Sobrevivente da tragédia volta para casa

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Sobrevivente da tragédia volta para casa

Joel Berwanger relembra os momentos do incêndio e cobra punição aos culpados

oktober-2024

Arroio do Meio – A sexta-feira foi especial para a família Berwanger, de Forqueta. Após ficar 54 dias internado no Hospital da Caridade de Santa Maria, Joel retornou para casa. O estudante de 18 anos, que cursa o segundo semestre de Agronomia, foi um dos sobrevivente do incêndio na boate Kiss, que vitimou 241 pessoas.

sA queimadura nas costas e no braço esquerdo são marcas do trágico dia 27 de janeiro. Berwanger se recupera com auxílio de remédios e aproveita a última semana de férias na companhia dos pais José e Gladis e da irmã Denise.

Em 1° de abril, retorna à sala de aula da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). A lembrança dos colegas mortos na maior tragédia do estado será um dos obstáculos do semestre. Pelo menos dez não conseguiram sair da Boate Kiss.

Em entrevista à reportagem do A Hora, Berwanger narra momentos do incêndio, cita as pretensões para o futuro e cobra punição aos culpados. Na última semana, a Polícia Civil apresentou o inquérito sobre o incêndio em Santa Maria.

Dezesseis pessoas foram indiciadas. Entre elas, o vocalista e produtor da banda Gurizada Fandangueira, sócios e gerente da boate Kiss, bombeiros que vistoriaram o local e funcionários do Executivo de Santa Maria.

Entrevista

A Hora: Quais são as lembranças dos minutos que antecederam o incêndio? Como saiu da boate Kiss e como recebeu os primeiros cuidados?

Berwanger: Fui na festa com um grupo de colegas. Estávamos bem no fundo da boate Kiss. Numa hora, eu e um amigo fomos ao banheiro, que é mais perto da entrada. Quando saí, tinha o tumulto. Ouvi alguém gritar “está pegando fogo.” Meu amigo correu e fui atrás dele. Não vi fogo nenhum, nem olhei pra trás.

Quando cheguei na porta de saída, estava cheio de gente, não dava para andar. Nesse momento veio a fumaça. Levantei a camisa para proteger o nariz e depois não me lembro mais de nada. Não sei como saí nem como me queimei. Me disseram que eu estava sozinho tentando tirar algo do rosto, tipo um plástico.

Lá fora desmaiei. Acordei sob o cuidado de gurias. Depois, fui procurar um conhecido, mas não achei ninguém. Vi que não seria levado nunca ao hospital, porque tinha gente muito pior que eu. Aí um casal me ofereceu carona para o hospital.

A Hora: Como foram os 54 dias internados no Hospital da Caridade?

Berwanger: No começo foi bem difícil. O clima do hospital até que não era ruim, mas eu sentia bastante dor por causa das queimaduras. Nas duas últimas semanas, foi mais tranquilo.

Durante o tempo que estive lá, vi muita solidariedade. Tinha o grupo de voluntários que ajudava os sobreviventes e os pais. Dava comida, água e apoio. Muitas conhecidos vieram pedir se pudiam me ajudar em algo.

A Hora: Pretende voltar a estudar na UFSM?

Berwanger: Quero voltar logo. Quanto antes voltar à rotina, antes supero a tragédia. As aulas começam agora, no dia 1° de abril. Nessa semana, quero ficar em casa com minha família.

A Hora: Qual a sensação ao retornar para casa?

Berwanger: Sensação de alívio, até por sair do hospital e voltar para a sociedade. Poder ver de novo meus pais e meus amigos.

A Hora: Qual é o sentimento ao ver o inquérito da Polícia Civil? O que espera da Justiça?

Berwanger: Acabei sem tempo para acompanhar os resultados do inquérito. É ruim dizer quem são os culpados, pois têm muitos. Para mim, os maiores responsáveis pela tragédia são os bombeiros, que deveriam fazer a vistoria e fiscalização da boate.

Na hora do incêndio, não sei se os bombeiros de Santa Maria salvaram uma pessoa. Eles ficaram na porta e só os voluntários entravam. Eles ajudavam a puxar quando a pessoa estava quase fora. Não tinha estrutura nenhuma, eles foram negligentes.

A Hora: Ficou algum trauma após a tragédia? Acredita que conseguirá sair para bailes ou festas?

Berwanger: Não sei como será. No começo pode ter um trauma, mas não posso dizer que vou deixar de sair. Eu ainda tenho vontade. Uma coisa que me espantou foi quando, no hospital, o fisioterapeuta perguntou para mim: “Agora, boate nunca mais?” Sei que foi uma tragédia, mas não posso deixar de tocar a vida.

A Hora: As pretensões para o futuro continuam iguais?

Berwanger: Sim, continua tudo normal. Quero me formar no curso de Agronomia e, no futuro, trabalhar na área.

A Hora: O que representa para você ser um dos sobreviventes da tragédia? E saber que 241 pessoas, muitas da sua idade, morreram na boate Kiss?

Berwanger: É complicado definir isso. Tive muita sorte. Sempre dizia que tinha tudo contra mim. A chance maior era de não sair. Penso que os pais que perderam filhos precisam ver os culpados serem punidos. Tenho um colega que não conseguiu sair. Ele e o irmão morreram. Imagina o que esses pais pensam agora, eles precisam de Justiça.

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