ale do Taquari – O valor do metro cúbico de areia girava em torno de R$ 50 antes da decisão da Vara Federal Ambiental de Porto Alegre, que proibiu, na semana passada a extração no Rio Jacuí. O manancial é responsável por quase 50% da matéria-prima vendida no estado. Após a decisão o valor chegou a R$ 100.
A maior fonte de areia do estado poderá ficar ociosa por até 20 anos. Este e o período recomendado pela Associação de Pesquisas e Técnicas Ambientais (APTA) para a recuperação do Rio Jacuí.
Durante dois dias, o preço chegou a R$ 100 no Vale. “Aumentei em função da maior procura. Estou vendendo pelo menos o dobro em relação há duas semanas”, comenta Valcir Kappes, empresário do ramo. Ontem, vendia por R$ 80.
Kappes é um dos poucos na região com material disponível para construção civil. No estoque da empresa, restam 1,8 mil metros cúbicos. “Como tenho estoque, aproveitarei para vender melhor. Em duas semanas deve acabar.” Ele compra o minério em Rio Pardo e na região de Mariante, interior de Venâncio Aires. Paga cerca de R$ 34 pelo metro cúbico.
Estoque termina
A distribuidora Areia do Vale, com sede em Estrela, está sem estoque desde sexta-feira. Conforme o diretor, Valdéquio de Almeida, a empresa busca cargas na região de Santa Maria, retiradas do Rio Vacacaí. Com o frete dos caminhões, o valor do metro cúbico passará de R$ 55 para 100. “Em menos de uma semana nosso estoque acabou. Se continuar assim, logo faltará areia em todo estado. Aí parará tudo.”
O Sindicato da Indústria da Mineração de Brita, Areia e Saibro do Rio Grande do Sul (Sindibritas) e a Associação Gaúcha dos Produtores de Brita, Areia e Saibro (Agabritas) também alertam para o risco de problemas no fornecimento de areia do estado. Segundo o presidente das entidades, Walter Fichtner, estima-se que falte matéria-prima antes do fim desta semana.
Preço instável provoca insegurança
Responsável pelo setor de compras da Construtora Zagonel, Luiz Müller lamenta a disparidade de preços. Comenta que muitos empresários trabalham inseguros, pois o preço pode dobra da noite para o dia. Segundo ele, a areia representa em média 7% da obra.
No comércio de varejo o valor do metro cúbico também aumentou. Em lojas especializadas, o preço médio do minério que era de R$ 55 está entre R$ 75 e R$ 80.
“Sugerimos a proibição por até 20 anos”
O presidente da APTA, Clóvio Braga, sugere que a extração de minérios no Rio Jacuí seja suspensa por até 20 anos. Só a perícia necessária para averiguar a situação do leito deve demorar cerca de três anos. “Neste momento, a mineração é inviável no Jacuí em decorrência da falta de fiscalização.” Segundo ele, no trecho entre Charqueadas e o estaleiro de Triunfo, a margem cedeu cerca de 500 metros nos últimos 13 anos.
Ele culpa a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) pela degradação do rio. “Eles não têm fiscalizadores.” A ação civil pública pedindo o fim da extração foi ajuizada em 2006, após pesquisas e estudos flagrarem o desaparecimento de pelo menos 33 ilhas do Jacuí. A principal causa detectada foi a mineração realizada próximo das margens.
De acordo com Braga, a Fepam impôs limites de cinco metros de profundidade e 50 de distância da margem para a extração do minério. “Isso nunca foi respeitado, pois inexiste fiscalização.” Cerca de cem praias sumiram desde então, conforme pesquisa apresentada pela associação.
Após divulgada a operação da Policia Federal – que prendeu 15 suspeitos de fraudarem licenças ambientais no fim de abril, entre eles os ex-secretários de Meio Ambiente do estado e de Porto Alegre –, a APTA reforçou o pedido pela interrupção dos serviços no Jacuí.
A suspensão é temporária. O cancelamento definitivo das licenças só poderá ser determinado em sentença judicial. Conforme o despacho, a medida permanece “enquanto não se obtém segurança científica de que a prática da mineração ainda é viável”.
Guaíba e Lagoa dos Patos como opções
Braga sabe do problema social causado pela decisão judicial. Relembra a postura da APTA em 2006, quando sugeriu a liberação do Rio Guaíba e da Lagoa dos Patos para extração do minério. “Há excesso de areia nestes locais, que criam problema de calado para navegação.” No Guaíba, a retirada de areia é proibida desde 2003.
Cita os rios Santa Maria, Pardinho, Camaquã, Vacacaí, entre outros, como possíveis fontes para o mineral. O Jacuí é responsável, por exemplo, por 90% do abastecimento de areia em Porto Alegre.
Conforme o superintendente regional do DNPM, Sérgio Bizarro César, mais de 700 pedidos foram realizados por empresas para extração de areia no Rio Guaíba desde 2003. Nenhum foi aceito. “Sequer foram permitidos estudos ou pesquisas por parte da Fepam.” A direção da Fepam foi procurada mas não retornou os telefonemas.
Entenda o caso
– Uma ação civil pública de 2006 ajuizada pela APTA solicitava o cancelamento de licenças expedidas pela Fepam e DNPM às empresas Sociedade dos Mineradores de Areia do Rio Jacuí (Smarja), Somar Sociedade Mineradora Ltda. e Aro Mineração Ltda. para exploração de areia no Rio Jacuí.
– A APTA alega que a mineração está em desacordo com os limites estabelecidos em lei. A prática estaria gerando danos ambientais, com dragagens junto às margens, degradação das ilhas e destruição da mata ciliar. Diversas dragas foram flagradas atuando ilegalmente no local;
– Na última quarta-feira, a juíza Vânia Hack de Almeida, da Vara Federal Ambiental de Porto Alegre, decidiu com base em relatórios parciais de perícias que a retirada deve ser suspensa. Operação da Polícia Federal deflagrada no fim de abril auxiliou na decisão.
– O estado vende cerca de R$ 14 milhões de toneladas de areia por ano. Cerca de R$ 7 milhões são retiradas do Rio Jacuí. Com a proibição, o preço para o consumidor aumentou até 100% em alguns casos.