Vale do Taquari – A Hidrovia do Mercosul foi apontada como prioridade entre 2008 e 2011 pelo Plano Nacional de Logística e Transportes. O assunto é discutido há mais de 20 anos, mas até o momento nada foi realizado na região. Iniciado em 2012, o Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (Evtea) será entregue até novembro, apontando as principais carências e vantagens do modal viário.
Nessa sexta-feira, a Administração das Hidrovias do Sul (AHSul) – responsável pelo trecho do Rio Taquari – ouviu líderes regionais em Lajeado, no último dos dez encontros realizados no estado. Segundo o superintendente da AHSul, José Luiz Azambuja, o objetivo das audiências é apresentar o projeto para as comunidades ribeiras e ouvir sugestões e propostas para o melhor aproveitamento dos recursos hídricos.
Há uma mescla de esperança e desconfiança a respeito do projeto. A implantação do trecho interligando o Porto de Estrela aos polos navais da Bacia do Rio Uruguai, no país vizinho, prevê investimentos próximos de R$ 217 milhões. O valor estaria assegurado pelo Plano de Crescimento Acelerado (PAC 2). Alguns líderes regionais desconfiam da liberação dos valores. Em 2012, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) anunciava R$ 270 milhões.
O estudo técnico custará R$ 5 milhões. Segundo o coordenador, Daniel Lena Souto, a equipe levantará as características e possibilidades de hidrovias, terminais e embarcações. A utilização do rio como fomento para o turismo será avaliada. “Entregaremos projetos executivos prontos para serem licitados.” Acessos terrestres aos portos, abertura de canais e mais benefícios e facilidades de financiamento para empresários do ramo fluvial serão analisados.
Souto cita a dragagem contínua dos rios, escassez de sinalização e a necessidade de balizamento como as principais necessidades e carências apontadas. Novos navios, adequados para o calado limite de 2,50 metros, também serão sugeridos. Muitos utilizam apenas 70% de sua capacidade, sob risco de encalharem no estreito leito do Rio Taquari. “Queremos que a navegação seja 90% viável em épocas de estiagem e 100% em condições normais.”
Outra sugestão para impulsionar o aproveitamento dos portos é a construção de terminais de contêineres nos polos navais de Estrela, Porto Alegre e Rio Grande. Todos dedicados a navegação interior. A ligação do Porto de Estrela com o estado de São Paulo, por meio de transporte ferroviário é analisada.
A construção de uma nova eclusa no Rio Taquari, entre os municípios de Taquari e São Jerônimo, foi uma das ideias lançadas durante a audiência. O aumento no limite da Eclusa de Bom Retiro do Sul, que hoje é de 3,50 metros, é descartado. “Causaria impactos ambientais nas encostas do rio”, avisa Azambuja.
Transporte subaproveitado
Soja, grãos, móveis, metalmecânico, fumo e insumos são os principais produtos que poderiam ser transportados via hidrovia. Souto faz um comparativo entre os principais modais viários.
Segundo ele, um navio é capaz de transportar até três mil toneladas, equivalente a 43 vagões e 86 carretas. O frete naval, por tonelada, custa cerca de R$ 36 contra R$ 60 do transporte rodoviário. “Ninguém é contra os demais modais viários. Acreditamos que um depende do outro para o desenvolvimento de uma região.”
“Porto de Estrela é um local marginal”
A empresa Navegação Aliança é uma das poucas a realizar o trecho hidroviário entre Estrela e Porto Alegre. O gerente, Ático Scherer, afirma que foram utilizadas até cinco embarcações no Rio Taquari. São apenas duas. “O Porto de Estrela está virando um local marginal. Procuraremos outros pontos para trabalhar”, lamenta.
Ele reclama da falta de investimentos e considera “utópico” o valor anunciado de R$ 217 milhões. “Há mais de 30 anos não investem nada.” Conforme Scherer, a viagem de Estrela a Rio Grande demorava em torno e quatro dias na década de 80. Hoje, o trajeto é percorrido em no mínimo oito dias.
Os prejuízos com as embarcações e a impossibilidade de utilizar 100% da capacidade do navio são outras reclamações. Todos os meses as embarcações passam por reformas. A maioria dos problemas é consequência de choques do casco e das hélices com as pedras do fundo do leito. “Cada reparação não custa menos do que R$ 30 mil. E a cada viagem nos deixamos de carregar cerca de 30% do navio.”
Investimentos esbarram em impactos ambientais
As melhorias em dragagem esbarram nas leis ambientais. A abertura de canais depende de estudos de impacto. O biólogo e coordenador do curso de Engenharia Florestal da Univates, Everaldo Ferreira, alerta para a presença de metais pesados nos canais, como o mercúrio. “Uma dragagem mal-feita pode causar desequilíbrios ambientais.”
É proibido por lei retirar pedras do leito para investimentos privados e públicos, como construções ou estradas. Com isso, os serviços de dragagem precisam ser contínuos, pois qualquer enchente causa novamente a interrupção do canal. “Isso é uma discussão antiga. Minha sugestão é que parte seja liberada só para obras públicas.” Ele discorda do aproveitamento pela iniciativa privada.
Azambuja afirma que duas novas dragas serão compradas pelo AHSul para atuar no trecho do Rio Taquari. Outra teve o processo licitatório iniciado. Os aparelhos da Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH), do governo do estado, não podem atuar, pois a hidrovia da região e o Porto de Estrela são controlados pela União, por meio da Companhia Docas do Maranhão (Codomar) e do Dnit.
Sobre a construção de uma nova eclusa no Rio Taquari, Ferreira alerta para as dificuldades técnicas e de custo desse empreendimento. Cita que os impactos ambientais serão drásticos, tanto para a fauna, a flora e até para a qualidade da água. “Esse estudo demandaria tempo e dinheiro, e seria arriscado para o meio ambiente.”
Saiba mais sobre a Hidrovia
A hidrovia faz parte do Corredor Multimodal que pretende ligar Montevidéu e São Paulo, com 2,2 mil quilômetros de extensão. O projeto de implantação da parte brasileira da Hidrovia Mercosul abrange a região da Bacia da Lagoa Mirim, da Lagoa dos Patos, do Lago Guaíba, da Lagoa do Casamento, os rios Jacuí, Taquari, Sinos, Gravataí, Camaquã, Jaguarão, Uruguai e Ibicuí, em território nacional, e ainda os rios Cebollatí e Tacuary, no Uruguai.
Os dois países assinaram um acordo para o transporte fluvial de carga e de passageiros. Segundo especialistas, o frete de produtos gaúchos transportados para Montevidéu, no Uruguai, pode baixar até 30%. Os investimentos do PAC 2 foram anunciados pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, em 2009.
Entre as ações previstas estão a recuperação do parque de dragagem da SPH; a dragagem, sinalização e balizamento dos rios Jacuí, Taquari, Gravataí, Sinos, Caí, Lago Guaíba, Lagoa dos Patos, Lagoa Mirim, Rio Jaguarão; acessos aos futuros terminais portuários de Guaíba, Tapes, Palmares do Sul e outros portos hidroviários.
Diversos são os benefícios citados, entre eles a redução de acidentes nas estradas devido ao menor número de de caminhões percorrendo longas distâncias; a diminuição de emissão de poluentes na atmosfera e a melhor conservação das rodovias; fretes mais baratos; e geração de empregos em estaleiros, portos e embarcações.