Arroio do Meio – A rotina de uma família de Forqueta Baixa mudou em outubro do ano passado. O patriarca foi surpreendido por policias militares e conselheiros tutelares quando trabalhava em uma construção. Foi levado sob acusação de abuso sexual praticado contra a filha, que na época recém havia completado 3 anos.
Ficou mais de dois meses impedido de ver a menina, após ser afastado de casa a pedido do Ministério Público (MP). A perícia psicológica judicial contraria as acusações contra o mestre de obras. Agora, família solicita o fim do inquérito policial.
Diretora e professores da escola infantil, onde a menina estudava, foram as responsáveis pela denúncia. A criança foi filmada e interrogada sem autorização judicial e dos parentes, após se queixar de dores nas partes íntimas e de dificuldade para urinar. Teria urinado nas roupas e chorava muito durante o período escolar.
No documento assinado pelo promotor Paulo Estevam Araújo, solicitando o afastamento do pai em outubro de 2012, consta que a menina teria confirmado para cinco educadoras o suposto abuso. Também figura que nos vídeos a criança diz que “o órgão genital dói porque o pai mexeu com o dedo”. Para o representante do Judiciário, os vídeos produzidos “dirimem qualquer dúvida que ainda se tivesse acerca do fato”.
Outro trecho do documento discorre sobre uma possível frase dita pela aluna à diretora: “quando eu era pequena eu tomava “titi” na minha mamãe e agora meu pai toma “titi” em mim”. No texto, a interpretação é de que o pai “mamava” nos seios da menina.
Criança foi induzida
De acordo com a perícia judicial da psicóloga clínica forense, Ciméri Saraiva, a menina foi induzida pelas servidoras públicas a culpar o pai durante as filmagens. Os sintomas, segundo a análise, eram resultado de uma catapora, que causa coceira e infecção em diversas partes do corpo, incluindo os órgãos genitais.
O pai, assim como a mãe, sabiam das dores e haviam levado a filha para consulta em pediatra no mês de setembro de 2012. Ambos passaram pomada no local das feridas. “Ela chorava o tempo todo, em casa, na escola. Sentia muita dor, qual o problema de um pai tratar a própria filha”, relata a mãe.
Sobre a suposta frase a respeito do “titi”, a psicóloga forense confirma que se trata de um pseudônimo para “mamadeira”, descartando a possibilidade de abuso por parte do pai. As filmagens foram realizadas com espaçamento pequeno de tempo entre uma e outra. Para ela, houve induções constantes por parte das educadoras.
Perícia aponta “despreparo da equipe escolar”
Conforme a psicóloga, a menina sente medo, vergonha e receio de falar sobre a antiga escola. Um exame realizado por uma ginecologista comprova que a menina não sofreu ruptura do hímen e nem lesões causados por terceiros no órgão genital. A família quer processar a diretora, as professoras e a administração municipal, responsável pela creche.
Para o advogado contratado pela família, Leandro Caser, a atitude das professoras e da diretora foi “desastrosa”. Segundo ele, os vídeos foram realizados de forma ilegal e não têm valor judicial. Comenta que o laudo da psicóloga comprova a inocência do pai.
“Perdi trabalhos e recebi ameaça de linchamento”
A Hora – Como vocês ficaram sabendo do caso?
Pai – Eu estava trabalhando numa obra quando eles (Brigada Militar, MP e Conselho Tutelar) me ligaram pedindo se eu era o pai da menina. Fiquei preocupado, pedi o que estava acontecendo, mas não me disseram. Alguns minutos depois, eles chegaram no local de trabalho e me avisaram que eu seria afastado de casa. Fiquei um mês e 45 dias fora, tive que alugar outra casa para morar sem poder visitar minha família. Deixei meu pai com câncer sem entender muito o que estava acontecendo.
Mãe – No mês de setembro, ela teve catapora e infeccionou as áreas íntimas. Ela começou a fazer “xixi” nas calças e começou a dizer que não queria mais ir na creche. Chorava de manhã, se esperneava, e nós não sabíamos o porque. As professoras nos chamaram mas não diziam o que estava acontecendo. Nesse período elas já estavam fazendo vídeos dela dentro do banheiro enquanto ela se trocava. Fizeram perguntas e levaram ela no hospital e em médicos sem que a gente soubesse. Chegaram a conclusão de que as feridas eram resultado de agressões do pai.
Promotor defende atuação das professoras
Para o promotor de Arroio do Meio o caso está “inconclusivo.” “Não posso confirmar nem negar”. A criança pode ter sido induzida pelos pais a negar a verdade. Ele não concorda com a informação de que as professoras teriam induzido a menina a incriminar o pai. “Essa teoria não me convence. As imagens são fortes e a psicóloga ultrapassou os limites na sua intervenção.”
Araújo enaltece a atuação da diretora e das professoras da creche, inclusive a gravação de vídeo sem autorização judicial. Classifica como “fundamental” a intervenção das educadoras e garante que a maioria dos casos de abuso sexuais registrados na região foi descoberto dentro do ambiente escolar. “Os professores são muito importantes para a elucidação desse tipo de caso. Eles não podem lavar as mãos, não devem omitir esse tipo de fato.”
Segundo ele, a maioria das crianças passa mais tempo nas creches do que no ambiente familiar. Isso justificaria a ação por parte da diretora e de outras educadoras da Escola Infantil Pequeno Mundo. “Se professores não agirem assim, jamais saberemos da maioria dos casos.”
O promotor não descarta solicitação de perícia. A família segue sendo monitorada. “Pode ter acontecido e ter parado, e assim ficar por alguns anos ou para sempre. Nosso trabalho é garantir a segurança da vítima.”
Para ele, a separação do pai e da filha em outubro foi uma forma de investigar com mais tranquilidade os fatos, garantindo, na dúvida, a integridade física e mental da criança. A diretora e uma das professoras envolvidas mantêm a versão apresentada ao Conselho Tutelar e ao MP, e garantem que a criança afirmou ser vítima de abuso por parte do pai.