltou 530%. O percentual é mais de cinco vezes maior que o do crescimento da população, que em cinco décadas aumentou 104,8%.
Para a CFM, esse aumento do número de médicos no Brasil resulta de diversos fatores: crescente necessidade em saúde, as mudanças no perfil de morbidade e mortalidade, as garantias de direitos sociais, a incorporação de tecnologias médicas e o envelhecimento da população.
Superpopulação na capital
Levantamento do Cremers mostra que cerca de 25,5 mil profissionais exercem a atividade no estado. São 17 mil especialistas e pouco mais de oito mil clínicos gerais (maior necessidade do interior). Porto Alegre é a cidade com mais médicos (12 mil), 48% do total.
No SUS, os usuários contam com quatro vezes menos profissionais do que no setor privado. Do total de ativos no país, a região Sudoeste tem 2,61 médicos para cada mil habitantes. Os três estados do Sul, vem em seguida, com 2,03. O último lugar é o Norte, com 0,9.
Como no visto em Porto Alegre, os médicos se concentram nas cidades maiores. Em São Paulo, o índice desses profissionais a cada grupo de mil habitantes chega a 4,3.
Os números fazem parte de pesquisa Demografia Médica no Brasil: dados gerais e descrições de desigualdades, realizada pela CFM em 2011.
Quando se olha por unidade da federação, no topo do ranking ficam Distrito Federal (4,02 médicos por mil habitantes), o Rio de Janeiro (3,57), São Paulo (2,58) e Rio Grande do Sul (2,3). São números próximos ou superiores aos de países da União Europeia. Esses estados, mais Espírito Santo (2,11) e Minas Gerias (1,97), estão acima da média nacional (1,95).
Na outra ponta, estão estados do Norte (Amapá e Pará) e do Nordeste (Maranhão), com menos de um médico por mil habitantes, índices comparáveis a países africanos.