Fraude mostra vulnerabilidade

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Fraude mostra vulnerabilidade

Transportadoras adicionavam ureia ao leite cru entregue às indústrias de laticínios Produtos das quatro empresas apontadas pelo Ministério Público foram retirados das prateleiras de todos os supermercados, durante o dia de ontem

Rio Grande do Sul – O Ministério Público do estado realizou ontem a operação Leite Compensado, na qual investiga a adulteração no produto entregue às indústrias. Oito suspeitos foram presos e outros quatro serão denunciados até segunda-feira. Três postos de resfriamento, de Guaporé, Crissiumal e Selbach foram interditados.

lCinco empresas de transporte estão envolvidas no escândalo. Nos últimos 12 meses até cem milhões de litros teriam sido adulterados com o propósito de elevar os lucros. A mistura era feita com água e ureia, onde foi constatado formol, substância cancerígena.

O caso começou a ser investigado depois que o Ministério da Agricultura recebeu informação. Após descobrir o esquema foi determinada a retirada dos lotes dos supermercados. Ao todo 1,56 milhão de litros de leite foram adulterados no estado. Foram 720 mil da marca Italac, 120 mil da marca Líder, 120 mil da Mu-Mu e 600 mil litros da Latvida.

Segundo o promotor Mauro Rochemback, responsável pela operação, em coletiva para imprensa em Tapera, o crime é pior do que tráfico de drogas. “No tráfico as pessoas sabem o que consomem. Neste caso compramos um produto sem saber a sua qualidade.”

Para ele houve relaxamento das indústrias, tendo em vista que há 30 anos este tipo de crime (água e ureia adicionada ao leite) não era registrado. Apesar de não haver envolvimento, as empresas terão de responder pela falta de fiscalização. As empresas poderão ser multadas, cujo valor máximo, por lote irregular, é de cerca de R$ 15,6 mil.

“Houve falha no controle de qualidade”

Em entrevista ao programa Gaúcha Atualidades, da rádio Gaúcha, a chefe da Divisão de Defesa Agropecuária, Ana Lúcia Stepan, garante que órgão fiscaliza periodicamente as empresas produtoras de leite. Admite que houve falha das indústrias no controle de qualidade. “Produtores foram utilizados como laranjas.”

Conforme Ana, quando foi identificado o formaldeído em leite UHT (de caixinha), foi feita vistoria em todas as empresas. Ela assegura que as demais marcas e produtos lácteos podem ser consumidos com segurança. Os lotes que apresentaram problemas foram retirados dos supermercados. Houve fraude apenas no leite de caixinha.

Em nota à imprensa, o Sindicato das Indústrias de Laticínios e Derivados do Rio Grande do Sul (Sindilat) diz que soube da fraude em janeiro. Conforme o diretor-executivo, Darlan Palharini, as empresas são vítimas desse processo, pois a adulteração era feita pelos transportadores. Tranquiliza o consumidor que os estoques disponíveis no varejo estão aptos para o consumo.

O Sindilat critica a falta de regramento dos transportadores de leite no estado. Além do pagamento do frete, são remunerados por quantidade entregue para indústria.

Como era feita a adição

As cinco transportadas faziam a mistura na seguinte proporção – um quilo de ureia para 90 litros de água em mil litros de leite. A ureia era acrescentada para que não fosse constatada a diminuição de nutrientes do produto. Pelo menos 20 laudos técnicos comprovam que o leite foi adulterado com substância cancerígena. A mistura de água com ureia era feita dentro do tanque dos caminhões antes do leite ser colocado.

“Alerta para organizar a cadeia”

Para o coordenador da Cadeia Setorial do Leite, Oreno Ardêmio Heineck, a fraude evidencia problemas no segmento. Segundo ele, a fiscalização é falha. Defende a criação de um selo de qualidade, implantação de políticas que priorizem a sanidade, genética, manejo adequado, rigidez na fiscalização desde a armazenagem, transporte e beneficiamento. “Está na hora de organizar a cadeia e não aceitar qualquer tipo de produto.”

Para Heineck, a falta de matéria-prima na região obriga as indústrias a buscar leite em outras regiões. Afirma que as empresas falharam e cobra mais rigor na fiscalização no momento em que o leite chega às plataformas de recebimento. “Parece que estávamos discursando para postes de luz. Agora depende das indústrias reconquistar o cliente.”

Em junho, será enviado para a Assembleia Legislativa o projeto de reestruturação da cadeia produtiva do leite. Heineck faz um alerta. “A fraude evidencia a vulnerabilidade e demonstra a necessidade de qualificarmos o setor.”

Latvida é interditada

Desde ontem, a empresa Latvida, de Estrela, está proibida de vender qualquer produto derivado de leite. A decisão foi tomada após a empresa descumprir a determinação que vedava a venda de leite UHT a partir de primeiro de abril.

Segundo a Promotoria de Defesa do Consumidor do Ministério Público, substâncias não permitidas já haviam sido identificadas no leite vendido, por isso a distribuição deveria ter sido interrompida. A empresa não se pronunciou sobre o caso.

Durante entrevista à Radio MP, o promotor de Justiça de Defesa do Consumidor de Porto Alegre, Alcindo Luz Bastos Filho, detalhou a interdição da empresa. Diz que foi lacrada pela Secretaria Estadual da Agricultura a partir de uma recomendação do MP, por uma série de irregularidades. “Além da questão do formol que já tinha sido detectada, foram 188 inadequações apontadas, como condições de higiene e presença de insetos nas plantas da empresa.”

Laboratório da região foi acionado

A Unianálise-Univates foi responsável por confirmar a adição de formol na composição do leite. O laboratório é credenciado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) desde janeiro. Por mês, são realizados cerca de sete mil análises de proteína, gordura, sólidos totais, lactose. São verificadas também a contagem de células somáticas, de bactérias e de ureia.

Segundo o gerente administrativo do laboratório, Jeferson Bottoni, o primeiro contato do MP foi no fim do ano passado. “Fomos procurados e tratamos o MP como qualquer cliente, mantendo sigilo total sobre os resultados.” Ele afirma que outras amostras solicitadas pela investigação seguem em análise.

Bottoni alerta para a falta de preocupação de muitos produtores. “Poucos realizam planos de amostragem.” Afirma que a maioria dos clientes é empresa, e que cada análise de ureia custa até R$ 2,40 por amostra. “A carga de um caminhão pode ser verificada por meio de uma só amostra.”

O preço para verificar a presença de formol é de R$ 22,40. De acordo com a equipe do laboratório, é rara a presença dessa substância em análises. Os ensaios do Unianálises são qualitativos. Por isso é impossível informar a quantidade de formol hidro adicionada.

A empresa que pretende realizar todos os procedimentos disponíveis pelo laboratório para análise completa da qualidade do leite pagará em torno de R$ 300. Conforme Bottoni, é incomum as empresas e fábricas realizarem esse tipo de processo com frequência. “Algumas possuem laboratórios próprios para determinadas análises.”

Agas sugere devolução de produtos

Em nota oficial divulgada para os filiados, a Associação Gaúcha de Supermercados (Agas) recomenda que os supermercadistas retirem de circulação todos lotes citados pelo MP. Na rede Imec, conforme assessoria de comunicação, todos os leites de caixa das marcas envolvidas foram recolhidos no início da manhã de ontem.

No Supermercado STR, a direção foi avisada pela Vigilância Sanitária de Lajeado no início da tarde. Foram recolhidos todos os leites UHV da empresa LatVida que estavam nas prateleiras. Eles ficam no depósito até nova determinação da Agas sobre as investigações.

Segundo o comprador do STR, Hans Heinrich Röhsig, os clientes que possuírem produtos dos lotes apontados na investigação poderão trocar por outras marcas, mediante apresentação da nota fiscal. Outros produtos derivados de leite produzidos pela LatVida, como iogurtes, nata e queijo, seguem à venda.

De acordo com o presidente da Agas, Antônio Longo, todo consumidor que tiver em casa produtos das marcas envolvidas, mesmo sendo de outros lotes, e se sentir incomodado ou inseguro para consumir, deve ir ao supermercado solicitar a troca por outra marca. No fim da tarde de ontem, alguns mercados menores ainda mantinham leites em caixa das empresas investigadas à venda.

Possíveis danos à saúde

– Não há dados clínicos que determinem a quantidade segura de ingestão de formol no organismo;

– A ingestão de formol pode desencadear alergias. A recomendação é de uma avaliação clínica, revisão e acompanhamento com um médico de confiança;

– Os riscos para crianças é maior do que para adultos. Isso porque o adulto possui maior capacidade de metabolizar a substância;

– Entre os principais efeitos no organismo estão sintomas de desconforto abdominal, afetando intestino, rim, fígado e bexiga. Doenças como leucemia e câncer no trato respiratório podem ocorrer caso a ingestão ocorra por muitos anos e em grande quantidade;

Empresas se defendem

A Vonpar, empresa da marca Mumu, em nota afirma que atende a todos os requisitos exigidos pelo Mapa. Avisa os consumidores que têm os produtos do lote 3 ARC, fabricação 18 de janeiro de 2013, ou que tiverem dúvidas, podem ligar para o 0800 51 7542.

A Italac informa que os lotes identificados com problema foram retirados do mercado e o restante dos produtos pode ser consumido. A Líder comunica que o lote de leite UHT, (lote TAP 1 MB), produzido em 17 de dezembro de 2012, em Tapejara, foi retirado do mercado em fevereiro. Foram descredenciadas cinco transportadoras terceirizadas de leite cru. A empresa fechou um dos postos de resfriamento no estado por causa da ação de fraudadores na região.

Em nota, diz que a empresa faz dupla checagem, nos postos de resfriamento e na fábrica, e desde janeiro não detectou nenhuma adulteração.

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