Frota de motos aumenta 135%

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Frota de motos aumenta 135%

Com uma das maiores frotas do estado, principais cidades da região registram índices preocupantes de acidentes, envolvendo motociclistas. Média é de três atendimentos por dia no HBB. Desde 2003, número de motos nos municípios do Vale aumentou em 31 mil

Vale do Taquari – Mais de 54 mil motocicletas e motonetas transitam pelas ruas, avenidas e estradas da região. O montante é 135% maior em relação a dez anos, quando o número não superava 23 mil.

mA diferença complementa uma preocupante estatística: o aumento dos acidentes envolvendo motociclistas. Em cinco meses deste ano, a emergência do Hospital Bruno Born (HBB) atendeu 418 vítimas.

Em maio, quatro homens morreram. Foram duas mortes em rodovias estaduais, uma na BR-386 e outra na rua Carlos Spohr Filho, no bairro Moinhos, em Lajeado. No mês anterior, outro morto na RS-130, em Arroio do Meio.

No dia 17 de março, um casal morreu, após colidir em um ônibus, que vinha no sentido contrário na rodovia federal, próximo do posto da Polícia Rodoviária Federal de Lajeado (PRF).

Conforme dados divulgados pelo Departamento Estadual de Trânsito do Rio Grande do Sul (Detran/RS), de 2007 a 2011, 2.686 motociclistas morreram nas estradas gaúchas, vítimas de acidentes. Destes, 59% ocorreram em vias municipais. O restante em rodovias do estado ou da União. A maioria à noite e nos fins de semana.

Mortes no trânsito

Em todo o Brasil, o número de acidentes fatais envolvendo motocicletas aumentou 263,5% em dez anos. A informação é do Ministério da Saúde, por meio do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM). Em 2011, 11.268 motociclistas morreram. Em 2001, foram 3,1 mil.

Inexistem dados compilados sobre o número de motociclistas mortos no trânsito do Vale do Taquari. A PRF, assim como Polícia Rodoviária Estadual (PRE) e Brigada Militar, tem registros gerais, sem a definição de quantos óbitos aconteceram.

Alguns dados divulgados demonstram o tamanho do problema na região. De janeiro de 2009 até hoje, foram 439 acidentes nas rodovias estaduais monitoradas pela PRE de Cruzeiro do Sul.

Uma breve pesquisa em Boletins de Ocorrência na BM de Lajeado preocupa. Em abril, a média foi de um por dia. Em maio, houve uma queda nos números, 16 ocorrências. Em contrapartida, foram duas mortes nas vias urbanas no mês.

O vendedor Henrique Fleck, de Lajeado, sofreu 11 acidentes de moto. No mais grave, há cinco anos, quebrou o joelho e a clavícula. Ele pilotava uma motoneta pela Av. Acvat, quando entrou na Av. Senador Alberto Pasqualini foi atingido por um carro. Na carona levava o irmão Rodrigo, que nada sofreu.

Ele ficou desacordado por quase 30 minutos. “Lembro quando cheguei no hospital.” Foram 28 dias internado. E mais três meses em recuperação. Os hábitos de jogar futebol com os amigos ficaram no passado. As dores no joelho impossibilitam qualquer atividade física.

Família destroçada pelo trânsito

Faz dois que o morador de Arroio do Meio, Lair Schmögel, 56, morreu. Ele trafegava com sua motocicleta pela ERS-130 – rota que utilizava há 18 anos para ir ao trabalho em Lajeado – quando um Chevette obstruiu sua passagem no km 75.

A família foi avisada do acidente por telefone. “No primeiro momento, a ficha não caiu”, recorda a filha Cristiane. Schmögel foi levado ao Hospital São José, de Arroio do Meio, com hemorragia interna, precisou ser transferido para o HBB.

Com os ferimentos nas pernas e na bacia, ele estava consciente e conseguia conversar com os parentes. Foi no leito da UTI que relatou como ocorreu o acidente. “Foi angustiante vê-lo descrever o acontecido e não poder fazer nada.” Após 12 horas sob cuidados médicos, Lair não resistiu e morreu na madrugada do dia 2 de abril.

A família convive com a saudade, tristeza e revolta. “A dor é tão profunda e intensa que não há como descrever.” Cristiane lembra do pai como uma pessoa batalhadora, simples, honesta e amorosa.

Conforme ela, Lair sempre foi um motorista consciente. Respeitava a legislação e alertava os filhos a fazer o mesmo. “Dizia que deveríamos cuidar com a ação dos outros motoristas.”

Essa foi a segunda perda da família. No dia 2 de dezembro de 2007, Luciano Antônio, 23, o filho caçula de Lair e Asilda, morreu em um acidente de automóvel.

Cotidiano em uma emergência

Coordenador da emergência do HBB, o médico Fábio Fraga, trabalha há 20 anos no atendimento de casos com risco de morte. Segundo ele, em apenas nove dias do ano, a instituição não recebeu pacientes que sofreram acidentes.

No cotidiano do pronto-socorro, a maioria dos atendidos é homem de 18 a 45 anos. Como as colisões são em perímetro urbano, com baixa velocidade, a maioria é escoriação, dor e fratura. “As pessoas ficam impossibilitados de trabalhar. Há uma perda funcional, econômica para a sociedade, família e paciente.”

Nessas situações, o período mínimo de recuperação é de 45 dias. “Por sorte, se é que podemos chamar assim, são casos de invalidez temporária.”

As situações de pacientes em estado grave, com lesões e traumatismo craniano, são dramáticos, afirma Fraga. São mais de três horas para fazer medicação, estabilizar a pressão, suturar os sangramentos. “Vivemos uma tragédia diária”

Para ele, repassar a informação para a família é um dos momentos mais difíceis. “Não há fórmula de dizer para um pai ou uma mãe que o filho está em coma.” Diante da quantidade de acidentes na região, comenta a posição da sociedade. “Há uma banalização. As pessoas parecem que se anestesiaram. Como se fosse normal ver tanta gente vítima do trânsito.”

Frota aumenta 31 mil em dez anos

Em junho de 2003 eram 22.974 nos 36 municípios do Vale do Taquari. Hoje, são 54.049. “Poderia ser mais, se houvesse maior facilidade de financiamento”, atesta Luís Carlos Brenner. Segundo ele, foram 176 motocicletas vendidas no mês de maio em uma loja.

Conforme estudo do Detran, Lajeado é a terceira cidade gaúcha com maior índice de motorização entre os municípios com mais de 30 mil habitantes. Trafegam 12.596 motos e motonetas. Há dez anos, eram 5.309 (veja abaixo).

Empresas se previnem

Gerente de uma revendedora de motocicletas, Luís Carlos Brenner instalou um rastreador em uma das motos da empresa. É um teste, por enquanto. Quer controlar a velocidade que funcionários pilotam. “Não podem passar de 40 km/h dentro da cidade.” Na última semana, um vendedor sofreu uma queda e quebrou um braço. Segundo ele, estava acima do limite.

Brenner também dirige moto. Afirma nunca ter se acidentado e dá a dica. “Não há segredo. Basta ter atenção dobrada, entender os limites e dirigir na defensiva.” Lamenta o fato de outros funcionários terem se envolvido em acidentes. Reitera a inquietude. “A maioria estava fora do horário de serviço, mas a preocupação é a mesma.”

O empresário Everton Dresch, o “Bandinha”, iniciou há pouco mais de um mês e meio uma empresa de moto-frete. Trabalha sozinho e deixa a mulher preocupada em casa. “Dirijo há mais de 13 anos. Nunca me acidentei com gravidade.” Colete com faixas reflexivas, luvas, protetor de perna, antena “corta-pipa” e o capacete são artigos indispensáveis para Dresch.

Reclama da falta de atenção de alguns motoristas. “Muitos têm o hábito de dobrar sem olhar no retrovisor. É preciso estar sempre atento, principalmente à noite e com chuva.” Por vezes, o destino da entrega é outro município. O fato de ter que trafegar numa das mais perigosas rodovias federais do estado lhe faz refletir. “Mas se tem trabalho, vamos.”

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