Vale do Taquari – A recuperação da mata ciliar do Rio Taquari esbarra em problemas sociais, econômicos e culturais. Iniciado em 2008, o projeto que envolve 13 municípios ribeirinhos ainda enfrenta a oposição de muitos moradores e agricultores. São mais de 500 quilômetros de margens para serem recuperadas e reflorestadas com plantas nativas.
Mesmo com a série de percalços, mais de 1,7 mil vistorias foram realizadas até dezembro de 2012. São 1,4 mil inquéritos civis instaurados e 1,3 mil Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) assinados. O programa recuperou quase dois mil metros quadrados de mata ciliar.
Os números poderiam ser maiores. Problemas recorrentes limitam a atuação do programa. Construções ilegais e criação de animais próximo do rio persistem. No trecho entre os municípios de Cruzeiro do Sul e Lajeado, na Av. Beira Rio, há flagrantes de criadouros de cavalos e casas sendo reformadas.
Ao assinarem o TAC, os proprietários são proibidos de realizar ampliações de benfeitorias ou construções em Áreas de Preservação Permanente (APP). Na localidade de Bom Fim, interior de Cruzeiro do Sul, a prática prossegue de forma escancarada. O inspetor aposentado Sadi Severo da Rosa comprou uma chácara no ano passado. A residência, localizada às margens do rio, passa por reformas. “Investi R$ 15 mil na estrutura para ela não desmoronar.”
Afirma conhecer o projeto do Corredor Ecológico. Plantou nove pitangueiras e pretende cultivar outras. “Pediram para que eu plantasse 30, mas plantarei mais. São arvores com maior raiz para segurar a terra.” Ao lado das mudas, pretende construir um piso de concreto interligado com uma escadaria de tijolos e cimento, que liga sua casa a um pequeno píer improvisado. A obra é proibida por lei. “Fiz tudo e é proibido. Estou fazendo para não destruir a barranca.”
Sem vistorias
No bairro Carneiros, em Lajeado, a equipe responsável pela implantação do programa ainda não realizou vistorias. O aposentado Balduíno Reginatto tem uma propriedade ribeirinha há 15 anos na rua Lindolfo Labres. Cria porcos e galinhas a poucos metros da água.
Reginatto discorda da proibição, mas é ameno na resistência. Respeitou um pedido feito pela administração municipal e plantou 60 pés nos fundos da residência. No entanto, quase todas as plantas foram levadas pela última enchente.
Na rua Osvaldo Aranha, no centro de Lajeado, várias mudas estão presas a estacas na margem do Rio Taquari. Apesar de vizinhos reclamarem da atuação dos crackeiros – que costumam roubar algumas estacas – o problema ali é outro. Logo atrás de uma placa que anuncia a presença do Corredor Ecológico, três sofás foram jogados na beira do rio. O rastro dos móveis causou danos às plantas. O fato se repete em outras áreas próximas da ciclovia.
Carência de mudas adequadas
Uma das dificuldades citadas pelos gestores dos 13 municípios envolvidos é a falta de mudas adequadas para margens de rio. Ainda trabalham com uma expectativa de perda superior a 30%. Muito em decorrência de enchentes.
Segundo o responsável pela implantação do projeto-piloto em Estrela, o biólogo Émerson Musskopf, a venda das plantas na região é escassa.
Segundo ele, muitas plantas que chegaram à região eram inadequadas. Cita como exemplo a goiaba serrana. Musskopf comenta sobre a falta de interesse comercial na produção de mudas propícias para o plantio no Corredor Ecológico.
O problema só não ocorre em Lajeado, onde as mudas são repassadas e plantadas por uma equipe da Univates como forma de compensação por danos ambientais causados em outras áreas. Pelo menos 20 mil mudas foram plantadas desde 2010.
Mais de 40 hectares recuperados em Estrela
Musskopf admite que 40 vistorias de propriedades estão atrasadas. A demanda de serviços da Secretaria de Meio Ambiente é uma das razões. “Em maio, teremos que trabalhar pelos quatro meses anteriores.”
Apesar do atraso, Musskopf exalta o trabalho realizado no município. Faltam pouco mais de 30 TACs para serem assinados. Outros 267 estão garantidos e mais da metade dos 80 hectares de áreas ribeirinhas foi recuperada. Fotos de satélite comprovam o sucesso do reflorestamento.
Municípios enfrentam dificuldades
Na área rural de Arroio do Meio, o problema chegou à Justiça. Sete agricultores se negaram a assinar o TAC. Eles têm áreas ribeirinhas em Palmas, Cascalheira e Passo do Corvo.
O juiz de Arroio do Meio atendeu de forma liminar a ação pública civil movida por três promotores da região. Ele determinou, em 2011, o isolamento imediato de 30 metros das áreas a partir do talude do rio. A multa por descumprimento é de R$ 2 mil por hectare plantado e R$ 500 por animal encontrado no local.
Segundo o chefe do Departamento de Meio Ambiente de Arroio do Meio, Paulo Henrique Rubim Barbosa, há mais de um ano não são assinados TAC’s no município. Muitas plantas morreram e não sei dizer o porquê estamos há mais de um ano sem novas assinaturas.” Mudanças no Código Florestal a respeito das medições de áreas rurais são uma das causas para o imbróglio na cidade.
Em Muçum, a nova equipe técnica responsável pelo Corredor Ecológico encontrou computadores vazios no Departamento de Meio Ambiente. Todas as planilhas e informações sobre o projeto foram apagadas pela antiga gestão.
Em Lajeado, a equipe técnica da Sema realiza vistorias em fossas e sumidouros. Além desses percalços, enfrenta a recorrência de construções ilegais nos bairros Conservas e Morro 25.
De acordo com a bióloga da Secretaria de Meio Ambiente (Sema), Rosane Girardi, 78 TACs foram assinados. Resta realizar vistorias na área do bairro Carneiros, entre o paredão de Carneiros e a foz do rio Forqueta.
Em Cruzeiro do Sul, foram assinados 120 TAC’s. Outros 30 serão consolidados na próxima semana, conforme a bióloga responsável pelo projeto, Cristiane Welter. O total será próximo de 280. Lá, os problemas se concentram nas localidades de Desterro, São Miguel e próximo à barragem. É onde estão os moradores mais resistentes às exigências do MP.
Entrevista
Promotora Mônica Maranguelli de Ávila
Responsável pelo Projeto do Corredor Ecológico do Rio Taquari
A Hora – Como está o andamento do projeto após a troca de gestores municipais?
Mônica – Esperávamos algumas dificuldades com a troca de administrações. Por isso, estamos dando um tempo para que as novas equipes técnicas se organizarem. Até o fim do mês será realizada reunião para verificarmos o andamento do processo nos municípios.
Muitos municípios reclamam da falta de mudas. Como o MP vê esse problema?
– O MP está ciente de que algumas mudas indicadas estão em falta. Os viveiros próximos estão com alguma dificuldade para repassar essas plantas, por isso, buscamos novas fontes. Creio que isso sirva de alerta para os empresários do ramo, pois se trata de uma nova demanda que tende a aumentar. É um novo nicho de negócio.
Muitas construções e criadouros foram flagrados dentro de APPs. Como evitar essa recorrência?
– É lamentável que as pessoas sigam realizando esse tipo de obra. É uma irresponsabilidade. Colocam em risco a vida de seus familiares, pois vivem em áreas de risco. Gostaríamos que não fosse necessária a nossa intervenção, ou da polícia. O ideal é que os próprios moradores saibam da necessidade de proteger as encostas do rio. Mas, havendo o descumprimento, o MP agirá para coibir esses atos.
Há um prazo para finalizar o projeto do Corredor Ecológico?
– Trabalhamos com um prazo de 20 anos para a consolidação do nosso projeto. Ele está bem encaminhado, apesar dos problemas pontuais, que eram esperados em função da grandiosidade do objetivo. Agora iniciaremos também a recuperação da mata ciliar nos principais afluentes do Rio Taquari. O trabalho iniciará em Santa Tereza, mas será difundido para todos os 13 municípios lindeiros.
Saiba mais
O Corredor Ecológico integra uma faixa ribeirinha de cerca de 250 quilômetros de extensão por até 30 de largura, que somando as duas margens do rio, contemplará cerca de 500 quilômetros de comprimento. Participam: Estrela, Encantado, Bom Retiro do Sul, Colinas, Cruzeiro do Sul, Roca Sales, Lajeado, Arroio do Meio, Muçum, Venâncio Aires, Santa Tereza, General Câmara e Taquari.
São quatro etapas. Em primeiro lugar são realizadas vistorias e projetos de recuperação. A partir disso, é elaborado um plano que leva em consideração a situação ambiental, ocupacional, econômica e social da área. Todos os projetos passam pela análise do Departamento de Florestas e Áreas Protegidas – Defap/RS.
Num segundo momento, são realizadas audiências com proprietários. Após os esclarecimentos, os moradores assinam um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Firma-se um acordo entre o Ministério Público, município e proprietário, com anuência do Defap e da Emater/Ascar/RS. Nele, todos se comprometem a executar o Projeto de Recuperação. Assinado o TAC, se inicia o plantio das mudas pelos proprietários.